A Venezuela chega em uma semana decisiva para uma disputa que já dura 5 meses. Desde a vitória eleitoral de Nicolás Maduro em 28 de julho de 2024, a oposição de extrema direita venezuelana questiona os resultados e diz que não permitiria a posse do chavista. A cerimônia que vai confirmar o terceiro mandato do chavista na Assembleia Nacional está marcada para esta sexta (10) e o cabo de guerra entre governo e oposição terá um desfecho nos próximos dias.
O governo tem dito que a segurança nas ruas está garantida. No último domingo (5), a Assembleia Nacional convocou a juramentação do presidente eleito. Já nesta segunda-feira (6), o ministro do Interior, Diosdado Cabello, disse que as forças de segurança estão preparadas para as ameaças da extrema direita.
“A Venezuela está em paz e vai seguir em paz. Nós garantimos a paz aos venezuelanos, mas temos que estar alertas. Temos que estar atentos. Não se pode baixar a guarda, temos que estar em guarda alta sempre”, disse em entrevista coletiva.
Já a oposição não só diz que tomará posse, como está promovendo uma articulação internacional para angariar apoio de outros governos em uma pressão contra Nicolás Maduro.
O ex-candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, se encontrou com os presidentes da Argentina, Javier Milei, do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e dos Estados Unidos, Joe Biden, em um esforço de mostrar força política para tentar um golpe no país vizinho.
Em todas as ocasiões, ele reforçou a ideia de estar em Caracas em 10 de janeiro para tomar posse. Edmundo, no entanto, não especificou como pretende ir ao país, já que é alvo de um mandado de prisão emitido pelo Ministério Público.
Na última semana, o Corpo de Investigação Científica, Criminal e Forense da Venezuela (CICPC) divulgou que estava oferecendo uma recompensa de US$ 100 mil (R$ 620 mil) para quem apresentasse ao MP informações sobre o “paradeiro” do ex-candidato da extrema direita.
Em todos esses encontros, González levou uma cópia de uma ata eleitoral emoldurada para os presidentes dos outros países.
Para o advogado e especialista em economia política, Juan Carlos Valdez, a ideia desse tour de Edmundo é especular quanto apoio financeiro e militar a oposição têm para tentar impedir a posse de Maduro ou promover uma movimentação depois do dia 10 de janeiro.
“Eles estão fazendo isso para ver até onde esses países são capazes, militarmente, de invadir a Venezuela. Isso é uma aposta muito alta, mas pouco provável”, afirmou ao Brasil de Fato. “A tática é fundamentalmente essa neste momento. Tatear até onde esses países vão se comprometer nessa aventura de atacar a Venezuela. Mas uma coisa é o que um presidente como Milei diz, outra coisa é tentar mover tropas para invadir um país vizinho”.
A tour internacional de Edmundo Gonzalez ainda deve passar por Panamá e República Dominicana, além de já ter conversado com o presidente do Paraguai, Santiago Peña.
O jornalista e analista de política internacional Eduardo Cornejo afirma que esses outros países não têm força política nem energia para de fato ajudar Edmundo neste momento. Para ele, o ex-candidato está sendo usado para cobrir problemas internos de outros governos.
“Edmundo González está sendo usado para justificar ou tentar apagar crises nos seus países. Porque a situação de Milei na Argentina não é fácil. Está complicado, uma série de medidas, eles têm problemas internos inclusive, sua vice-presidência, a questão da ministra de Relações Exteriores, o ministro do Interior, problemas com a sua própria bancada.”
Última cartada da oposição
A oposição questiona o resultado das eleições desde 28 de julho. A líder da extrema direita venezuelana, María Corina Machado, publicou no último sábado (4) o que seria uma atualização dos resultados das atas recolhidas pela oposição.
De acordo com a ex-deputada ultraliberal, foram recolhidas 85,18% das atas eleitorais da Venezuela com resultados que dariam a vitória à Edmundo González com 67% dos votos válidos (7.443.548 votos). Já Nicolás Maduro teria recebido 30% do total de votos, somando 3.385.155 eleitores. A publicação ainda afirma que os outros oito candidatos teriam recebido 273.063 votos.
A coalizão de extrema direita, no entanto, não divulgou as cópias de maneira pública e não disse porque estava atualizando os dados depois de mais de cinco meses do pleito.
Como última cartada para tentar mobilizar os opositores, Machado convocou uma marcha para o dia anterior à posse com o lema “a liberdade se alcança quando vencemos o medo”. Depois de ficar mais de três meses sem aparecer em manifestações, a líder da extrema direita disse que estará nas ruas na quinta-feira (9) para participar dos atos contra o governo.
Os últimos atos da oposição tiveram pouca participação popular. Em dezembro, o grupo conseguiu articular movimento apenas em uma praça na zona leste de Caracas, região nobre da capital. O ato reuniu dezenas de pessoas e não conseguiu expressar nem na imprensa, nem nas redes sociais, uma força importante para tentar impedir a posse de Maduro.
Depois de se ausentar em diversos movimentos, María Corina disse que não vai “perder esse dia por nada nesse mundo” e convocou os opositores para as ruas em um ato que promete ser o “dia que a Venezuela deu um basta”.
Para Cornejo, a narrativa de que este é o momento de mudança está presente no discurso da oposição desde o golpe contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002. Segundo ele, o que mudou são as tecnologias com que se propaga esse discurso.
“É a mesma mensagem: ‘já caiu Chávez’, ‘falta pouco’, esse foi o golpe de Estado de 2002. Agora vem o discurso de ‘já caiu Maduro’. É a mesma mensagem, mas no Tik Tok, no Instagram, nas redes. É a mesma coisa. Mas o que mudou? Mudou que o governo bolivariano tem mais experiência em tratar esse tipo de assunto”, disse ao Brasil de Fato.
Os especialistas avaliam que há um descontentamento na sociedade venezuelana, resultado dos baixos salários. Por conta das sanções aplicadas pelos Estados Unidos e União Europeia contra o setor petroleiro venezuelano, o governo perdeu a capacidade de aumentar os pagamentos dos funcionários públicos e, ao mesmo tempo, de fazer investimentos em outros setores, o que impactou nos vencimentos também dos trabalhadores privados.
Para Valdez, a falta de mobilização das ruas é uma tendência para essa semana, não só por parte da oposição, mas do próprio governo, que não tem tido uma expressão forte de apoio nas marchas.
“Ninguém tem força. Nem a oposição nem o governo têm força para colocar ninguém nas ruas. E sobretudo a oposição que está pressionando midiaticamente. Essa oposição não mobiliza gente na Venezuela. Claro que há um clima de tensão, mas é um clima que se centra na ideia de muitos de que os Estados Unidos podem nos invadir”, disse.
Ele criticou também o fato de a oposição não usar os recursos legais para tentar impugnar as eleições no país, já que estão convictos de que ganharam o pleito. O Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) começou a investigar as atas depois da judicialização do processo.
A Justiça convocou todos os candidatos que disputaram o pleito para ouvir sobre a corrida eleitoral e as denúncias de ataques ao sistema do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). O órgão denunciou uma interferência no sistema eletrônico durante a apuração dos votos que teria impedido a transmissão dos resultados para a sistematização. A oposição de extrema direita, no entanto, não enviou representantes.
“Eles nunca impugnaram o resultado das eleições, por dois motivos: ou porque não tinham certeza de que ganharam, ou porque as eleições nunca foram uma questão e eles sempre quiseram um golpe de Estado. Agora, dependendo do movimento opositor, isso pode ficar claro”, disse Valdez.
Edição: Leandro Melito