Em certos momentos da história, analisar a política e o comportamento da sociedade é como escrever um manual de instruções de um aparelho que vemos pela primeira vez. É preciso desaprender a detectar mecanismos que seguem padrões já conhecidos e descobrir como giram as novas engrenagens.
Os últimos anos representaram um desafio dessa natureza. Quando publiquei minhas primeiras colunas na Folha, de 2017 para 2018, Lula estava à beira de uma condenação que o levaria à prisão. Jair Bolsonaro era um agitador com popularidade ímpar nas redes e dois dígitos nas pesquisas. O barulho feito por Donald Trump mal transmitia a resiliência de um movimento político que se espalharia pelo planeta.
O mundo já atravessava um ciclo de corrosão de consensos, remodelação de preferências eleitorais, mudanças de atitude das elites e substituição de seus líderes. Instituições enfrentavam sintomas de uma epidemia de desconfiança, causada em grande parte por vícios próprios, mas também pela sabotagem de grupos doidos para desbancá-las.
Não há muitas dúvidas de que os próximos tempos serão marcados pelo aprofundamento desse processo. Mais do que a ascensão e a queda de personagens políticos, estarão em jogo a reformulação de modelos de representação democrática, de conceitos de bem-estar e dos ecossistemas de informação nos quais os cidadãos formam suas visões de mundo.
O jornalismo profissional ocupa uma posição privilegiada para relatar essas transformações, analisar por que os políticos agem como agem, identificar as consequências dessas ações e alertar para violações de princípios básicos cometidas no caminho, incluindo a deterioração de pilares democráticos. Aqui, tive liberdade irrestrita para me dedicar a essas tarefas e manifestar minhas próprias incertezas.
Esta é a última das quase 1.400 colunas deste período de sete anos por aqui. Pude me inspirar em ídolos do passado e grandes profissionais que continuam na vizinhança. Agora, passo a me dedicar a outras funções na Folha. Deixo um agradecimento sincero aos leitores, que espero reencontrar nas páginas do jornal sempre que for possível. Até a próxima.
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