O casarão localizado na rua Santo Antonio, número 600, em Porto Alegre, onde funcionou o primeiro centro clandestino de repressão e tortura do Cone Sul, entre os anos 1964 e 1966, o Dopinha, amanheceu nesta quarta-feira (8) marcado com faixas que reforçam a importância da memória e da defesa pela democracia. Organizado pelo Multiplicidade e o Movimento Esperançar, o ato simbólico de escracho foi realizado em referência ao Dia em Defesa da Democracia, data que remete à tentativa de golpe de 2023.
Com os dizeres em vermelho, para representar o sangue, e preto: “A memória exige verdade, a justiça exige coragem”, “Ainda estamos aqui”; e o pedido de “Não à anistia, sim ao PL 023/25”, a intervenção tem como objetivo, pontuam os organizadores, lembrar a importância da defesa da democracia, para que capítulos de repressão, censura e tortura não se repitam. Protocolado pela vereadora Juliana de Souza (PT), o Projeto de Lei 023/25 propõe a criação da Frente Parlamentar da Memória, Verdade e Justiça de Transição na Câmara Municipal de Porto Alegre. O PL foi inspirado na Comissão Nacional da Verdade.
Ao Brasil de Fato RS, a vereadora afirma que o PL 023/25 cria uma Comissão Municipal da Verdade que “será fundamental para apurar os fatos sobre as inúmeras violações aos direitos humanos cometidas contra os agentes públicos da Prefeitura de Porto Alegre ou por eles originadas durante a ditadura civil-militar de 1964”. Ela defende a promoção do direito à memória, verdade e justiça como um direito da população porto-alegrense.
“Esclarecer as circunstâncias, motivações e métodos de tortura, desaparecimentos ou coerções proporcionará as condições de reparação simbólica e moral para que nunca mais nossa democracia e vidas humanas sejam ceifadas”, destaca Juliana Souza.
Responsabilização
A mobilização também teve como objetivo chamar atenção para a “necessidade de responsabilização dos golpistas” do 8 de Janeiro. “Ou seja, a prisão de Jair Bolsonaro e seus generais, que tentaram o golpe e assassinar o presidente da República e autoridades de Estado”, destacam os organizadores.
Juliana de Souza recorda que a data marca dois anos dos atentados à democracia do 8 de Janeiro. “Com a tentativa de golpe, que é mais um episódio de ataque à nossa democracia e o Estado democrático de direito, em um país que não fez a sua justiça de transição por completo. E que ainda tem um longo caminho a percorrer para assegurar políticas de memória. Políticas de memória, verdade e justiça são fundamentais para consolidação da democracia”, destaca a vereadora.
A parlamentar também ressalta o ocorrido no dia da posse dos vereadores da Capital, quando o prefeito Sebastião Melo (MDB) relacionou, em seu discurso, defesa da ditadura militar com liberdade de expressão. “Essa fala traz a necessidade de nós termos a defesa da democracia como uma prioridade na nossa agenda política. Nós sabemos que defender o período mais sombrio que o nosso país já viveu, com violação de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro, deve ser não só rechaçado, é um crime e deve ser punido.”
Segundo ela, a atuação busca assegurar as políticas de memória e a garantia de “que não haja anistia aos golpistas de 8 de Janeiro”, a fim de “pavimentar os caminhos pra construção do nosso Brasil democrático de fato”.
Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça
Conforme pontua o dirigente do Movimento Esperançar e tesoureiro da JPT/RS, Pedro Henrique Vier, o debate sobre o legado da ditadura tem sido levantado nos últimos tempos na sociedade brasileira. Para ele, “é lamentável que se naturalize o debate sobre os crimes e as atrocidades que o regime militar cometeu no Brasil.”
“Infelizmente, a gente tem pessoas hoje, até no poder público, que foram eleitas pelo voto popular fazendo apologia ao regime da ditadura brasileira, como é o caso do prefeito Sebastião Melo, que deu uma declaração nesse sentido na semana passada. A gente vem no antigo Dopinha, lugar da ditadura militar, onde pessoas foram torturadas, para trazer essa memória à tona, e pedir por justiça, verdade, e pautar justamente a compra desse prédio pelo poder público, que é um absurdo que ainda seja privado”, comenta.
Dopinha
O Dopinha foi identificado como centro de tortura em junho de 2011. Durante o governo Tarso Geno (PT), em 2014, os proprietários do casarão concordaram em vender o local ao poder público e disponibilizá-lo para a concretização do Memorial Ico Lisbôa. O processo para a construção do memorial parou a partir da eleição de José Ivo Sartori (MDB). Em 2022, o imóvel chegou a ser oferecido numa plataforma de aluguel temporário.
“O Dopinha é muito simbólico porque é o primeiro centro de detenção do Cone Sul. Antes mesmo do AI-5, de 68, ele já existia e já eram praticados crimes, o que mostra que a ditadura foi, do início ao fim, cruel. Que contou com homens armados, covardes, que maltrataram e tiraram de forma unilateral os direitos civis de pessoas que foram ali tratadas, como se fossem objetos”, frisa Vier.
Por isso, prossegue o dirigente, a reivindicação do movimento em defesa da democracia e da memória. “Hoje há diversas áreas, como por exemplo a cultura, com o filme Ainda Estou Aqui, com a premiação da Fernanda Torres, e diversas outras esferas da nossa sociedade fazendo essa mobilização por democracia. Para que a gente possa ser uma sociedade cada vez mais inclusiva, onde as pessoas tenham voz, vez e direitos civis. Então a gente levanta todas essas bandeiras em um dia tão importante, tão simbólico, como é o 8 de Janeiro”, conclui.
Sobre o Dia em Defesa da Democracia
Em junho do ano passado o então presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, vereador Hamilton Sossmeier (PTB), promulgou a Lei n° 13.496, que inclui a efeméride Dia em Defesa da Democracia, no dia 8 de janeiro, no Calendário de Datas Comemorativas e de Conscientização do Município de Porto Alegre. O projeto é de autoria do vereador Aldacir Oliboni (PT).
Na ocasião Oliboni pontuou que a instituição da data no calendário municipal tem como objetivo refletir a respeito do período delicado que pelo qual passou o país na gestão passada do governo federal, com destaque para os trágicos incidentes do último dia 8 de janeiro em Brasília (DF).
De acordo com a lei, na referida data, o município de Porto Alegre deverá publicar, por meio de seus instrumentos oficiais na internet, mensagens de conscientização sobre a importância da preservação da democracia, do Estado Democrático de Direito e das instituições democráticas.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira