Nos últimos anos, tive a oportunidade de lecionar econometria e matemática no ensino superior. São disciplinas que exigem maior concentração e uma simples distração pode fazer com que o aluno perca o fio da meada.
Percebo, contudo, que os alunos estão cada vez mais distraídos em sala de aula. Por isso, sempre peço que desliguem seus aparelhos eletrônicos, não apenas por eles, mas também em respeito aos colegas. Hoje, eu diria que o celular é um dos principais fatores que reduzem a concentração em sala de aula. É como levar um parque de diversões para dentro da sala de aula: a tentação é enorme.
Segundo resultados do Pisa (2022), avaliação feita pela OCDE para diversos países, no Brasil, 45% dos alunos reportaram que o uso de aparelhos digitais os distraía nas aulas de matemática. O problema não é só para quem usa, mas para os demais: 40% dos alunos reportaram que foram distraídos pelo uso dos colegas. Uma pesquisa na China revelou que 78% dos estudantes de ensino superior jogam no celular durante as aulas. Surge, então, um desafio: como conscientizar os jovens que o uso prolongado de apps pode trazer problemas de saúde mental, prejuízo no desempenho escolar e no mercado de trabalho?
Esse é um desafio para pais e gestores. Há uma discussão se devemos ou não proibir os celulares nas escolas. Em São Paulo, a proibição já está valendo. O estudo “Digital distractions with peer influence: the impact of mobile app usage on academic and labor market outcomes“ de Barwick e coautores analisa como o uso de aparelhos celulares por estudantes e seus colegas afeta negativamente performance acadêmica, bem-estar físico e os salários no início da carreira profissional.
Os autores utilizam dados de três coortes de estudantes de ensino superior ao longo de até quatro anos de uma província chinesa. Eles tiveram acesso aos dados do uso de celulares pela operadora de todos os assinantes locais assim como os dados administrativos, demográficos e acadêmicos (antes e durante o curso) dos estudantes.
Os autores observam que, imediatamente após a política de restrição ao tempo de jogo online imposta a menores de idade pelo governo chinês em 2019, estudantes com um maior número de colegas menores de idade tiveram uma redução significante no uso de apps de jogos.
Por outro lado, utilizando os dados de alocação dos alunos nos dormitórios da universidade, os autores mostram que o aumento de colegas de quarto que usam apps aumenta o uso individual em 5,8%. Além disso, mostram que não só o uso próprio dos apps, como também pelos colegas de quarto, reduz as notas dos indivíduos e os salários no início da carreira. Se você vive num ambiente em que mais colegas utilizam apps, é possível considerar que há um ambiente menos propício para estudar, reduzindo o efeito de influência positiva entre colegas.
Por fim, eles mostram que o uso de apps reduz a alocação de tempo de estudo e aumenta tanto as faltas como os atrasos em salas de aula. Ademais, através de uma pesquisa online, alunos que utilizam por mais tempo apps reportam maiores problemas de saúde mental e menor disposição física. Esses jovens ainda indicam que aplicam para menos ofertas de emprego e estão menos satisfeitos com as ofertas que recebem.
Os resultados do estudo se aplicam à China, porém reforçam suspeitas já existentes: o abuso no uso diário de apps pode resultar em diversos efeitos negativos entre seus usuários. Esses achados destacam a importância de debates entre a sociedade e gestores públicos jovens para que seja possível desenhar políticas que reduzam o uso excessivo de aparelhos eletrônicos pelas crianças e jovens.
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