Taxa de negros no funcionalismo cresceu 4,8% em 25 anos


Trabalhadores autodeclarados negros são 40,4% dos funcionários do governo na ativa; em 1999, eram 35,6%

O percentual de funcionários autodeclarados negros no governo federal subiu 4,8% em 25 anos. De 1999 a 2024, foram contratados 53.165 trabalhadores com esse perfil. Os dados são do Portal do Servidor, com números atualizados até outubro de 2024.

Com essa taxa, o governo brasileiro atingiu neste ano o maior percentual de funciónarios públicos autodeclarados negros na ativa: 40,4% do total de empregados do Executivo federal, que representam 232.635 trabalhadores. 

Apesar de 2024 ter registrado o maior percentual de negros no Executivo, este ano é o 2º maior em número de trabalhadores. Isso porque em 2015, ano seguinte a implementação da lei de cotas no funcionalismo, no 2º governo de Dilma Rousseff (PT), os funcionários autodeclarados negros eram 245,1 mil. 

Dos 232,6 mil negros no Executivo, 30.300 estão em cargos considerados de liderança. Quando são considerados apenas os cargos de nível 1 a 12, os maiores da carreira no Executivo, o percentual de negros é próximo ao registrado na comparação total de trabalhadores: 39,6%, ou 15.214 funcionários. No 2º nível de cargos comissionados ou de Direção, são 32% do grupo. 

Já em cargos de liderança em nível de coordenação-geral e coordenação, são 40,2% do grupo e equivalem a 11.493 funcionários.

A socióloga, professora da UnB (Universidade de Brasília) e líder do grupo de estudo e pesquisa em políticas públicas, história, educação das relações raciais e de gênero Renisia Filice avalia que os números acima demonstram a limitação da efetividade da política de cotas. Segundo ela, “a maior parte dos concursos não está cumprindo nem o mínimo estipulado, e existem manobras para contornar a lei. Há pouca fiscalização e dados inconsistentes que dificultam a avaliação do cumprimento da legislação”.

LEI DE COTAS NO FUNCIONALISMO

Em 9 de junho de 2014, foi sancionada a lei 12.990, que determinou a reserva de 20% das vagas em concursos públicos na administração pública federal para pessoas afrodescentes. A legislação teve validade de 10 anos e venceu em junho deste ano. 

Para que a legislação não perdesse a eficácia enquanto o Congresso reavalia os resultados da política, os partidos Psol e Rede entraram com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal), demonstrando que a medida não atingiu seu objetivo total de inclusão da população negra na administração pública federal no período e pediu a extensão de sua validade. 

Em maio, o ministro Flávio Dino entendeu na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7654 (PDF – 152 kB) que o prazo de 10 anos mencionado na lei seria apenas um marco temporal para reavaliação, prorrogação ou adaptação, e que não determinaria o fim imediato da política na data limite. Assim, decidiu que a política de cotas deve continuar a ser implementada em concursos  “até que se conclua o processo legislativo de competência do Congresso Nacional e, subsequentemente, do Poder Executivo”.

O senador Paulo Paim (PT), autor do projeto de lei 1.958 de 2021 (PDF – 557 kB), que está agora na Câmara, disse ao Poder360 concordar com a avaliação dos partidos Psol e Rede exposta na ADI referendada pelo ministro Flávio Dino em maio. Segundo o senador, é importante que a renovação da lei considere a desigualdade racial que se encontra o Estado brasileiro. 

“A renovação da lei de cotas nos concursos públicos é fundamental para que possamos equalizar a dignidade social no Brasil. […] Promover ações afirmativas nas mais variadas áreas de um país pavimentado no legado da escravidão é garantir inclusão social, promoção da igualdade racial, correção das desigualdades estruturais, reparação histórica e respeito à diversidade”, declarou.

A professora Renisia Filice defende que a aprovação do projeto de lei é crucial para assegurar a presença de pessoas negras em posições de poder, algo historicamente negado por causa do racismo estrutural no Brasil. “Este projeto é essencial porque a questão racial está diretamente ligada à questão de classe no Brasil. O país é o mais desigual da América Latina e um dos mais violentos do mundo, com negros sendo vítimas de violência física e simbólica. Assumir essa responsabilidade é ser verdadeiramente antirracista e combater essa realidade devastadora”, disse.

O projeto de lei 1.958 de 2021 (PDF – 557 kB), que tem por objetivo reformular as cotas nos concursos públicos, está em tramitação na Câmara dos Deputados e teve a urgência de votação aprovada pela Casa Baixa na 4ª feira (13.nov.2024). Com isso, seguirá direto para votação do Plenário, sem passar pela análise de comissões temáticas.

O QUE MUDA COM O NOVO PROJETO DE COTAS

O texto do projeto de lei 1.958 de 2021 determina a prorrogação da política de cotas para concursos do funcionalismo público, mas também inclui outras alterações na legislação em vigor. Eis o que muda: 

  • aumento da reserva de vagas de 20% para 30%;
  • inclusão de indígenas e quilombolas;
  • inclusão de seleções públicas simplificadas por cotas raciais;
  • mecanismos para evitar o fracionamento de vagas;
  • melhora no acompanhamento e monitoramento da política.

Renisia Filice entende que as mudanças são um avanço importante, em especial, o aumento na reserva de vagas de 20% para 30%. Mas afirma que a nova política deve enfrentar os mesmos problemas da atual. “As manobras institucionais para burlar a lei continuam sendo um problema”, disse.

Segundo Renisia, “a verdadeira mudança só ocorrerá com o compromisso das instituições com a diversidade e a conscientização sobre o racismo estrutural. Embora as medidas punitivas, como a aplicação de TACs [Termos de Ajuste de Conduta] pelo Ministério Público, tenham se mostrado eficazes, o ideal é investir na formação de gestores e operadores do direito. A conscientização é fundamental, mas ainda está longe de ser uma realidade em toda a administração pública”.

OPOSIÇÃO É CONTRA

Embora a Casa Baixa tenha aprovado a urgência para o projeto que atualiza a política de cotas no funcionalismo, o texto também enfrenta resistência de parte dos congressistas. O deputado Hélio Lopes (PL-RJ), crítico do movimento negro, pediu o fim das cotas raciais:

“Quando eu vou ao médico, não quero saber se ele é preto, branco. Que seja um médico bem formado. Então, tem uma solução: acabar com a cota racial. Ou vocês não gostam de pobre?”.

Indígena, a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP), também é contra. Afirma que há injustiça no tratamento das cotas raciais para negros e indígenas:

“Como aconteceu agora no Amapá, o indígena que passou para o Tribunal de Justiça. Falaram que ele tinha que, 1º, voltar até a aldeia que é na reserva do Tumucumaque, pagar um frete de um avião para aterrizar em uma área não homologada para pegar uma assinatura do cacique para provar que é indígena. Mas eu não vejo essa cobrança quando se trata da questão do negro, porque ninguém vai precisar voltar na África para provar que é negro.”


Essa reportagem foi produzida pelos estagiários Evanir Júnior e Maicon Viana sob a supervisão do editor Jonathan Karter.





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