Dois dias após o encerramento da Cúpula de Líderes do G20, que ocorreu no Rio de Janeiro, o Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty) publicou uma carta aberta pedindo “urgente necessidade de reestruturação do Itamaraty para eventos internacionais de grande porte”.
Segundo o documento, servidores da pasta têm enfrentado problemas logísticos e com a sobrecarga de trabalho durante a realização de eventos como o G20 e a COP-30, que o Brasil pretende sediar em Belém.
“Estamos lidando com um orçamento que mal sustenta o dia a dia, quanto mais um evento global desse porte. Computadores defasados e sistemas antigos. Os servidores muitas vezes precisam investir do próprio bolso para garantir que possam realizar suas atividades, pois as diárias nunca são suficientes”, informou Ivana Vilela, presidente do Sinditamaraty, em nota enviada à Gazeta do Povo.
Na carta divulgada pelo sindicato, os funcionários da Palácio Itamaraty reclamam da “falta de recursos humanos” e da “infraestrutura inadequada” na organização dos eventos. “O quadro de servidores está cada vez mais reduzido e sobrecarregado, sem reposição adequada de pessoal e com limitações orçamentárias que impactam diretamente as condições de trabalho”, diz o documento.
“O planejamento e a execução de eventos como a COP 30 demandam um esforço coordenado e multidisciplinar que só será possível com equipes reforçadas e suporte logístico apropriado”, justifica a carta. O órgão compara ainda o quadro de funcionários do Itamaraty, que possui pouco mais de três mil servidores, com a chancelaria francesa, que conta com 17 mil funcionários e com a estadunidense que possui 30 mil.
Ivana Vilela explica ainda que o quadro de funcionários considerado insuficiente para a realização desses eventos, sobrecarrega os servidores do Ministério das Relações Exteriores e os condiciona a escalas que beiram o “insustentável fisicamente”. “Fazemos, porque sabemos a importância para o país. No entanto, é possível ter condições de trabalho melhores, basta pensar na estrutura laboral com antecedência. Não podemos seguir trabalhando na base da bravura. Tem que haver profissionalismo e respeito ao servidor”, pontua a presidente do órgão.
Além da parte jurídica e conciliadora exercida pelo Ministério das Relações Exteriores, os funcionários da pasta também são responsáveis pela logística por trás dos eventos que o país recebe autoridades internacionais. O sindicato alega ainda que há falta de infraestrutura adequada, com “ausência de espaços adequados para reuniões multilaterais e infraestrutura tecnológica defasada representam barreiras ao trabalho diplomático e à organização de eventos internacionais”.
“Em muitos eventos internacionais são utilizados recursos, como computadores e impressoras, dos próprios servidores e aparatos como redes móveis de internet pessoal, devido à sobrecarga de trabalho em meio às deficiências estruturais”, alega o documento. “A COP 30 será um marco para a agenda global de combate às mudanças climáticas. Para que este momento seja conduzido com excelência, é imperativo que o Itamaraty receba os recursos necessários para que o Brasil possa exercer seu papel estratégico e continuar a exercer com sua já tradicional excelência a sua missão institucional.
Manifestação do sindicato ocorre após informações de caos nos bastidores do G20
O Brasil sediou entre os dias 18 e 19 de novembro, a Cúpula de Líderes do G20, no Rio de Janeiro. O grupo reúne as 20 maiores economias do mundo e o evento ocorrido na capital carioca foi um dos principais da política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste mandato. O petista encerrou o encontro com uma sensação de vitória após ter conseguido, em meio a impasses, um declarado consenso entre os presidentes para aprovar o documento final do encontro.
Porém, ainda que obstáculos tenham sido superados, os bastidores do evento mostram uma desorganização logística que acabou repercutindo negativamente para o governo na imprensa internacional. O site de notícias norte-americano Bloomberg classificou a cúpula sediada na capital carioca como “a mais caótica dos últimos tempos”.
