O ex-candidato da oposição da Venezuela, Edmundo González Urrutia, se reuniu neste sábado (4) com o presidente da Argentina, Javier Milei, na Casa Rosada, sede do governo argentino. Edmundo voltou a reforçar a intenção de estar em Caracas em 10 de janeiro para tomar posse: “por qualquer meio, vou estar lá”.
Essa foi a primeira parada do venezuelano em uma turnê por países da América Latina governados pela direita na semana em que marca a posse de Nicolás Maduro para o terceiro mandato. No encontro, os dois discutiram sobre os presos nos atos violentos na Venezuela e os exilados na embaixada argentina em Caracas. Ainda neste sábado, Edmundo segue para o Uruguai para se encontrar com o presidente Luis Lacalle Pou.
Edmundo e Milei não fizeram nenhuma declaração oficial ao final do encontro, apenas foram à sacada da Casa Rosada para acenar aos venezuelanos que se reuniram na Praça de Maio. Edmundo González publicou em suas redes sociais alguns vídeos na sede do governo argentino. Na chegada do venezuelano, Milei agradeceu a presença do ex-candidato e se limitou a dizer que estava fazendo “o que a causa da liberdade exige, nem mais nem menos”.
A Casa Rosada publicou apenas um comunicado afirmando que “a Argentina não será cúmplice do silêncio diante das injustiças e abusos do regime de Maduro”. O opositor venezuelano também teve um encontro com o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Gerardo Werthein.
Essa foi a primeira vez que Edmundo deixou a Espanha, desde que recebeu asilo político em setembro. Nas últimas semanas, o opositor deu entrevistas afirmando que viajará a Caracas para tomar posse em 10 de janeiro, ameaçando intervir no ato que deve marcar o início do novo mandato de Nicolás Maduro.
Edmundo, no entanto, é alvo de um mandado de prisão emitido pela Justiça venezuelana. Ele é investigado pela publicação de supostas atas eleitorais que teriam sido recolhidas no dia das eleições presidenciais e, posteriormente, utilizadas pela coalizão de extrema direita para não reconhecer os resultados eleitorais divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) que deram a vitória a Maduro.
Na quinta-feira (2), o Corpo de Investigação Científica, Criminal e Forense da Venezuela (CICPC) divulgou que estava oferecendo uma recompensa de US$ 100 mil (R$ 620 mil) para quem apresentasse ao Ministério Público informações sobre o “paradeiro” do ex-candidato da extrema direita.
A agenda de Edmundo até a posse não foi divulgada, mas jornais argentinos divulgaram que o opositor deve ir à República Dominicana, Panamá e Estados Unidos antes do dia 10 de janeiro.
Antes de ameaçar tomar posse de maneira paralela, o opositor já havia assinado uma carta se comprometendo a reconhecer a decisão da Justiça venezuelana sobre as eleições do país e teria dito que “ainda que não compartilhe, acato a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ)”.
Na carta endereçada a Jorge Rodríguez, presidente do Parlamento venezuelano, o opositor reafirma que sempre “estará disposto a reconhecer e acatar as decisões de órgãos de Justiça”. No mesmo dia, ele deixou a Venezuela e viajou para a Espanha, de onde, meses depois, passou a dizer que tomaria o poder em 10 de janeiro.
Que atas?
Antes do encontro, Edmundo González disse que as cópias das atas eleitorais recolhidas pela oposição foram entregues a Milei e também serão entregues ao presidente uruguaio. A líder da extrema direita venezuelana, María Corina Machado, publicou durante a manhã deste sábado o que seria uma atualização dos resultados das atas recolhidas pela oposição.
De acordo com a ex-deputada ultraliberal, foram recolhidas 85,18% das atas eleitorais da Venezuela e que esses resultados dariam a vitória à Edmundo González com 67% dos votos válidos (7.443.548 votos). Já Nicolás Maduro teria recebido 30% do total de votos, somando 3.385.155 eleitores. A publicação ainda afirma que os outros oito candidatos teriam recebido 273.063 votos.
A coalizão de extrema direita, no entanto, não divulgou as cópias de maneira pública e não disse porque estava atualizando os dados depois de mais de 4 meses do pleito.
