A psicanalista e ativista dos direitos humanos argentina Laura Jordán de Conte morreu neste domingo (29) aos 93 anos. Referência na luta das Mães da Praça de Maio, a militante deixa como legado uma participação importante no debate sobre a psicologia dentro das lutas contra a ditadura militar na Argentina e pela memória e justiça dos desaparecidos pelo regime militar.
Nascida em Buenos Aires, Conte foi uma das fundadoras do Centro de Estudos Legais e Sociais (Cels), grupo criado em 1979, durante o governo de Jorge Rafael Videla. O objetivo do centro era denunciar as violações de direitos humanos e promover a inclusão social em meio a repressão militar. O foco da atuação de Laura Jordán foi fortalecer o acolhimento psicológico para pessoas que tiveram suas vidas impactadas diretamente pelo regime militar argentino.
O grande ponto de inflexão para a militante foi o desaparecimento de seu filho, Augusto María Conte, em 1976, enquanto servia o Exército. Junto com outras mães de desaparecidos, presos e mortos pela ditadura, Jordán entrou no grupo das Mães da Praça de Maio. No movimento, ela começou a prestar atendimento na área da saúde mental para familiares de vítimas da repressão do Estado.
Todo esse período transformou a vida de Laura Jordan, que passou a lutar até o último dia de sua vida pela justiça às famílias de vítimas da ditadura militar. Em uma carta de despedida, o Cels reforçou que Laura se tornou uma espécie de “mãe” para aqueles que buscavam ajuda psicológica no centro. A nota diz também que Augusto, o primeiro dos cinco filhos dela, foi fundamental nessa trajetória.
“Como todas as fundadoras, Laura experimentou resistência à ditadura. Quando ela falava desses momentos, as lembranças eram sempre duas: Augusto e ela. As lembranças tinham um motivo explicado por Laura. Tudo o que fizeram com o amor de suas vidas foi compartilhado”, diz o texto.
Segundo relatos de amigos e do próprio Cels, Laura Jordan usava de todas as ferramentas disponíveis para fazer os atendimentos psicológicos em um contexto de forte repressão e perseguição. Bares, restaurantes e seu próprio carro se tornaram escritórios para ela.
A militante também fundou a organização Memória Aberta, que servia para contabilizar os desaparecidos, e passou a fazer parte da Comissão Provincial pela Memória em Buenos Aires. Também participou dos Encontros Nacionais de Mulheres e liderou as marchas pedindo o fim da violência policial.
‘Símbolo de esperança’
O ex-deputado Horácio Pietragalla Corti foi diretamente impactado pelo trabalho das Mães da Praça de Maio. Quando tinha apenas cinco meses de vida, o hoje militante pelos direitos humanos morava em Villa Adelina, uma cidade na província de Buenos Aires. Seus pais foram assassinados e ele foi levado pelo tenente-coronel Hernán Tefzlaff. Ele foi entregue pela empregada que trabalhava na casa do militar.
Mais tarde, Pietragalla foi secretário de Direitos Humanos da Argentina no governo de Alberto Fernández. Em conversa com o Brasil de Fato, ele exaltou o trabalho de Laura e disse que ela se tornou “símbolo de esperança” para aqueles que lutam pela justiça.
“Laura Conte era uma mulher incrivelmente corajosa e comprometida. Durante a ditadura na Argentina, a sua voz e ações ecoaram fortemente num momento em que muitos temiam falar abertamente. Ela não só defendeu os direitos humanos, mas também se tornou um símbolo de esperança para aqueles que lutam pela verdade e pela justiça. O seu trabalho ajudou a tornar visíveis as atrocidades que ocorriam e o seu legado continua a inspirar as novas gerações a continuarem a lutar por um mundo mais justo”, afirmou.
De acordo com ele, a manutenção do legado de Laura Jordán é importante para manter a luta pela memória da repressão dos regimes ditatoriais em um contexto de crescimento da extrema direita e do “negacionismo” em relação às violências cometidas pelos governos militares de direita.
“Manter o legado de Laura não é tarefa fácil. Um dos maiores desafios é garantir que sua história não seja esquecida com o tempo. As novas gerações precisam conhecer a sua bravura e o contexto em que viveu. Enfrentamos também o desafio do negacionismo, onde alguns tentam minimizar o que aconteceu durante a ditadura. Além disso, é vital continuar a promover os direitos humanos e lembrar que a luta pela justiça é um caminho contínuo”, disse.
Em 2017, Jordán foi reconhecida pela Assembleia Legislativa de Buenos Aires como “personalidade destacada na luta pelos direitos humanos”.
Laura Jordán reforçava a importância da atuação de grupos como o Cels para a denúncia de violências promovidas pela ditadura e o compromisso com a função social dessas organizações para as famílias das vítimas.
“Sendo pais de pessoas desaparecidas, a procura dos filhos estava presente (aquele fervor de ser pais), e ao mesmo tempo é hora de fazer isso com capacidade profissional, com comprometimento e com vocação social”, disse em artigo publicado pelo próprio Cels.
Mães da Praça de Maio
A organização de defesa dos direitos humanos Avós e as Mães da Praça de Maio desempenhou papel crucial na Argentina em busca por justiça e defesa dos direitos das vítimas da ditadura militar. Fundada em 1977, a organização é composta por mães, que posteriormente se tornaram avós, e buscavam informações sobre seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar argentina (1976-1983). Elas se reuniam na Praça de Maio, em Buenos Aires, todas as quintas-feiras, vestindo lenços brancos na cabeça como símbolo de sua luta.
Com o final da ditadura, em 1983, elas enfrentariam ainda diversas batalhas: a pressão pela punição dos torturadores, a abertura dos arquivos da ditadura e tudo que representasse o direito à verdade e à justiça. Em dezembro de 2024, o grupo recuperou o neto 138 roubado pela ditadura de 1976.
Edição: Lucas Estanislau