Lula precisa mudar seu modo de se relacionar com o público e falar menos. E isso, acreditem, não é um juízo depreciativo. Fosse, e eu não teria problema nenhum em explicitá-lo. Nunca tive dificuldade de criticar presidentes, inclusive ele próprio. Em muitos aspectos, o Brasil que está aí é muito pior do que aquele que o líder petista encontrou em 2003. A razia dos últimos quatro anos não haveria de ser indolor. E deixou sequelas de longo prazo. E vou me ater aqui ao que acho realmente relevante.
Antes que prossiga, escrevo, sem receio de errar, que, caminhando para os 90 dias de mandato, sua vitória já rendeu bons frutos para os pobres, que são os mais carentes de um bom governo, e, pois, para o país. Relançou o Bolsa Família com mais benefícios e as corretas contrapartidas e determinou a reestruturação do Cadastro Único, destruído pela sanha eleitoreira de Bolsonaro.
Refundou ainda o Mais Médicos. Em vez de cloroquina, o atendimento aos vulneráveis. Recriou o Minha Casa Minha Vida, que o Biltre Homiziado de Orlando destruíra. Naquele seu Orçamento “aporofóbico” (repulsa a pobre), havia destinado R$ 34 milhões para o programa, o correspondente a duas caixas das joias femininas oriundas da Arábia Saudita.
Se parecer pouco, enfrentou uma tentativa de golpe de Estado, com óbvias infiltrações nas Forças Armadas e nas polícias, e deslanchou a operação para pôr fim ao genocídio yanomami. Seus ministros da área econômica estão empenhados no desenho de um novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos —aquele que seu antecessor nunca respeitou com ou sem pandemia. Ao contrário, enfiou goela abaixo do STF, em articulação com um Congresso movido a orçamento secreto, duas PECs eleitoreiras e inconstitucionais. Já houve a reoneração federal dos combustíveis. Depois da era da “desconstrução”, trata-se de um desempenho e tanto.
Não estou amaciando o texto para agora sentar a pua. Acho realmente escandaloso que os críticos do governo ignorem esses feitos. Pode-se dever ao fato de que os beneficiários desses programas são seres estranhos à sua rotina de preocupações, e muitos enfezados não conhecem do Brasil “nem o trinco da porta” (Monteiro Lobato). Adiante.
As pessoas fazem as suas escolhas e têm seus valores. Os meus indicam que a manutenção, pelo Banco Central, da Selic em 13,75%, com juros reais de quase 7%, são um insulto aos livros e à economia. A ameaça —e é disto que se trata— de uma elevação da taxa, como se viu nesta quarta (22), é, do ponto de vista político, provocação barata. No mesmo dia, Fazenda e Planejamento anunciaram que o déficit primário pode ser a metade do que se estimava depois da aprovação da PEC da Transição. Não amoleceu o coração dos faraós.
Acho papo-furado e metafísica de especulador a suposição de que Lula contribuiu para retardar a queda da taxa. Basta ler a ata da reunião anterior. Basta ler o comunicado meio malcriado de agora. Mas indago: não está na hora de atribuir a César o que é de César? Na política monetária, o mandatário de hoje é um plebeu, quase um escravo.
O varejo está abrindo o bico. Daqui a pouco, indústria, serviços e comércio vão cobrar o crédito que não há. A primeira crítica do presidente aos juros veio a público a 2 de fevereiro. Ato contínuo, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco saíram em defesa de Roberto Campos Neto e da autonomia do BC. Lira repetiu a dose nesta quinta (23). Que Executivo e Legislativo, juntos, sejam o que podem ser: mera caixa de ressonância dos reclamos da sociedade. O ocupante do Palácio do Planalto de 2023 não tem os poderes do de 2003.
E o mesmo vale para o novo marco fiscal. O chefe do Executivo tem de encaminhar a proposta que considera correta. Não será ele a decidir, mas o Legislativo. O Copom exige que se asfixiem os gastos sociais para considerar “responsável” o texto e, quem sabe um dia, baixar a Selic? Que se explicite com serenidade quem faz o quê.
O crédito está secando. As montadoras já estão em férias coletivas. No Brasil de 2023, é preciso que os atingidos pelo arrocho “pornográfico” (Josué Gomes da Silva) batam às portas certas: a do Congresso e a do BC. No arcabouço fiscal e na taxa de juros, eles arbitram, respectivamente, quem vive e quem morre. Aos Césares o que é dos Césares.
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