Um relatório sigiloso de 461 páginas apresentado pelo escritório Sveiter Advogados à Vara responsável pela Recuperação Judicial das Americanas confirma a prática contábil da empresa de lançar o chamado “risco sacado” que originou a fraude e o rombo nas suas contas, mas, pela primeira vez, coloca que essa prática pode ter tido conhecimento também dos bancos, que tem alegado desconhecer o que ocorria.
Houve, inclusive, ocasião em que bancos reconheceram a operação em 2016 à auditoria KPMG, mas corrigiram a informação e, assim, passaram a negar a transação.
Essa é a primeira vez, desde o início da batalha dos bancos com a varejista, que a operação de crédito que gerou o rombo bilionário aparece em documentos, o que indica que as instituições financeiras sabiam, mas omitiam a operação dos auditores externos.
O relatório diz que houve, quatro meses antes do reconhecimento do rombo, registro em um sistema do Banco Central e que mostra que os bancos tinham conhecido das operações.
“Dentre as informações disponibilizadas aos executivos, constava o Relatório de Informações Resumidas do Sistema de Informação de Crédito – SCR do Banco Central do Brasil que informa o endividamento da Companhia junto às instituições financeiras, para o período de setembro de 2022”.
Naquela data, segundo o relatório, bancos informaram que o total de “Recebíveis Mercantis Adquiridos” somava valor aproximado de R$ 17 bilhões. Esse montante, diz o documento, se refere à operação de risco sacado.
O registro nessa plataforma indica que, necessariamente, os bancos sabiam dessas operações. Isso acontece porque o SCR é alimentado pelas próprias instituições financeiras. Nessa plataforma, bancos são obrigados a registrar mensalmente todas as operações de crédito com valor igual ou superior a R$ 200 (duzentos reais).
Apesar de informar sobre as dívidas ao BC, os bancos não fizeram o mesmo com outras instâncias, especialmente em resposta aos escritórios de auditoria contratados pela Americanas.
“De acordo as informações prestadas pelas recuperandas à CVM, anexadas no incidente sigiloso indicado, verifica-se a alegação de que tais bancos não informaram as dívidas relacionadas às operações de risco sacado em suas respostas às cartas de circularização, enviadas durante o processo de auditoria das Demonstrações Financeiras”, diz o documento.
O relatório aponta que “em análise às respostas das cartas de circularização emitidas pelas instituições financeiras durante o processo de auditoria das Demonstrações Financeiras findas em 31/12/2021, não há referência a qualquer valor relacionado a operações de risco sacado (forfait), conforme documentos disponibilizados pela auditora independente PricewaterhouseCoopers – PwC, o que apresenta contradição com as informações constantes do SCR”.
O documento diz ainda que a PwC atestou que “todas as instituições financeiras listadas pela Companhia, receberam a carta de circularização de saldos e enviaram suas respostas aos auditores externos” e que “nessas respostas nenhuma instituição financeira informou a existência de valores relacionados ao risco sacado (forfait), como registrado pela PwC em sua resposta ao ofício no 1.007/2023 (Doc. no 31 a 33)”.
2016
Um dos pontos mais importantes do documento é que menciona uma retificação feitas pelos bancos Itaú Unibanco e Santander que, em um primeiro momento responderam à KPMG, auditoria responsável à época pelo controle externo das Americanas, que mantinham esse tipo de operação de crédito com a varejista.
Mas, em um segundo momento, os mesmos bancos retificaram a informação e passaram a negar o crédito. “É possível observar que, em 2016, a KPMG informou em seu “Relatório de Recomendações sobre as Demonstrações Contábeis” que recebeu de duas instituições financeiras, respostas às cartas de circularização com saldo de operações de risco sacado junto às recuperandas, cartas estas que foram posteriormente retificadas/substituídas por outras cartas que segundo a KPMG “não apresentava uma linha para operação de cessão de crédito aos fornecedores (forfait)”.
O documento se chama “Relatório Circunstanciado das Atividades Recuperandas em conjunto com relatório mensal de atividades” e sua entrega tem previsão legal. Ele é uma espécie de raio-x da situação atual da empresa e deve ser sempre apresentado 60 dias após a decretação da recuperação judicial. Não há no documento uma análise subjetiva sobre os dados, apenas a apresentação a Vara de dados concretos.
Agora, o juiz analisa os dados e provavelmente irá tentar avançar para certificar até que ponto os bancos tinham de fato conhecimento das operações e a responsabilidade dos acionistas.
Procurados, os bancos não responderam a CNN.
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