Para alguns negócios, a sazonalidade é a grande responsável por manter as vendas em alta ao aproveitar datas comemorativas ou períodos que impulsionam de maneira estratégica o negócio.
No final do ano e na alta temporada que se estende até o mês de fevereiro, alguns setores se beneficiam da grande demanda temporal para alavancar vendas. É o caso de comércios ligados ao turismo, hotelaria e até mesmo sorveterias, por exemplo.
Mesmo ampliando o faturamento consideravelmente em certos momentos do calendário, o desafio que fica a estas empresas é levar em conta os aprendizados durante o período de pico de vendas e replicá-los durante todo o ano.
Por essa razão, o atributo da sazonalidade pode não apenas afetar o desempenho financeiro do negócio, mas ser espaço fértil para criação de táticas de longo prazo.
Marca paulista de sorvetes, a Sorvetes Rochinha é um exemplo clássico dos impactos dos picos de vendas em mercados tipicamente sazonais. Quase 70% de todo o faturamento anual da marca é obtido nos meses mais quentes do ano, de setembro a março — um reflexo direto do impacto do clima e do verão nas cifras da companhia.
No portfólio, as grandes estrelas são os picolés, categoria mais bem-sucedida no ramo dos sorvetes. “Essa categoria é a categoria mais rentável para a indústria disparada, mas também é a mais sensível à sazonalidade”, avalia Lupércio Moraes, CEO da Rochinha.
Mesmo sendo sucesso em vendas, os picolés representam um desafio estrutural aos empreendedores, a começar pela instalação e manutenção de freezers em cada ponto de venda. Além disso, há também o aspecto cultural envolvendo o consumo de sorvetes no país, pontua Moraes.
“Há uma questão cultural envolvendo os sorvetes no Brasil, uma crença de que é um produto apenas para o calor. Mostrar que é um item que pode ir além, ser uma sobremesa para todo e qualquer clima, é um grande desafio”, diz. Segundo Moraes, a variação de vendas entre os meses de verão e inverno pode chegar a 50%.
Amplifique seus canais
O bom desempenho no período desafia a Rochinha a pensar em soluções que reverberam também nos meses de clima mais ameno e frio, em que naturalmente não há tanto desejo pelos picolés da marca. Parte dessas está na aposta na alimentação fora de casa, o chamado food service, explica o CEO.
Ao se aproximar de bares e restaurantes como um fornecedor de sorvetes que para durante o ano inteiro. Na prática, o produto da Rochinha serve de acompanhamento a um extenso leque de sobremesas em bares e restaurantes, como bolos e bananas flambadas, além de ser matéria-prima para milk-shakes, por exemplo.
Apostar na diversidade de canais e pontos de venda para além das sorveterias à beira-mar é uma estratégia para contornar o impacto negativo da queda de circulação de clientes por ali após o carnaval.
“Por termos uma marca forte, produtos nobres e de alta qualidade, temos uma área de pesquisa e desenvolvimento bem madura olhando para essa família de produtos. Então, nós estamos levando a marca e a qualidade Rocinha para dentro dos estabelecimentos. E aí sim você tem um único canal que você praticamente não tem sazonalidade ao longo do ano”.
Segundo Moraes, o B2B ainda representa pouco do negócio, mas a intenção é ampliar essa participação nos próximos anos.
“Tem sido e continuará sendo nossa armadilha para nos blindar dessa sazonalidade brutal que a gente sofre”, conta.
Nos planos da Rochinha também está a aproximação com chefs para a criação de cardápios exclusivos de sobremesas que possam ter o sorvete como acompanhamento principal.
Para empreendedores que também percebem os impactos da sazonalidade, a diversificação de canais é uma dica valiosa, afirma Moraes.
Defina a mensagem certa
Se de um lado a diversidade de canais auxilia empreendedores a contornar a sazonalidade, de outro a aproximação com a clientela mais fiel e seus canais de preferência também ajuda a reforçar as vendas, mesmo em períodos não tão aquecidos.
Essa é a estratégia adotada pela Tramadie, marca brasileira de sandálias criada pela executiva Laura Gaspari.
A Tramadie se arrisca ao apostar em um produto de grande popularidade, mas ainda pouco comum no Brasil: as espadrilles, uma espécie de sandália popular em países europeus como França e Espanha e que por aqui fazem parte do catálogo de grandes marcas como Schutz e Arezzo.
Longe do verão europeu, o caráter “la belle époque” do item traz consigo obstáculos para a Tramadie, a começar pelo convencimento de que o calçado pode ser usado para além desse período.
Para Laura, driblar a sazonalidade das sandálias tem sido questão de fidelização e criatividade. Para isso, a marca criou campanhas de marketing que comunicam a usabilidade do produto ao longo de todo o ano e não apenas durante o verão e na praia.
“Apesar de ser um produto de verão, fora daqui onde ele nasceu, na Espanha, na França, as mulheres têm um armário de espadrilles, enquanto aqui no Brasil é comum que se tenha um ou dois, máximo“, conta a empreendedora.
“Hoje, já noto as mulheres, muitas das nossas clientes já estão usando aqui no dia a dia, para trabalhar, para eventos mais sociais, e isso essa transição para o uso urbano tem sido gradual”.
Apesar dos esforços por trazer as espadrilles para o contexto urbano, Laura reconhece o caráter de veraneio das sandálias, cuja confecção é de materiais leves e de design vazado. Por essa razão, a marca optou por internacionalizar seu discurso.
Na prática, isso significa que a Tramadie busca reforçar que o calçado pode ser usado em várias partes do mundo. “Sempre é verão em algum lugar”, diz. De tíquete-médio alto (cada sandália custa a partir de R$500), comunicar isso à clientela composta por viajantes internacionais não tem sido um grande problema.
Adapte seu catálogo
Para além das ações ligadas à comunicação, a Tramadie também tem inovado seu portfólio de produtos como uma maneira de escapar dos altos e baixos trazidos pela sazonalidade do verão.
A mais recente criação foi uma bota elaborada pelo mesmo material da sua sandália best-seller, a malha Knit. “Só no primeiro inverno em que adotei essa ideia, aumentei em 30% as vendas”, lembra.
Organize o caixa
Considerando a disparidade de receitas em diferentes momentos do ano, uma das principais recomendações é a organização financeira.
Empreendedores devem planejar cuidadosamente o orçamento, reservando um caixa que permita o negócio operar de forma saudável, mesmo em meses de vendas reduzidas. Com isso, a alta demanda do verão é capaz de suprir as lacunas deixadas por outras estações.
(texto de Maria Clara Dias)