Decisão afeta aquisição de usinas da Eletrobras no Amazonas por parte de empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista; em despacho duríssimo, Justiça Federal anula conversão de contratos e critica impacto que medida provisória 1.232 terá sobre os consumidores de energia
Em uma decisão duríssima, o juiz federal do TRF1 Ney Bello travou parcialmente nesta 2ª feira (6.jan.2025) a operação de compra de termoelétricas da Eletrobras no Amazonas por parte da Âmbar Energia, empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista (do Grupo J&F). Leia a íntegra da decisão (PDF – 788 kB).
Com frequência citado para ocupar uma vaga do Superior Tribunal de Justiça, Ney Bello concedeu uma decisão em caráter liminar (provisório) que anula a conversão dos contratos de compra e venda de energia de térmicas da Eletrobras para a Âmbar Energia em CER (Contratos de Energia de Reserva). Essa conversão é importante porque só assim a operação se viabiliza como deseja a Âmbar.
A decisão de Ney Bello foi em resposta a uma ação da Cigás (Companhia de Gás do Amazonas), controlada pelo governo do Amazonas e pela empresa privada Termogás, do empresário Carlos Suarez. Para que a conversão dos contratos possa ser consumada, a Âmbar terá de ter anuência prévia da Cigás, segundo determinou o magistrado –atendendo a um pedido apresentado em 3 de janeiro de 2025 e que teve como peticionário o ex-presidente Michel Temer, agora atuando como advogado da distribuidora de gás.
Na sua argumentação ao acolher o pedido, Ney Bello faz também críticas duras contra o conjunto integral da operação de venda das termoelétricas da Eletrobras no Amazonas. “Observo facilmente que a complexa operação do mercado de energia –e da cadeia de fornecimento para o Estado do Amazonas– pode ser compreendida minimamente, ao ponto de se entender as razões pelas quais há fundamental risco para consumidores e para a sociedade como um todo por força da intervenção judicial nos contratos celebrados anteriormente”, escreveu o magistrado. Ele diz no final de sua decisão que “encerrado o recesso forense”, agora em janeiro, os autos do processo devem ser enviados à presidência do TRF1, “órgão competente para decidir o mérito e as questões incidentais a este pedido”. Ou seja, pede que todos os argumentos apresentados por Michel Temer em nome da Cigás sejam analisados.
Essa possível análise pela presidência do TRF1 poderá produzir mais consequências para o negócio de compra das termoelétricas da Eletrobras pela Âmbar, que também pretendia adquirir, na sequência, a Amazonas Energia, distribuidora de energia no Estado.
Na página 47 de seu despacho, Ney Bello explica:
“É que a cadeia operacional se dá a partir do momento em que a Petrobras realiza a lavra do gás e, em momento posterior, o repassa à Companhia de Gás do Amazonas –Cigás. Na sequência da cadeia operacional, o gás é distribuído para as termelétricas e logo utilizado na geração de energia que abastece todo o Estado. Esse abastecimento, portanto, se dá com base em Contratos de Compra e Venda de Energia (CCVE). A partir deles, a Amazonas Energia distribui a energia aos usuários finais. Logicamente há interligação entre os atos aqui questionados e o bem-estar do consumidor final. Por esta razão, há estreita ligação entre as cadeias de suprimento de gás natural e de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica para a comunidade como um todo. Observo, assim, que é exatamente a higidez desses contratos prévios que deve ser observada pelo Poder Judiciário, sem alteração ofensiva ao previamente pactuado –pacta sunt servanda– nem mesmo por medida provisória, que nada mais é do que medida administrativa formalmente legislativa”.
Quando fala que a operação fica comprometida, ainda que sustentada por medida provisória, Ney Bello se refere à MP 1.232 de 2024, que foi baixada logo depois de anunciada a compra das termoelétricas do Amazonas pela Âmbar. No mercado de energia, há uma interpretação de que a MP beneficiou a Âmbar –que nega esse tipo de inferência.
Ocorre que a decisão do TRF1 faz uma dura contestação do processo integral da venda das termoelétricas do Amazonas e cita de maneira direta a edição da MP 1.232 como nociva à maioria dos consumidores brasileiros caso não seja dada antes uma solução para os contratos das termoelétricas com a Cigás.
Um dos pontos centrais da operação gira em torno de um argumento da Cigás, expresso em uma carta enviada à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em que manifesta preocupação com a venda das 13 usinas a gás natural da Eletrobras para a Âmbar. Leia a íntegra do documento (PDF – 511 kB).
Segundo a distribuidora, a Eletrobras tem um passivo em disputa judicial estimado em R$ 50 bilhões com a Cigás –que detém o monopólio da distribuição de gás no Estado– e com a Petrobras –fornecedora do insumo. Com a saída da Eletrobras da região, a Cigás afirma que a cobrança pode ser dificultada havia solicitado à Aneel que impedisse a conclusão do negócio até que a contingência de valores fosse solucionada.
