PF mira pessoal do agro para rastrear dinheiro a suposto golpe



Longe do fim das investigações sobre o suposto plano de golpe de Estado no fim de 2022, a Polícia Federal (PF) agora mira o “pessoal do agro”, que, para a corporação, é suspeito de ter financiado as ações. O termo “pessoal do agro” foi atribuído por Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a uma suposta afirmação do general Walter Braga Netto sobre quem teria custeado as ações do alegado plano de golpe de Estado, que não ocorreu em 2022.

Os investigadores se debruçam sobre documentos e informações que possam ser colhidas de celulares e outros dispositivos, como alguns pen drives (dispositivos de memória de computador), que a Polícia Federal disse que apreendeu no último sábado (14), quando o general Walter Braga Netto foi preso preventivamente por ordem do Supremo Tribunal do Federal (STF). Além disso, o assessor do general, Flávio Botelho Peregrino, foi alvo de buscas e apreensões.

A decisão que culminou com a prisão de Braga Netto no sábado foi baseada em uma alegada tentativa dele de atrapalhar investigações e influenciar o depoimento de Cid. Mas a reportagem apurou que, ao analisar o material apreendido, a PF quer saber também quem teria enviado dinheiro para Braga Netto repassar ao major Rafael de Oliveira em dezembro de 2022, conforme suposta denúncia de Cid.

A decisão não fala em valores, mas fontes ouvidas pela reportagem indicam que Cid teria dito que seriam cerca de R$ 100 mil. O general nega ter feito a entrega de recursos e também o envolvimento em atos supostamente golpistas.

A defesa de Braga Netto disse que vai se manifestar nos autos após ter plena ciência dos fatos e que vai “comprovar que não houve qualquer obstrução às investigações”. A reportagem tentou entrar em contato com Peregrino, mas não obteve retorno.

Segundo a PF, Mauro Cid mencionou no acordo de delação premiada que Braga Netto teria afirmado, ao entregar uma sacola com dinheiro, que os recursos vieram do “pessoal do agro” e eram para custear ações do suposto plano intitulado Punhal Verde e Amarelo. A corporação também teria encontrado informações sobre isso nas conversas interceptadas do celular de Mauro Cid.

O plano citado previa, além de impedir a posse presidencial, o alegado assassinato de autoridades, como o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice, Geraldo Alckmin (PSB), e do ministro do STF Alexandre de Moraes, à época presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para decretar a prisão do general, Moraes justificou uma suposta tentativa de obstrução da Justiça. O mandado de prisão foi expedido na terça-feira (10), mas Braga Netto estava em viagem. Ele retornou na sexta-feira (13) ao Rio de Janeiro e o cumprimento do mandado se deu no sábado.

Ao rastrear o dinheiro, a PF acredita que vai chegar ao núcleo financeiro do suposto esquema e que irá identificar quem teria bancado acampamentos e custeado a locação dos ônibus que se deslocaram a Brasília entre o fim de 2022 e início de 2023. A PF quer ligar a suposta tentativa de golpe de Estado aos atos do 8 de janeiro de 2023, que terminaram com a depredação de prédios públicos na capital federal.

Segundo apurações da Gazeta do Povo, entre as linhas de apuração, a PF tenta cruzar informações recuperadas de conversas entre os investigados – não apenas de Braga Netto e Peregrino – e movimentações financeiras em espécies de pessoas supostamente vinculadas ao agronegócio que possam ter ligação com os indiciados.

No relatório de 884 páginas da Polícia Federal enviado pelo STF à Procuradoria-Geral da República (PGR), em que aparecem 37 indiciados, Braga Netto, que foi ministro da Defesa de Bolsonaro e candidato a vice na chapa do ex-presidente em 2022, é apontado como um dos articuladores do suposto plano. O general teria desempenhando “papel de liderança, organização e financiamento”, entre eles uma reunião realizada em sua casa no dia 12 de novembro de 2022 para tratar do assunto, segundo os investigadores.

Braga Netto vem reforçando que nunca fez reuniões em sua casa ou participou de atos que pudessem levar a um golpe de Estado. O general é citado no relatório quase 90 vezes.

Segundo a PF, agro e deputados teriam feito pressão por suposto golpe

No mesmo relatório, a PF aponta que uma conversa interceptada no celular de Mauro Cid indicaria uma suposta pressão vinda de diferentes setores, para que o suposto golpe de Estado acontecesse.

“O presidente [Bolsonaro] tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais, mais pesada onde ele vai, obviamente, utilizando as forças, né? Mas ele sabe, ele ainda continua com aquela ideia que ele saiu da última reunião, mas a pressão que ele recebe é de todo mundo. Ele está… É cara do agro. São alguns deputados, né? É né… Então é a pressão que ele tem recebido é muito grande”, diz trecho apontado pela PF como conversa de Mauro Cid com outros interlocutores.

Já a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) destacou a necessidade de urgência das investigações e disse que “ações isoladas” não podem “comprometer a imagem de um setor econômico composto por mais de seis milhões de produtores”. A bancada do agro no Congresso conta com 340 deputados e senadores e defende que as investigações ocorram de forma legal, transparente, equilibrada e em “estrita observância ao que determina a Constituição”.

“Defende-se que os responsáveis sejam identificados e punidos com o máximo rigor da lei, independentemente da atividade econômica de eventuais envolvidos”, reforça a manifestação da bancada.

Além das investigações da PF, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também indicou uma suposta participação de pessoas ligadas ao agronegócio – produtores e empresários – no financiamento de acampamentos em frente a quartéis generais pelo Brasil, no pagamento de transporte de diversas regiões do país rumo a Brasília, e ainda para o bloqueio de rodovias em parceria com caminhoneiros em pelo menos quatro estados, em novembro de 2022, para questionar os resultados das urnas. Segundo a Abin, esse grupo foi chamado de Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA).

O deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) disse em um vídeo publicado nas suas redes sociais que não há nenhuma comprovação de que houve tentativa de golpe de Estado.

“Tentativa, de fato, foi o que ocorreu com Bolsonaro e Trump, que sofreram reais atentados contra suas vidas”, ao se referir à facada contra Bolsonaro em setembro de 2018 e ao atentado a tiros contra Trump nas eleições deste ano nos Estados Unidos.

“Outro ponto grave é a postura do ministro Alexandre de Moraes, que atua simultaneamente como vítima e juiz no caso, evidenciando uma flagrante incompetência jurídica”. Para o deputado, tratam-se de “falácias e narrativas criativas que não provam nada”. “Exigimos a verdade”, afirmou o parlamentar.



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