Quem leu, deve ter observado que as mensagens ali contidas são muito semelhantes às que ele tem defendido nos últimos anos; ninguém poderá afirmar que o ex-presidente pense de maneira distinta
Bolsonaro escreveu um texto irretocável para a Folha de S. Paulo, intitulado “Aceitem a democracia”. Você, como muitos fizeram, poderá até discordar de um ou outro posicionamento ideológico. Talvez optasse por uma abordagem distinta aqui e ali, mas como peça textual, se a opinião for sincera, sem oposição pela simples oposição, é possível que concorde que a composição seria aprovada em qualquer teste de redação. Ouvi aos quatro cantos que o artigo jamais poderia ter saído da pena do ex-presidente. Afinal, ninguém discorda, quando ele fala, se expressa com vocabulário limitado e comete alguns equívocos no vernáculo.
Um ghostwriting
Por isso, dizem, deve ter contado com a mão do gato, de um ghostwriting, aquele escritor contratado para escrever um texto que será creditado a outra pessoa. O nome do verdadeiro autor não aparece. Torna-se apenas um fantasma. Daí a denominação. Além disso, com os avanços tecnológicos, figuras públicas podem contar até mesmo com ferramentas de inteligência artificial para dar coesão e refinamento aos textos, um recurso cada vez mais comum entre executivos e políticos.
Como funciona essa história na prática? Será que alguém imagina que um Presidente da República, ou até mesmo de uma grande empresa, escreve seus próprios discursos? Por exemplo, quando Lula, Dilma, Bolsonaro e outros presidentes discursaram na ONU, será que eles mesmos redigiram a mensagem que leram na abertura do evento, tradicionalmente feita por um brasileiro? Lógico que não.
Siga o canal da Jovem Pan News e receba as principais notícias no seu WhatsApp!
Trabalho em mutirão
Essas peças oratórias são produzidas a quatro, seis, oito, dez mãos. São muitas pessoas envolvidas para que não haja nenhum deslize, pois uma palavra irrefletida e fora de contexto poderá provocar desacertos diplomáticos difíceis de serem contornados.
Citei os presidentes brasileiros apenas para ficar dentro do nosso quintal, mas dá para incluir nesse pacote os chefes do Executivo de praticamente todas as nações, incluindo, e principalmente destacando, as do primeiro mundo, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e tantas outras que desejarmos acrescentar.
Não se delega responsabilidade
A partir do instante, entretanto, que o chefe de Estado aceita o conteúdo que irá ler, o discurso passa a ser dele, com toda a responsabilidade do que irá dizer. Se for aplaudido, terá o mérito com todos os louros a que fizer jus. Se, todavia, for criticado, jamais poderá terceirizar a culpa. Irá carregar o fardo sozinho.
Embora Bolsonaro tenha esse jeito meio tosco de se expressar, visto normalmente até pelos seguidores mais fiéis como o tiozão do churrasco, demonstrou em diversas oportunidades que teve uma formação razoável nos bancos escolares do exército. Chegou a desafiar outros presidentes a concorrer com ele em um teste do Enem.
Talvez seja dele mesmo
Não seria impossível, portanto, que tenha composto o próprio texto. Quem leu, deve ter observado que as mensagens ali contidas são muito semelhantes às que ele tem defendido nos últimos anos. Ninguém poderá afirmar que o ex-presidente pense de maneira distinta.
São os mesmos pontos que abraçou em suas campanhas políticas e enquanto esteve no Palácio do Planalto. Ou será que alguém nunca ouviu em seus pronunciamentos palavras semelhantes a estas? “Nos lugares onde o povo tem sido chamado a opinar, a maioria escolhe a ordem, o desenvolvimento, o progresso, a liberdade econômica, a liberdade de expressão, o respeito às famílias e à religião, o patriotismo”.
Pode ter recebido uma mãozinha
Só faltou chancelar com seu famoso “talkey?” para que suas digitais fossem vistas de forma evidente. Ainda supondo que tenha tido a ajuda, por exemplo, de um Fabio Wajngarten, que foi secretário-executivo do Ministério da Comunicação Social (Secom) do seu governo, e, portanto, familiarizado com essa tarefa, as ideias contidas na coluna evidentemente são de Bolsonaro.
Ter as ideias e contar com alguém competente para organizá-las em texto coeso, gramaticalmente correto e fluente, é sinal de responsabilidade com o cargo ou com a importância da sua posição diante da sociedade. Assim sendo, não importa se as palavras do artigo de Bolsonaro foram mesmo de sua lavra. O que vale é que suas ideias, que podem ou não ser contestadas dependendo do viés ideológico de quem as lê, são as mesmas que têm defendido ao longo de sua trajetória política. Siga pelo Instagram: @polito
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.