O atual surto da mpox na África está gerando preocupações entre especialistas, cientistas e autoridades sanitárias devido ao risco de uma nova variante do vírus, mais letal e transmissível, se espalhar para outras regiões não endêmicas. Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a epidemia uma emergência de saúde pública global, o mais alto nível de alerta da OMS em relação a uma doença.
A nova variante em questão é a clado 1B, um subtipo do clado 1, a forma mais transmissível e mais letal da doença. Esse clado é endêmico na República Democrática do Congo e é responsável pelo surto atual. Já o clado 2 foi responsável pelo surto global que começou em 2022, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos. No Brasil, ainda não há casos de mpox causados pela nova variante e, segundo Nísia Trindade, ministra da Saúde, o Brasil está no nível 1 de emergência da mpox.
A seguir, entenda o que já se sabe sobre o funcionamento do vírus da mpox no organismo e como ele pode causar uma doença severa e letal.
Como a mpox age no organismo?
Mpox é uma doença infecciosa causada por um vírus da família do vírus da varíola (já erradicada), o Orthopoxvirus. A transmissão ocorre por meio do contato com pessoas infectadas ou materiais contaminados pelo vírus.
De acordo com Eduardo Medeiros, professor associado da disciplina de Infectologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), uma vez dentro do organismo, o vírus se dissemina pelo sangue e pelo sistema linfático. O período de incubação — espaço de tempo entre a infecção e o surgimento dos primeiros sintomas — varia de 3 a 21 dias.
“O quadro clínico inicial, chamado período prodrômico, é caracterizado por febre, mal-estar, cefaleia e aumento de gânglios que duram entre 1 e 3 dias”, explica o professor à CNN.
Depois desse período, começam a surgir os sintomas mais específicos e característicos da mpox, como o surgimento das lesões da pele, que podem acometer o corpo todo.
“Os pacientes podem apresentar lesões nas palmas das mãos, das solas dos pés e lesões distribuídas por toda a extensão do corpo. Essas lesões começam como uma pápula, que se enche de líquido, transformando-se numa vesícula e, posteriormente, numa pústula. Depois que ela cicatriza, forma uma crosta”, acrescenta a professora Giliane Trindade, professora de microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), à CNN.
Essas lesões ocorrem porque o vírus da mpox afeta as células da pele, causando um processo inflamatório que leva às erupções cutâneas, conforme explica Matthew Binnicker, diretor do Laboratório de Virologia Clínica da Mayo Clinic em Rochester, Minnesota, nos Estados Unidos, também à CNN.
“Em alguns pacientes, a infecção pode se disseminar, ou seja, pode evoluir de uma erupção cutânea ou genital e chegar ao sangue, alcançando diferentes partes do corpo e causando o que chamamos de ‘doença disseminada””, afirma.
Por que a mpox pode ser letal e como a doença leva à morte?
De acordo com Trindade, já se sabe, através da literatura científica, que a variante 1 do vírus da mpox é mais virulento que a variante 2. “O clado 1 está associado a uma doença mais grave do que o vírus do clado 2, que emergiu em 2022”, afirma.
A professora explica que existem algumas sequelas ou desfechos graves relacionado à infecção por essa variante. “O que vemos, historicamente, na região endêmica é que as pessoas infectadas com a variante 1 podem desenvolver um quadro com um número muito alto de lesões na pele — mais de 250 lesões, por exemplo. Isso é considerado muito grave e essas lesões podem levar a uma infecção secundária por bactéria”, afirma Trindade.
Além disso, quadros graves de mpox podem levar, também, a infecções no sistema nervoso central, pneumonia e sepse (infecção generalizada).
“Muitos vírus podem causar a infecção inicial, com a erupção cutânea do mpox. Mas, se eles se espalharem de forma descontrolada para diferentes sistemas de órgãos e danificarem o coração, os pulmões, o sistema nervoso central, isso pode levar à morte do paciente devido à resposta inflamatória e imunológica avassaladora, bem como ao dano aos diferentes órgãos do corpo”, acrescenta Binnicker.
