Viés político de pacote fiscal dificulta avanço no Congresso



O viés político do pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo – esperado há meses por agentes econômicos – criou dificuldades adicionais para seu avanço no Congresso. Sob a liderança do ministro Fernando Haddad (Fazenda), as medidas ignoraram as elevadas tensões geradas pelas incertezas nas contas públicas, refletidas em indicadores como câmbio e juros, priorizando objetivos eleitorais.

A desconfiança do mercado e de parlamentares só aumentou, especialmente com a inclusão da proposta de elevar a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, representando uma renúncia de receitas de dezenas de bilhões de reais.

O desafio agora, para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua equipe econômica, é negociar as propostas que serão encaminhadas ao Legislativo, buscando resultados concretos no menor tempo possível. Segundo analistas e políticos, a aposta na narrativa de justiça social para sustentar o pacote fiscal oculta interesses políticos divergentes, resistências parlamentares e impactos reais na economia.

Após dialogar com líderes da Câmara e do Senado e anunciar publicamente o pacote, o governo pretende enviar aos deputados, ainda este ano, ao menos uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e um Projeto de Lei Complementar (PLP) com o objetivo de promover mudanças em gastos obrigatórios relacionados a salários de servidores, renda de assalariados, previdência de militares e benefícios sociais, em um calendário apertado. No entanto, não há sequer rascunhos dessas iniciativas disponíveis para análise, o que só deve ocorrer na próxima semana.

A intenção de votar as propostas antes da aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), previstas para até 23 de dezembro, enfrenta grandes desafios. A expectativa é que o pacote fiscal avance na Câmara, mas enfrente pausas no Senado. Já a reforma da renda, etapa final da reforma tributária, será apresentada pelo governo apenas em 2025, com previsão de análise no segundo semestre.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou nesta quinta-feira (28) que o pacote fiscal será uma prioridade. “Teremos três semanas de muito trabalho para concluir o ano com a LOA e a LDO aprovadas. A contenção de gastos também será uma prioridade”, declarou. Após reunir-se com Pacheco e líderes partidários, o ministro Fernando Haddad disse ter sentido um “clima receptivo”, mas reconheceu que três semanas é um prazo curto para discutir a proposta de isenção do Imposto de Renda (IR) para salários de até R$ 5 mil.

“Nosso compromisso com o governo é que, assim que a Câmara aprovar a PEC e o PLP, o Senado submeterá diretamente ao plenário para ratificar, com revisões, o que for definido no pacote”, garantiu Pacheco. Entretanto, ainda falta um posicionamento mais firme por parte do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Analistas descartam tempo hábil para Congresso aprovar pacote fiscal em 2024

Segundo assessores parlamentares ouvidos pela Gazeta do Povo, será necessário, para esgotar a pauta, convocar sessões deliberativas de segunda a quinta-feira nas próximas semanas. Inclusive, uma sessão do Congresso pode ocorrer na quarta-feira (4), após a votação da Comissão Mista de Orçamento (CMO), com o objetivo de liquidar projetos e vetos pendentes.

O cientista político Ismael Almeida considera praticamente impossível que o pacote seja aprovado ainda este ano, especialmente porque a reforma tributária ocupa o topo da lista de prioridades, e o tempo até o recesso parlamentar é limitado. “Serão, no mínimo, uma PEC, um PLP e outros projetos de lei envolvidos. Não há tempo hábil”, avalia. Ele também ressalta que o ritmo da tramitação dependerá da reação do mercado ao anúncio, fator que costuma influenciar diretamente o Congresso.

Na melhor das hipóteses, os textos podem ser aprovados na Câmara, mas dificilmente avançarão no Senado, como ocorreu com a regulamentação da reforma tributária na virada do ano passado. Ainda assim, Almeida reconhece que pode haver uma articulação de interesses para aprovar alguma medida do pacote em tempo recorde, “mesmo que apenas para enviar um sinal positivo ao mercado”.

Para especialista, governo priorizou a narrativa política e esqueceu a economia

Para Leonardo Barreto, da consultoria política Think Policy, a maneira como o governo apresentou o pacote evidencia sua prioridade no processo político: a construção de uma narrativa. No entanto, essa abordagem não contribui para resolver o problema de falta de confiança na gestão econômica.

“Incluir a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil apenas complicou o anúncio e fez o dólar quase chegar a R$ 6. Apesar disso, o Planalto considerará a estratégia de comunicação um sucesso, já que conseguiu desviar o foco do corte de gastos e redirecionar para temas como justiça tributária e desigualdade de renda”, analisa.