A Justiça da Venezuela, no entanto, validou a vitória de Nicolás Maduro depois da judicialização do processo. Parte da oposição questiona o resultado e se apoia na lacuna deixada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Depois de validar o resultado, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) deu 30 dias para o órgão eleitoral publicar os resultados desagregados. O CNE, no entanto, não publicou até agora os dados detalhados por mesa de votação e afirmou que o atraso ocorreu por um ataque hacker. O site segue fora do ar mais de três meses depois do pleito.
Argentina x Venezuela
A ida de Edmundo González a Buenos Aires não foi o único capítulo da relação entre os governos argentino e venezuelano nesta quinta-feira. O Ministério das Relações Exteriores da Argentina disse ter entrado com uma ação na Corte Penal Internacional (CPI) contra o que chamou de “prisão arbitrária” do policial argentino Nahuel Gallo em 8 de dezembro, detido ao tentar entrar em território venezuelano.
Segundo o governo de Javier Milei, a detenção constitui uma “violação grave e flagrante dos direitos humanos” cometidos pelo governo venezuelano. O chanceler da Venezuela, Yván Gil, respondeu às acusações e disse que essa ação na CPI é mais um “espetáculo doloroso e ridículo” e um sinal “não só de ignorância, mas de uma escandalosa falta de seriedade”.
“Os responsáveis do governo fantoche de Milei, que estão envolvidos num golpe de extrema direita e numa agenda terrorista contra a Venezuela, usam ações diplomáticas erráticas para justificar o seu próprio fracasso e cumplicidade. A justiça e os direitos humanos não são instrumentos para agendas desesperadas”, diz o texto do ministro venezuelano.
Gallo estava tentando cruzar a fronteira da Colômbia com a Venezuela pela ponte Francisco de Paula Santander, que faz a ligação entre o estado de Táchira, na Venezuela, com a cidade de Cúcuta, em território colombiano. O governo da Argentina afirmou que ele tinha o propósito de “visitar a sua família”, incluindo a sua companheira e seu filho.
O ministro do Interior e Justiça da Venezuela, Diosdado Cabello, confirmou a prisão do argentino e questionou as reais motivações da sua entrada na Venezuela. Segundo ele, o agente afirmou que ganhava apenas US$ 500 (pouco mais de R$ 3 mil) por mês e viajava para diferentes países do mundo, sem justificar recursos para isso.
Ainda nesta quinta, a esposa de Gallo, María Alexandra Gómez, deu uma entrevista à rádio Con Vos da Argentina, afirmando que tinha “muito medo” das consequências do encontro entre Edmundo e Milei para o policial. Logo depois da entrevista, o governo venezuelano divulgou um vídeo de Nahuel Gallo caminhando em uma penitenciária venezuelana. A ministra de Segurança Pública da Argentina, Patricia Bullrich, compartilhou o vídeo nas redes sociais pedindo a devolução do policial.
Milei x Maduro
Venezuela e Argentina romperam relações diplomáticas depois da eleição do atual mandatário argentino e os dois presidentes têm trocado farpas pela imprensa. Milei já chamou Maduro de “ditador” e disse que encabeçaria uma articulação contra a Venezuela para que as sanções contra o país aumentassem.
A relação entre os dois países piorou desde o envio do avião da estatal venezuelana Emtrasur aos Estados Unidos. A aeronave estava retida desde junho de 2022 em Buenos Aires por uma cooperação judicial entre Buenos Aires e Washington. Cerca de dois meses depois da posse de Milei, o avião foi confiscado pelos EUA e enviado para a Flórida. Caracas classifica a medida como um “roubo”.
Depois disso, a Venezuela fechou o espaço aéreo para voos que tenham como origem ou destino a Argentina.
O caso do avião escalou e, em setembro, a Justiça da Venezuela determinou uma ordem de prisão preventiva contra o presidente da Argentina, Javier Milei, e outros dois funcionários do governo. A sentença foi emitida pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) depois de um pedido do Ministério Público. A decisão, no entanto, não tem caráter internacional e só é válida se Milei entrar na Venezuela.
Em resposta, a Câmara Federal da Cidade de Buenos Aires determinou uma ordem de prisão contra o chefe do Executivo venezuelano, Nicolás Maduro, e o ministro Diosdado Cabello. Eles são acusados pelo governo argentino de terem cometido crimes de “lesa humanidade”. O pedido havia sido feito no começo de 2023 e foi apresentado pelo grupo Fórum Argentino para a Defesa da Democracia (FADD).
Edição: Camila Salmazio