“A caótica cúpula do G20 que ele [Lula] sediou no Rio de Janeiro destacou sua incapacidade de superar as crescentes divisões entre as superpotências globais. Gafes marcaram as reuniões que muitos chamaram de o G20 mais desorganizado da memória recente”, escreveu o veículo.
Apesar de não ter detalhado quais teriam sido os problemas logísticos, a reportagem ouviu de diplomatas que atuaram na organização do evento que a cenário não era o mais agradável. Com um número de convidados aparentemente maior que a capacidade do Museu de Arte Moderna (MAM), onde a cúpula ocorreu, seria capaz de comportar para o evento, convites para autoridades internacionais chegaram a ser desfeitos às vésperas da cúpula.
A desorganização também impactou aspectos importantes do evento, como a tradicional “foto de família”, que registra todos os presidentes presente em uma agenda comum. O retrato do primeiro dia de cúpula simbolizava a adesão de todos os países à Aliança Global Contra a Fome e Pobreza lançada por Lula às margens do G20. No retrato, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, não estão presentes. A ausência teria ocorrido por um “atraso” dos dois líderes.
Já no segundo dia da cúpula, o presidente Lula cancelou, após quase três horas de atraso, a coletiva de imprensa que daria aos jornalistas presentes na Cúpula. A organização do G20 justificou o cancelamento pelo atraso da agenda do mandatário brasileiro que antecedeu o encontro com jornalistas. O petista teve o dia dedicado ao encerramento da cúpula e a bilaterais com presidentes e autoridades internacionais.
O caos vivenciado no G20 parece ter acendido um alerta para a necessidade de melhorias na organização acerca da COP-30, que o Brasil vai sediar no próximo ano. O presidente Lula tem feito questão de que a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, principal evento para discutir ações ambientais e climáticas do mundo, seja realizada em Belém (PA). A escolha do local justifica o desejo de levar os principais líderes mundiais para o “coração da Amazônia”.
Os percalços da COP-30 em Belém
A COP-30 sediada em Belém tem sido um grande desafio tanto para o governo federal quanto para o governo paraense, isso porque a cidade não tem a infraestrutura adequada para receber um evento de tal porte. A expectativa é que cerca de 50 mil pessoas estejam presentes na cidade durante o evento, que reúne os principais países do mundo.
Belém não tem capacidade para receber essa quantidade de pessoas. Até meados do ano passado, o município tinha apenas 5.712 quartos de hotel, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará (ABIH-PA). Ao todo, a rede hoteleira da cidade seria capaz de hospedar pouco mais de 12 mil pessoas – levando em consideração todas as categorias de quartos disponíveis.
Além de utilizar cidades próximas como “subsedes” do evento, o governo também tem estudado a utilização de navios para hospedar todas as pessoas que vão para a cidade no próximo ano acompanhar a COP. Há ainda incentivos para que a população que mora na cidade receba os turistas em suas residências por meio do aluguel de quartos.
Com a intenção de preparar a cidade para receber um evento deste porte, altos investimentos têm sido feitos em Belém através de obras de infraestrutura e reformas. Obras como as do Parque da Cidade, palco das principais reuniões da cúpula, e de pontos turísticos como Porto Futuro e Mercado Ver-o-Peso, ainda precisam ser finalizadas a menos de um ano da cúpula.
Em entrevista à Veja, o prefeito eleito de Belém, Igor Normando (MDB), falou sobre a necessidade de acelerar tais obras. “Temos dois grandes desafios. Um é colocar a manutenção da cidade em dia, ou seja, fazer os serviços públicos e básicos funcionarem. O outro é tocar em ritmo acelerado as obras da COP-30. Há lentidão em algumas intervenções por parte da prefeitura, mas, assim que assumirmos, a nossa principal meta será fazer com que tudo seja entregue até novembro”, disse.
Nos bastidores da organização do evento, ventila-se a possibilidade de mudar o local em que a COP ocorreria, para outra cidade como o próprio Rio de Janeiro ou até mesmo Brasília. A informação, contudo, nunca foi confirmada pelo Governo Federal ou pelo Palácio do Planalto, que ainda sustentam a realização do evento no Pará.