Turma do Palácio do Planalto foi mesquinha com Alckmin – 14/12/2024 – Elio Gaspari


A turma do palácio foi mesquinha com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, ao forçar o fingimento de que Lula não precisava transmitir o cargo antes de internar-se no Sírio-Libanês. Palacianos são assim mesmo, têm horror à ideia de que o monarca seja substituído. Num caso extremo, basta olhar a lista de indiciados pelo golpe de 2022/2023.

Se Alckmin não precisava assumir, em que condição ele foi chamado, na segunda-feira, para receber o primeiro-ministro da Eslováquia?

Os palacianos de 2024 reprisaram um mau filme do século passado. Era o ocaso da ditadura e a clique perdeu a parada.

No início da tarde de 18 de setembro de 1981 o presidente João Baptista Figueiredo estava no Rio e fazia ginástica quando sentiu-se mal. Uma ambulância levou-o para o Hospital dos Servidores do Estado. A turma do palácio comandou a operação, e ele entrou numa maca, com o rosto coberto.

Aos 63 anos, Figueiredo estava um caco, mas dissimulava ser um cavalariano atlético. Cardiopata, tinha uma conjuntivite crônica e a coluna vertebral estropiada. O general que chefiava o Serviço Nacional de Informações redigiu uma nota informando que o presidente “sofreu pequena indisposição” e no hospital “constatou-se ligeiro distúrbio cardiovascular”. Tudo mentira, o presidente infartara.

Indo ao coração do problema, o porta-voz da Presidência descartou a necessidade de sua substituição temporária. Foi acompanhado pelo general que ocupava o Ministério da Educação. O vice-presidente era o paisano Aureliano Chaves, ex-governador de Minas.

O dia terminou sem que Aureliano fosse chamado. Pairava sobre o país o temor de que se repetisse a crise de 1969, quando a clique palaciana escondeu a isquemia do presidente Costa e Silva, impediu a posse do paisano Pedro Aleixo e colocou no poder uma Junta Militar.

O Brasil escapou dessa crise por obra e graça do chefe da Casa Civil, professor João Leitão de Abreu. Ele estava em Porto Alegre, desembarcou no Rio, ouviu os médicos que cuidavam do presidente e conversou com os ministros militares.

Vinte e quatro horas depois da chegada de Figueiredo ao hospital, foi o ministro do Exército, general Walter Pires, quem deu a notícia: Aureliano assumiria a Presidência, pois “isso de vice-presidente não assumir é uma tradição que tem de ser quebrada”.

A relação de Lula com Alckmin é de cordial lealdade, mas palácio é palácio. A mesquinharia impediu que se desse uma demonstração de normalidade. Faltou ao Lula 3.0 um Leitão de Abreu.

Esse gaúcho calado foi um dos personagens que passaram pela história apagando o próprio rastro. Ex-ministro do Supremo, chefiou o Gabinete Civil de dois generais. Evitou destrambelhos de Figueiredo, desossou a candidatura de Paulo Maluf à Presidência, abriu o caminho para a eleição indireta de Tancredo Neves e voltou a Porto Alegre, para tomar seu chope e torcer pelo Grêmio.

Lula como paciente

Com seu histórico médico, se Lula fosse um paciente comum, teria feito a tomografia marcada para sexta-feira, dia 6. Teria escapado das dores de cabeça que sentiu nos dias seguintes e da emergência da terça.

Novamente, se Lula fosse um paciente comum, não entraria em avião por um mês.

O paciente Winston Churchill

Desde o tempo dos faraós, os monarcas não gostam de más notícias.

O primeiro-ministro inglês Winston Churchill (1874-1965), um gigante do século 20, teve um AVC em 1949 e o episódio foi habilmente escondido. Um ano depois, ele não se sentia bem e perguntou ao seu médico:

“Vou ter outro derrame?”

Sir Charles Watson, que se tornaria Lord Moran, respondeu, sem dizer muito:

“Você tem espasmos arteriais quando está muito cansado.”

Churchill encerrou a conversa:

“Você não deve me assustar.”

Em 1953 teve outro derrame, novamente maquiado. O Leão continuou como primeiro-ministro até 1955 e morreu aos 90 anos, dez anos depois.


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