Na quarta-feira (15), centenas de jovens beninenses se reuniram na Praça da Estrela Vermelha, no centro de Cotonou, capital do país, para se manifestar pacificamente contra a presença dos grupos terroristas no país.
Uma semana antes, um ataque sem precedentes atingiu as forças de defesa e segurança do Benin, deixando 28 soldados beninenses em uma emboscada realizada por grupos terroristas na região do “ponto triplo”, na tríplice fronteira entre Benin, Níger e Burkina Faso.
A região, conhecida por ser um centro dos movimentos jihadistas que operam no Sahel, é regularmente alvo de grupos armados, principalmente combatentes do grupo Estado Província do Estado Islâmico do Sahel (EI Sahel) e da Al-Qaeda.
Segurando uma longa faixa com as fotos dos militares mortos, os jovens leram em voz alta as três principais reivindicações: o apoio as forças de defesa e segurança contra grupos terroristas; a saída “imediata e incondicional de tropas francesas do Benin; e o início de uma cooperação militar com o Níger, Mali e Burkina Faso, países que compõem a Aliança dos Estados do Sahel (AES).
A manifestação foi organizada por um conjunto de movimentos pan-africanistas da juventude do Benin, entre elas o Conselho da Juventude Patriótica (CoJeP), o Planeta dos Jovens Pan-Africanistas (PJP) e a ONG Grain d’Amour.
“Quem organiza, financia e mantém atos terroristas representam perigos reais para a paz e a segurança nacional e mesmo regional. Custe o que custar, a Juventude irá se organizar com o nosso povo e irá derrotar estes grupos terroristas e os seus cúmplices”, diz trecho da nota lida por uma das lideranças.
No dia seguinte, enquanto conduziam uma reunião nas instalações de um sindicato de mototaxistas, a polícia do Benin prendeu Razack Salaou e Perfect Gnanmi, duas das lideranças que conduziram o ato pacífico no centro de Cotonou. Os jovens foram colocados em uma picape e supostamente levados para as instalações da esquadra de Tinoma, no 1º Distrito de Parakou.
Membro da juventude do Partido Comunista do Benin, Nidol Ishola Salami denuncia ao Brasil de Fato a prisão arbitrária e pede solidariedade internacional pela libertação imediata dos colegas.
Salami conta que o caso não é isolado dentro do do governo de Patrice Talon, um aliado do presidente da França, Emanuel Macron.
“Desde 2016, temos um governo que tem praticamente nos levado para trás, que recomeçou nada menos que atos ditatoriais. Um governo autocrático que destruiu sistematicamente todos os direitos que conquistamos, o direito de greve, de expressão. Hoje não podemos mais falar. Até a imprensa tem medo de entrevistar as pessoas quando é preciso, se dizem que não concordam com o governo. E muitas pessoas são enviadas para a prisão. Criamos denúncias que não têm cabeça e paramos na prisão” diz.
“Então a situação atual no Benin nos faz voltar a anos atrás. E eu acho que a juventude de hoje está mais desperta. Porque a consciência anti-imperialista hoje, seja no Benin ou na África como um todo, essa consciência é elevada. As pessoas agora sabem que o problema do Benin não é só o governo que temos, mas sim o imperialismo”, completa o jovem.
Apoio militar estrangeiro ineficaz
O ataque que deixou 28 soldados mortos no dia 8 de janeiro faz parte de uma série de incursões violentas no norte do Benin e reflete o agravamento das tensões de segurança no país.
Os terroristas, estimados em mais de 200, invadiram uma das mais fortes e militarizadas áreas da Operação Mirador, com “numerosas armas coletivas, drones de observação e um sistema de Internet para comunicar rapidamente qualquer situação de ataque”, segundo o Chefe do Estado-Maior da Guarda Nacional, Coronel Faïzou Gomina.
De acordo com uma fonte diplomática da AFP, 121 soldados beninenses foram mortos entre 2021 e dezembro de 2024 nesta região do país.
Os movimentos populares do Benin classificaram o ataque como “uma das piores tragédias da sua história”. Em nota, a Frente Patriótica do Benin destacou que o recebimento de equipamentos por forças ocidentais estrangeiras “não é suficiente para vencer o terrorrismo” e que “é preciso mudar a forma de enfrentamento a esses grupos na região”.
Em 27 de novembro, a Embaixada dos EUA doou cerca de US$ 6,6 milhões em equipamentos bélicos ao Benin, de acordo com o embaixador dos EUA, Brian Shukan.
A União Europeia já havia anunciado, em abril do ano passado, a liberação de 47 milhões de euros para apoiar o Benin na luta contra o terrorismo.
Segundo o conjunto dos movimentos, é necessário que o presidente Patrice Talon reconsidere a sua política de cooperação militar com a França, e reestruture as boas relações com os países irmãos, especialmente o Níger.
“O resultado é que a situação de segurança no nosso país não está a melhorar. Estamos a perder por dois motivos. O terrorismo alastra para o norte do país e os países vizinhos não têm confiança em nós, especialmente o Níger, com o qual temos uma fronteira muito ativa”, destacou o Coordenador Geral da frente, Laurent Metongnon.
Estratégia da França no Benin
Segundo os países da Aliança dos Estados do Sahel (AES), a França vem usando bases fronteiriças no Benin e na Costa do Marfim, seus países aliados na região, para apoiar operações terroristas destinadas a desestabilizar os governos populares que expulsaram as tropas francesas.
Atualmente, a estratégia de reorganização dos franceses na região passa por “tornar invisível” os últimos pontos de apoios militares em suas antigas colônias na África do Oeste.
Em entrevista recente ao People’s Dispatch, o presidente da Organização dos Países da África Ocidental (OPAO), o beninense Philippe Noudjenoume, afirmou que desde fevereiro de 2023 seu país tem servido como campo de testes para esta nova estratégia militar.
“As tropas francesas ainda operam de Kandi tarde da noite, transportando equipamentos e pessoal militar para o aeroporto construído no Parque Nacional W, localizado na intersecção de Benin, Burkina Faso e Níger”. Mas eles são menos numerosos e não mantêm mais uma grande visibilidade em Kandi. Outra base mais discreta foi construída mais para o interior, perto de Ségbanna”, explica Noudjenoume.
A falta de combatividade dos militares franceses contra os grupos terroristas, segundo os movimentos populares do Benin, é o que levanta a necessidade de rever a política de cooperação militar do nosso país com a França.
“Temos de repensar radicalmente a nossa política de segurança e a nossa luta contra o terrorismo. Porque se tornou muito claro que existe um conluio entre a presença de forças militares francesas no Benin e o aumento dos ataques terroristas”, finaliza Laurent Metongnon.
Edição: Nathallia Fonseca