As mil páginas dos dois relatórios da Polícia Federal provaram à exaustão que Jair Bolsonaro e um punhado de oficiais palacianos armaram um golpe de Estado em 2022 para cancelar o resultado da eleição vencida por Lula.
Caberá à Justiça estabelecer as responsabilidades pela trama de dezembro de 2022 e dos possíveis atentados contra Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.
Outra questão será estabelecer a responsabilidade desses golpistas no 8 de janeiro de 2023.
Os relatórios da Polícia Federal não cuidam dos acontecimentos desse dia. Mostram apenas como a turma do golpe tentou jogar o 8 de janeiro no colo de Lula e do então ministro da Justiça, Flávio Dino. É pouco.
Àquela altura, Lula já estava no governo. Todas as armações de 2022 ficaram no condicional. Bolsonaro não instaurou o estado de defesa, a campana de Alexandre de Moraes foi abortada e os “kids pretos” ficaram no quartel.
No dia 4 de janeiro, trocando mensagens com um coronel que lhe perguntava se “ainda tem algo para acontecer”, o tenente-coronel Mauro Cid respondeu duas vezes, mas apagou os textos. O coronel voltou a perguntar: “Coisa boa ou horrível?”. Então Cid respondeu: “Depende para quem. Para o Brasil é boa”.
No 8 de janeiro foram invadidos e depredados o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal e o Congresso. Coisas aconteceram e não foram adiante porque Lula, num lance instintivo, salvou o regime recusando-se a assinar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem.
Se tivesse assinado, daria poderes a militares e só Asmodeu sabe o que aconteceria. A ideia da GLO circulou entre ministros de Lula. Além disso, foi enunciada (às 17h10) pelo general da reserva Hamilton Mourão, senador eleito e ex-vice-presidente de Jair Bolsonaro.
O 8 de janeiro seria o “evento disparador” de que falava em novembro o general da reserva Mario Fernandes. Tardio, não disparou coisa alguma.
O tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, acompanhava o ex-presidente nos Estados Unidos e lá recebeu fotos do que acontecia em Brasília naquele domingo. De lá, escreveu: “Se o Exército Brasileiro sair dos quartéis… é para aderir”.
Os relatórios da Polícia Federal mostram que o general da reserva Mario Fernandes, secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência durante o governo de Bolsonaro, havia frequentado o acampamento montado em frente ao QG de Brasília . Tratava com o caminhoneiro Lucão e cuidava dos interesses dos acampados que foram para a praça dos Três Poderes, convocados para a “Festa da Selma”.
Uma vinheta
Nos anos 70 não existiam as Forças Especiais. Os paraquedistas eram vistos como uma tropa de elite. Certo dia, Heitor Ferreira, secretário do presidente Ernesto Geisel, viu que o general Golbery, chefe da Casa Civil, havia recebido um coronel paraquedista encrenqueiro.
Heitor, velho protegido de Golbery, resolveu cobrar a esquisita gentileza.
Golbery explicou-lhe que, na sua função, recebia pessoas para inflar-lhes os egos, ao que Heitor perguntou-lhe o que o coronel queria.
— Ele disse que estava organizado um comando para ir ao Uruguai e sequestrar o Leonel Brizola. (Brizola vivia exilado no Uruguai desde 1964.)
— E o que o senhor disse?
— Disse que fosse, Heitor.
Diante da perplexidade do amigo, Golbery explicou:
— Se eu dissesse para não ir, ele iria para a rede de vôlei e pelo resto da vida diria que havia organizado um comando para sequestrar o Brizola e eu não deixei. Liberado, ele nunca mais vai tocar no assunto.
E assim foi.
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