O clado 1B é mais letal?
Trindade explica que o clado 1B, que foi descoberto em 2023 e é um dos responsáveis pelo atual surto, possui um tipo de mutação chamada APOBEC3 que levou à alta capacidade de transmissão entre humanos. “Está ocorrendo uma grande transmissão entre humanos e isso está muito relacionado, na minha opinião, ao fato de que o vírus chegou a uma região mais populosa e ele está sendo muito transmitido através do contato sexual”, afirma.
A mutação que gerou o clado 1B é caracterizada por alterações estruturais do clado 1, mas que mantiveram a maior agressividade, conforme explica Medeiros. “Isso é uma alteração estrutural que ocorre com diversos vírus a exemplo da Influenza (gripe) e Covid-19. A alta multiplicação viral leva a alterações estruturais aleatórias, porém se forem benéficas para o vírus se perpetuam e podem gerar novas variantes”, esclarece.
Além da maior transmissibilidade, a variante clado 1B está associada a doenças mais graves e a uma maior taxa de mortalidade, variando entre 3% e 10% de letalidade, dependendo do surto, segundo Binnicker. “Em certos pacientes, especialmente aqueles que têm uma condição de imunocomprometimento, como HIV ou pessoas que fizeram um transplante e têm o sistema imunológico enfraquecido, o vírus pode se replicar de forma descontrolada e se espalhar para diferentes sistemas de órgãos”, acrescenta o virologista.
Quem está em maior risco de morte por mpox?
Segundo a OMS, pessoas imunossuprimidas correm maior risco de desenvolver mpox grave ou morrer. Além disso, pessoas com HIV avançada também têm um risco elevado de óbito se tiverem uma infecção grave, de acordo com a entidade.
Por outro lado, a OMS afirma que pessoas vivendo com HIV, mas que alcançaram supressão viral por meio de tratamento antirretroviral, “não parecem ter risco maior de mpox grave do que a população em geral”.
“O uso de tratamento diário eficaz para HIV (antirretrovirais ou ARVs) reduz o risco de desenvolver sintomas graves de mpox em caso de infecção. Pessoas com HIV não tratado e doença avançada por HIV podem estar imunocomprometidas e, portanto, ter maior risco de mpox grave”, diz a entidade.
Mulheres grávidas também correm maior risco de desenvolver um quadro grave de mpox e de ter complicações de saúde decorrentes da doença, já que a gestação representa um estado de imunossupressão.
“Pessoas que têm doenças crônicas também correm maior risco, já que elas possuem um sistema imune comprometido ou imaturo, no caso das crianças. Elas possuem uma série de alterações na resposta imune que podem culminar com o agravamento da doença”, afirma Trindade.
Como prevenir a mpox?
Segundo o Ministério da Saúde, as principais formas de prevenção são evitar contato direto com pessoas com suspeita ou confirmação da doença e lavar regularmente as mãos com água e sabão. Pessoas infectadas devem cumprir isolamento social, que inclui não compartilhar materiais e objetos de uso pessoal, como toalhas, escovas, lençóis e roupas.
Além disso, a vacinação contra a mpox é importante para prevenir a doença. De acordo com a pasta, a imunização antes da exposição ao vírus está priorizando pessoas com maior risco de evolução para as formas graves da doença. Entre eles estão homens cisgêneros, travestis e mulheres transexuais com idade igual ou superior a 18 anos que vivem com o vírus HIV.
Além deles, funcionários de laboratórios que trabalham diretamente com microrganismo e têm entre 18 a 49 anos também devem ser vacinados. A vacinação também prioriza pessoas que já tiveram contatos (classificados pela OMS como de alto ou médio risco) com fluidos e secreções corporais de pessoas suspeitas, prováveis ou confirmadas para mpox.
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