Coordenadora de pesquisas para a campanha de Ricardo Nunes (MDB), a socióloga Marisol Recamán aconselhou o prefeito desde o início a fugir da polarização proposta por seus principais adversários, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) e o influenciador Pablo Marçal (PRTB), e focar nas entregas da gestão.
“Fortalecer a polarização ajudava os eleitores a abrir os ouvidos tanto para Boulos quanto Marçal. Não era bom alimentar elementos de outras candidaturas”, diz à Folha.
Com longo histórico de atuação em campanhas petistas, como as do presidente Lula (PT) e da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Marisol avalia que Boulos exagerou na agressividade e deixou de apresentar propostas ao eleitor antibolsonarista.
Quando a campanha começou, qual era o principal desafio para Nunes? O desafio era mostrar seu governo e fortalecer a imagem do prefeito. Como ele assumiu após ser vice, tinha que mostrar quem ele era através de seu trabalho.
Esse desafio se manteve ou se atualizou? Com a entrada do [Pablo] Marçal, houve uma mudança dos campos de disputa. A polarização já estava colocada com o [Guilherme] Boulos. Com o Marçal, se coloca uma disputa clássica entre [Jair] Bolsonaro e Lula. Aí a pergunta era: qual o espaço do prefeito numa disputa que polariza? É a gestão, porque estamos fazendo uma campanha municipal. Trata diretamente da vida das pessoas.
Ricardo [Nunes] tinha uma gestão para mostrar. Poderia cair numa fenda da polarização ou construir uma estrada e se afastar. A verdade é que a cidade não estava nessa pauta. A referência de posicionamentos e simpatias se coloca num primeiro momento, mas depois é discussão da cidade. Nunes tinha muita vantagem.
Nunes perdia pontos quando manifestava posições do bolsonarismo? Ele ia para o campo do Marçal e do Boulos. Sempre que se colocou nessa disputa, ficou sem lugar. Fortalecer a polarização ajudava os eleitores a abrir os ouvidos tanto para Boulos quanto Marçal. Não era bom alimentar elementos de outras candidaturas.
O surgimento do Marçal foi o momento mais difícil? [Quando] Ele entrou já era um sinal, mas não se tinha ideia do quanto essa experiência via rede teria forças. A preocupação maior foi quando começou a crescer. Sem dúvida uma base de conquista do Ricardo foi para ele. Não era o Boulos que perdia, era o Ricardo.
Como foi a discussão sobre a participação do Bolsonaro, considerando também o papel do governador Tarcísio de Freitas? A campanha tinha claro que Bolsonaro ajudava a olhar para a eleição de forma a interessar os extremos.
O Tarcísio é governador. Fortaleceu muito essa ideia de parceria, já estamos fazendo e vamos fazer mais. Não vi na população essa discussão de que Tarcísio representava o bolsonarismo. As pessoas sabiam disso, mas não era dessa forma que olhavam.
Mas houve a discussão sobre o quanto Bolsonaro agregava ou afastava eleitores. Não chegou a ter esse problema porque Bolsonaro não veio para a candidatura. Ele também estava com um pé em cada lado. Se o apoiador não está [presente], não precisa fazer essa discussão.
Por que a sra. acha que Marçal não chegou ao segundo turno? Só com aquele discurso de combate ao Boulos, à esquerda, ao Lula, era muito difícil ter mais que 30% [dos votos]. A cidade não tem um campo maior do que foi a votação dele. Acho que ele conquistou muito.
E Boulos, no que a sra. avalia que a campanha falhou? Boulos tinha um campo político bastante forte na cidade, mas a candidatura precisaria conversar com o antibolsonarismo. Não se conversa com todo o antibolsonarismo apenas com uma discussão polarizada. Ele não trouxe o que o eleitor queria saber. Acho que perdeu a oportunidade de dialogar mais a partir de seus projetos.
É possível reverter uma rejeição alta como a que ele tinha? É possível. A esquerda tem uma rejeição como a direita tem. Zerando isso, vamos discutir o que é rejeição de verdade. A dele era maior porque tinha discussão de ocupação, MTST, mas não acredito que tenha sido o principal motivo. Para os eleitores que ele precisava conquistar, não acredito que o passado fosse um problema. Muita gente achava bastante valoroso. O problema foi a agressividade no lugar de propostas.
A esquerda tem tido dificuldade de se reconectar com o eleitor. A sra. enxerga um caminho? Tem coisas mais profundas que não se resolvem no processo eleitoral de 2026. Os instrumentos de representatividade política estão muito distantes do eleitor. “Não tenho perspectiva de futuro, o Estado não me ajuda”. Isso tem um desgaste.
A esquerda tem uma tarefa de reconstruir um projeto para apresentar. É tarefa urgente e mundial. Quando você fala que o Boulos moderou… É isso que o eleitorado queria? O eleitorado queria saber o que ele iria fazer. Esse vínculo precisa ser reconstruído.
A extrema direita se sai muito bem em aproveitar esse descrédito. Ela faz o [discurso] antissistema e por isso soa bem. A população olha o Estado quase como se tivesse dono. São os políticos, e eles estão longe de mim. Está quebrado o vínculo. Não é uma discussão de gestão pública, coletividade. Na concepção da extrema direita, o outro é um problema. [Isso] Cabe muito bem quando você está sozinho, quando o Estado não te representa. O outro é estranho mesmo, não é meu coletivo.
Os bolsonaristas estão muito animados com a eleição de Donald Trump. Trump teve um posicionamento muito claro sobre imigração, etnia, e o quanto foi misógina a candidatura. Não votaram apesar disso, votaram também por isso. Essa maioria está constituída lá. Há um campo político que cresce no mundo inteiro, no Brasil não é diferente. Obviamente esse campo se fortalece.
Raio-X – Marisol Recamán
Diretora da OMA Pesquisa, tem 61 anos, é socióloga formada pela PUC-SP e atuou na Fundação Perseu Abramo e nas campanhas presidenciais de Lula (PT) e de Dilma Rousseff (PT)