A elevação da faixa de isenção do IR, promessa de campanha de Lula, tornou-se prioridade no terceiro mandato. Inicialmente considerada audaciosa por causa da alta renúncia fiscal, a medida gerou ceticismo até entre aliados no Congresso. Apesar disso, Lula insistiu e técnicos buscaram alternativas para viabilizá-la antes de 2026. No mercado, estimativas apontaram impacto fiscal de até R$ 100 bilhões, mas a equipe econômica do governo projeta R$ 35 bilhões.

Com a promessa de economizar R$ 70 bilhões em dois anos, Haddad apresentou linhas gerais das medidas em pronunciamento de quase oito minutos em rede nacional de rádio e TV na noite de quarta-feira (27). As ações envolvem mudanças em gastos obrigatórios, que o ministro optou por não chamar de cortes, preferindo o termo “reforço ao arcabouço fiscal”.

Entre as propostas estão alterações no abono salarial, na previdência dos militares, nas emendas parlamentares e nas regras de reajuste do salário-mínimo. “Já devolvemos ao trabalhador e à trabalhadora o ganho real no salário-mínimo. E com as novas regras propostas, o piso continuará subindo acima da inflação, de forma sustentável e dentro da nova regra fiscal”, afirmou Haddad.

Haddad culpou governo Bolsonaro por aperto fiscal e descartou privatizações

Em coletiva nesta quinta-feira (28), o ministro Fernando Haddad atribuiu à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a responsabilidade pelo cenário fiscal, descartando privatizações e as “maquiagens adotadas pelo governo anterior”. Ele também prometeu intensificar o pente-fino em privilégios, para garantir que as políticas públicas atendam “a quem realmente necessita”.

No campo da previdência militar, Haddad anunciou mudanças como o aumento da idade mínima para a reserva e maior rigor nas regras de pensões. A economia anual esperada com essas alterações é de R$ 2 bilhões. “São mudanças justas e necessárias”, ressaltou o ministro.

Em relação ao abono salarial, o valor máximo continuará fixado em R$ 2.640 (equivalente a dois salários-mínimos), mas passará a ser corrigido apenas pela inflação, deixando de ter aumentos reais, como ocorre atualmente com o salário-mínimo.

Outro ponto destacado foi a limitação dos supersalários no funcionalismo público, com correções em brechas legais que permitem pagamentos acima do teto constitucional. “As medidas combatem privilégios incompatíveis com o princípio da igualdade. Vamos corrigir excessos e garantir que todos os agentes públicos respeitem o teto constitucional”, concluiu Haddad.

Quanto às emendas parlamentares, o ministro afirmou que o governo, em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, aprimorou as regras do Orçamento para conter a dinâmica desses recursos e direcionar mais verbas para a saúde.

O deputado Gustavo Gayer (PL-GO), um dos muitos parlamentares de oposição, destacou em suas redes sociais a alta do dólar, que atingiu uma cotação recorde próxima de R$ 6 — acima do pico registrado durante a pandemia (R$ 5,85) — logo após o anúncio de Haddad sobre o aumento da isenção do Imposto de Renda.

“No dia em que sai uma pesquisa eleitoral desfavorável, o ministro evitou falar em corte de gastos e ainda anuncia uma redução de receitas”, criticou Gayer. “O resultado disso é mais aumento no custo de vida do brasileiro, impactando diretamente o preço do pão, da gasolina e da carne”, ilustrou o parlamentar.

PSDB e empresários criticam tom populista e “pacote de faz de conta”

Em nota, o presidente do PSDB, Marconi Perillo, afirmou que o Brasil precisa de um verdadeiro choque fiscal, e não de um “pacote de faz de conta” como o apresentado pelo governo federal. Perillo criticou a ausência de cortes efetivos nas medidas anunciadas, destacando que áreas como os gastos supérfluos da presidência, subsídios fiscais e o déficit das estatais foram ignoradas.

Segundo ele, o pacote evidencia a falta de responsabilidade com as contas públicas, refletindo a tônica da atual gestão, que prioriza o aumento de gastos e de impostos.

Para o empresário e conselheiro de empresas Ismar Becker, apesar dos efeitos prejudiciais do insuficiente ajuste fiscal, o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outras 36 pessoas por suposta tentativa de golpe de Estado continuará dominando o cenário político até o julgamento dos envolvidos. “Com o impedimento do ex-presidente de ser candidato em 2026, Lula perde o adversário predileto e, por tabela, o discurso da defesa da democracia, enquanto o país ruma ao abismo econômico”, analisa.

O economista e consultor de investimentos Vandyck Silveira avalia que o governo, após muito debate interno, apresentou uma proposta ainda mais problemática do que o esperado.

“Essa isenção de IR foi um tiro nos dois pés, demonstrando completo desprezo pelo equilíbrio fiscal. Além de representar uma perda significativa de receita, também adiciona pressão inflacionária”, afirmou. Ele também vê pouco impacto na contenção do reajuste extra do salário-mínimo, classificando-a como “mais uma oportunidade perdida”.



source