Li esses dias uma reportagem sobre o velocista Noah Lyles com a seguinte frase dele na manchete: “Nos Estados Unidos, temos uma mentalidade vencedora, e, infelizmente, isso é bom e ruim”.
O artigo era sobre a série documental do Netflix “Sprint”, com os bastidores de estrelas do atletismo. A segunda temporada estreou e mostra os Jogos Olímpicos de Paris, onde o americano venceu a final dos 100 m rasos em uma prova tão disputada que foi decidida no “photo finish”. Como sempre achei Lyles meio metido, nunca me interessei em assistir à série. Mas achei a frase extremamente intrigante se pensamos em esporte profissional e em nossas vidas também. Comecei a pesquisar sobre ele e revi meus conceitos. Eu me surpreendi positivamente.
A tal “mentalidade vencedora” é obviamente fundamental no esporte. Há inúmeros estudos ligando autoestima alta e performance. E nisso os americanos são experts. Não é à toa. Eles começam cedo: incentivam o esporte na infância, oferecem vagas nas universidades para jovens atletas, que então competem em estádios enormes, lotados. Não têm idade para dirigir ou tomar cerveja, mas ganham legiões de fãs, aprendem a lidar com a imprensa e com a pressão de competir, adquirem muita confiança.
Quando chegam ao alto nível, como nos Jogos Olímpicos, além de ter construído a base da carreira com uma excelente infraestrutura esportiva, têm um preparo psicológico que os deixa quase imbatíveis. E há tanta oferta de talentos que o sistema filtra os melhores, quem está mais pronto física e mentalmente.
Demonstrar confiança, mesmo que às vezes seja fachada, faz parte da estratégia do atleta e é do jogo, porque deixa o adversário com medo. Quando a tenista Naomi Osaka começou a falar com frequência sobre sua saúde mental, pensei que isso era louvável, mas, ao mesmo tempo, prato cheio para as rivais.
A reportagem não diz qual era a “parte ruim”, mas dá para deduzir. Antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados de 2020 para 2021 por causa da pandemia, Lyles confessou que sua depressão piorou pela pressão e pelo isolamento. Ele acabou ganhando o bronze no Japão nos 200 m rasos.
Ironicamente, às vésperas da mesma final em Paris, contraiu Covid-19 antes e disputou a prova mesmo assim. Foi criticado por isso, claro, com razão.
Em uma entrevista antes de competir, declarou que sabe que a linha entre confiança e arrogância é turva, mas que, durante grande parte de sua vida, muitos disseram que ele não chegaria a lugar nenhum. Cresceu com asma, teve dificuldades na escola, fez terapia, viu que era bom no que fazia, a autoestima aumentou, e dá para ver como conseguiu transformar a pressão em algo positivo.
Ao vencer os 100 m rasos, em agosto, escreveu o “tweet”: “Tenho asma, alergias, dislexia, distúrbio de deficit de atenção, ansiedade e depressão. Mas digo que o que você tem não define o que você vai se tornar”.
Lyles poderia ter apenas colhido os louros da vitória, mas, de novo, fez questão de mostrar que a caminhada nem sempre é perfeita.
Muitas vezes, escondemos nossas fragilidades no ambiente de trabalho, dentro de nossas casas, por medo de ser vistos como incapazes. Tentamos ser perfeitos o tempo todo. Mas, se até o homem mais rápido do mundo pode se mostrar vulnerável, por que nós não?
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