O Senado do México aprovou nesta quinta-feira (28) a reforma constitucional que amplia os crimes pelos quais uma pessoa pode permanecer detida sem acusação formal, com base apenas nas investigações preliminares que tornem “provável” sua responsabilidade. Trata-se da prisão preventiva.
Para sua promulgação, a reforma precisava ser aprovada por 17 dos 32 congressos estaduais do México.
A reforma altera o artigo 19 da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos e inclui a extorsão, o tráfico de fentanil e a falsificação de comprovantes fiscais como motivos suficientes para que a polícia prenda uma pessoa, para depois apresentar os argumentos diante de um juiz. A legislação mexicana estabelece que uma pessoa não pode ficar detida por mais de 72 horas, e 144 horas quando se tratar de um crime organizado.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia do México (Inegi), até o final de 2023, havia mais de 233 mil pessoas presas, das quais 37,3% permaneciam detidas sem que tivesse sido proferida uma sentença.
A Suprema Corte do México afirma que o prazo máximo que uma pessoa pode permanecer detida sem uma sentença é dois anos.
Anteriormente, os crimes que justificavam a prisão preventiva eram “delinquência organizada, homicídio doloso, estupro, sequestro, crimes cometidos com meios violentos como armas e explosivos, bem como crimes graves definidos pela lei contra a segurança da nação”, conforme um documento do Instituto de Investigações Jurídicas da Universidade Nacional Autônoma do México.
A reforma foi aprovada com facilidade pela maioria do Movimento de Regeneração Nacional (Morena), partido governista, que conquistou o controle de ambas as câmaras e a presidência do país nas eleições de 2 de junho. A proposta no Senado obteve 94 votos a favor e 34 contra.
Lucía Trasviña Waldenrath, senadora de Baja California Sur pelo Morena, justificou a decisão como “uma medida para proteger as vítimas” e afirmou que as novas disposições “fecharão a porta para a impunidade”, embora tenha admitido que se trata de “uma medida excepcional, sim, mas indispensável”.
Por que a reforma é polêmica?
A modificação constitucional visa combater a impunidade crescente no México, de acordo com seus defensores. Um relatório de 2022 do Departamento de Estado dos EUA indica que a impunidade e os “níveis extremamente baixos de processos judiciais” são um problema para todos os crimes cometidos no México.
A organização Human Rights Watch (HRW) considerou decepcionante que o México amplie o uso da prisão preventiva, ignorando sentenças da Corte Interamericana, e apontou que a decisão viola princípios básicos dos direitos humanos.
“A prisão preventiva tem um papel importante no processo penal quando há risco de fuga ou interferência da pessoa acusada (…) Aplicá-la automaticamente a todas as pessoas acusadas de certos crimes não reduziu a violência nem a impunidade. Pelo contrário, aumentou o número de pessoas encarceradas sem sentença, afetando particularmente os mais pobres”, disse Tyler Mattiace, pesquisador da HRW no México, à CNN.
Um relatório de 2023 da Human Rights Watch (HRW) também aponta que os níveis de violência atingiram índices históricos durante a presidência de Andrés Manuel López Obrador, com uma taxa de homicídios de 28 por cada 100 mil habitantes.
A impunidade no México, segundo a HRW, é praticamente absoluta. “Cerca de 90% dos crimes nunca são denunciados, um terço dos que são reportados nunca são investigados, e apenas 16% dessas investigações são ‘resolvidas’, seja em um tribunal, por uma negociação ou por uma indenização. Isso significa que as autoridades mexicanas resolveram apenas 1% dos crimes cometidos em 2021”, aponta a HRW, com base em dados oficiais.
A CNN solicitou um comentário sobre a aprovação da modificação constitucional no Senado à Oficina do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no México.
O Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU, Volker Türk, afirmou em um comunicado no dia 22 de novembro que a prisão preventiva “contraria princípios essenciais dos direitos humanos” e que “não deve ser uma prática geral, mas uma medida baseada em uma decisão individualizada de uma autoridade judicial, que considere que as circunstâncias de cada caso justifiquem essa detenção”.
A CNN consultou a assessoria de comunicação da presidência do México sobre a implementação dessas reformas promovidas por López Obrador e seu partido, as quais foram defendidas firmemente pela sua sucessora, Claudia Sheinbaum.
“É importante, porque o fato de haver prisão preventiva oficiosa (que pode ser decretada sem a necessidade de uma decisão de um juiz) não quer dizer que alguém seja preso sem provas. A Procuradoria deve apresentar provas, o que já não depende do juiz, em alguns crimes, é se há ou não prisão depois que as provas forem apresentadas”, afirmou Sheinbaum em 13 de novembro, durante sua habitual coletiva de imprensa diária.
*Com informações da CNN Español