O Supremo Tribunal Federal (STF) completou quatro anos sem ter as suas contas julgadas pelo Tribunal de Contas da União – de 2020 a 2023. Foram apontadas falhas e irregularidades na fiscalização feita em 2019, mas as contas foram aprovadas. Na avaliação do cumprimento à Lei de Acesso à Informação (LAI), o TCU apontou “riscos decorrentes de divulgação de informações imprecisas, na forma e no conteúdo; riscos ao atendimento eficiente dos usuários, por utilização de sistema obsoleto no acompanhamento da demanda; e riscos à integridade das informações.
Nos últimos quatro anos, o descumprimento à LAI só aumentou. Alegando questões de segurança, os dados sobre viagens dos ministros foram sumindo do Portal da Transparência do Supremo. Até 2020, havia uma relativa transparência, apesar das planilhas travadas, o que dificultava o acesso às informações. Em 2024, os custos com passagens e diárias dos ministros sumiram de vez do Portal, o que contraria frontalmente a LAI. Os poderes Executivo e Legislativo detalham as viagens do presidente Lula, ministros, deputados e senadores, como determina a lei. Ministros do STF também viajam em jatinhos da FAB em voos sigilosos.
Transparência é “dever dos órgãos públicos”
No seu Art. 8º, a LAI diz que é dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, em local de fácil acesso, a divulgação de informações de interesse coletivo por eles produzidas ou custodiadas. Nessa divulgação, deverão constar: registros repasses ou transferências de recursos financeiros; registros das despesas; informações relativas a licitações, com os respectivos editais e resultados; bem como a todos os contratos celebrados; e dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades.
Os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). Os sítios deverão atender, entre outros, aos seguintes requisitos: conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão; possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações.
Informações restritas, com atraso
Mas os dados do STF não são de “fácil acesso”. A navegação não é intuitiva. No seu portal “Transparência e Prestação de Contas”, para chegar aos dados sobre passagens e diárias, o cidadão deve procurar a barra “gestão”. Em seguida, “Gestão de Pessoas”. Depois, clicar em “dados sobre auxílios e indenizações”. Estão disponíveis dados de passagens de 2016 a 2023. Sim, não há dados de 2024 – um atraso de 10 meses. Há também a relação de diárias nacionais de 2021 a 2024 e de diárias internacionais de 2022 a 2024.
Na planilha das diárias internacionais, constam informações do nome, cargo, mês, atividade (evento), quantidade e valor total de dólares. Mas não é possível baixar direto para uma planilha em Excel. É preciso transformar os dados para Excel. Mais uma restrição: só há dados do presidente do STF, Roberto Barroso, e de seguranças e assessores. Não estão publicadas viagens dos demais ministros.
Na planilha de passagens de 2023, em PDF, tem o nome dos servidores que viajaram e o gabinete onde estão lotados. No final da planilha, há uma relação de sete ministros com o valor total gasto por ministro com passagens, em viagens de “representação institucional”. O tribunal não informa o destino nem a programação ou eventos dos ministros. Quem mais gastou com passagens foi Luiz Fux, com R$ 95 mil; seguido de Barroso, com R$ 52 mil. Em termos de cumprimento da Lei de Acesso, comparando com o Executivo e o Legislativo, o Supremo teria, no máximo, uma nota 3.
TCU aponta falhas, mas não pune
No julgamento das contas do STF relativas a 2019, o TCU fez uma avaliação do canal de interlocução do STF com a sociedade, em relação aos serviços de ouvidoria e de atendimento à LAI. Foram identificados riscos à imagem do STF perante à sociedade, por não apresentar uma unidade de ouvidoria aderente aos padrões e às boas práticas das ouvidorias públicas; riscos à imagem do STF perante seus usuários, decorrentes de divulgação de informações imprecisas, na forma e no conteúdo; riscos ao atendimento eficiente dos usuários, por utilização de sistema obsoleto que não dispõe de funcionalidades para acompanhamento da demanda; e riscos à integridade das informações, por divulgar relatórios fora dos padrões utilizados pelas ouvidorias.
Concluídos os exames, foram identificados os seguintes achados: inadequação da Central do Cidadão aos padrões de ouvidorias governamentais; inadequação dos normativos que dispõem sobre as competências da Central do Cidadão; ausência de canal para atendimento das manifestações e solicitações de autoridades, servidores e colaboradores do STF; e ausência da classificação das informações do STF quanto ao grau de sigilo, bem como as respectivas desclassificações.
Diante dessas constatações, o TCU propôs as seguintes medidas: a criação da função de ouvidor, atualização das competências da Central do Cidadão, a implementação de uma ouvidoria interna, o aperfeiçoamento do portal do STF, a elaboração de novos modelos para os seus relatórios gerenciais e o encaminhamento de relatório trimestral para a Presidência do STF. “Dessa forma, uma vez que as medidas propostas seguirão sendo monitoradas pela Auditoria Interna, não se vislumbra necessidade de intervenção do TCU”, concluiu o TCU, no seu estilo: aponta as falhas, mas não pune.
Quem não é julgado, presta contas pela internet
O blog perguntou ao TCU por que o órgão não inclui o STF na lista de órgãos que prestam contas ao tribunal, uma vez que o próprio tribunal apontou várias irregularidades no Supremo no seu último julgamento de contas. O TCU respondeu que, desde 2010, constitui processo e leva a julgamento apenas parte das contas que são apresentadas. “Os órgãos que terão suas contas julgadas em cada ano são definidos conforme critérios estabelecidos pelo TCU. Essa definição leva em consideração critérios como riscos da gestão, materialidade, relevância e apontamentos de auditorias anteriores”. Acrescentou que os órgãos e entidades que não têm processo de contas constituído e julgado em determinado exercício “devem, obrigatoriamente, apresentar relatório de gestão ao Tribunal e publicá-lo em sua respectiva página na internet, para prestação de contas de acesso