Ao todo, são 5 processos que correm na Justiça Estadual do Amazonas e 2 em trâmite na Justiça do Distrito Federal e Territórios. Essas 7 ações contabilizam cerca de R$ 30 bilhões, segundo a Cigás. São referentes a acordos de compra e venda de gás e cobrança de impostos. Essa cifra se soma ao valor de outros conflitos entre Cigás, Petrobras e Eletrobras não judicializados, mas já estimados em R$ 15 bilhões. Leia a íntegra da relação dos processos (PDF – 211 kB).
A não resolução dessa disputa é que pode levar a um encarecimento da conta de luz de todos os brasileiros –e isso está expresso nos argumentos detalhados por Temer em sua petição e agora acolhidos parcialmente pelo juiz federal Ney Bello.
Ao Poder360, o sócio fundador e diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura) e articulista deste jornal digital, Adriano Pires, disse que o país tem um histórico de empurrar custos adquiridos pelas empresas do setor elétrico para os consumidores.
Um exemplo desse histórico ocorreu justamente na venda das térmicas da Eletrobras –veio a MP 1.232 quase que imediatamente. Há uma interpretação de que com a MP haveria uma transferência das despesas com o gás das térmicas para a conta de luz de todos os brasileiros –algo que a Âmbar nega. O estranhamento com a medida levou o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a dizer de maneira enfática que o texto tinha suas bases previstas e públicas desde fevereiro de 2024. Silveira rebateu as críticas e classificou-as como “choro de perdedor”.
“A única hipótese que tem é que se as partes não pagarem umas às outras, quem vai pagar é o consumidor. Agora, o problema todo é que o que eu escuto é que a Eletrobras, a J&F, a Âmbar, eles não reconhecem essa dívida, né? Agora, a Cigás diz que existe. Nesse cenário eu acho que enquanto isso não for resolvido, você não poderia passar as térmicas. Agora, a solução, como sempre, normalmente quando acontecem essas coisas, é o consumidor pagar”, explica Adriano Pires.
A decisão desta 2ª feira de Ney Bello anulou outra medida concedida anteriormente pela juíza Jaiza Fraxe. A magistrada havia decidido em outubro de 2024 excluir a Cigás como parte judicial do processo. Ela concordou com o argumento da Amazonas Energia (distribuidora de Energia do Amazonas) de que o contrato firmado entre a Cigás, a Eletronorte e a Petrobras no Estado não seria alterado com a operação.
Em 12 de dezembro de 2024, a juíza já havia rejeitado um pedido da Cigás solicitando que se declarasse impedida de atuar no caso. Jaiza Fraxe decidiu que a Aneel teria de aprovar as operações que estavam em curso.
Agora, Ney Bello vai em direção oposta e joga a próxima fase do processo para o presidente do TRF1, o juiz federal João Batista Moreira. Eis o que escreveu Bello:
“De toda sorte, a existência de problemas no adimplemento do previamente pactuado [os contratos que podem representar uma dívida de R$ 50 bilhões, como argumenta a Cigás], desrespeitando a regra básica de credibilidade contratual a que se submete o Estado, acarreta dano visível ao consumidor/cidadão. Noto que esse prejuízo, no caso concreto, passa da casa de bilhões de reais.
Os negócios privados no setor de energia, mesmo com base em medidas provisórias, não podem jamais acarretar prejuízo para o cidadão, pois tanto patrimônio público quanto o patrimônio do cidadão são inegociáveis, seja na ótica do direito positivo, seja sob a perspectiva da moralidade que deve reger a Administração Pública. Atos administrativos, ainda que formalmente legislativos, não podem implicar prejuízos aos contratantes prévios e, menos ainda, ao patrimônio público e aos consumidores”.
Em seguida, faz uma critica direta à MP 1.232:
“Medidas provisórias e demais atos administrativos geram responsabilidade pelo ‘fato do príncipe’ [ato geral e abstrato praticado pelo Estado e que afeta indiretamente contrato administrativo, impedindo a sua execução nos termos inicialmente pactuados] e não é moral, nem razoável, que este prejuízo seja repassado ao consumidor. Observa-se claramente ao analisar o caso que a distribuição de gás natural para o setor termelétrico não é uma irrelevante parcela na cadeia complexa do fornecimento de energia no estado do Amazonas, mas uma fatia significativa dos serviços públicos locais de gás canalizado prestados pela requerente naquela unidade federativa. Demais disso, noto, em uma analisa comezinha, que essa diversidade contribui e muito para a redução da tarifária. Que sentido há em desrespeitar os contratos anteriores e causar um aumento da tarifa energética em virtude do repasse do prejuízo para o consumidor diretamente –ou indiretamente, por meio do ‘Estado indenizador’– em razão da ocorrência do ‘fato do príncipe’?”