Milei e Lula estão montados em bichos muito diferentes – 14/12/2024 – Bruno Boghossian


Javier Milei foi à TV para exaltar o que chamou de sacrifício da população argentina. No primeiro aniversário de governo, o presidente lembrou que seus planos para impor alguma ordem à economia previam uma boa dose de sofrimento. Não era exagero: o arrocho controlou o câmbio e a inflação, ao custo de uma disparada da pobreza no país.

Milei nunca escondeu a tolerância com as consequências de um ajuste amargo. Ainda assim, a celebração do aperto das contas é um estranho privilégio de presidentes em situações muito específicas. Décadas de estudos políticos e eleitorais mostram as condições em que governantes podem convencer a população a engolir medidas impopulares.

Um presidente tem mais chances de obter apoio a um aperto de gastos se anunciar esse caminho durante a campanha. Não é uma iniciativa muito popular entre políticos e marqueteiros, e só funciona quando há uma demanda clara por esse tipo de medida. O custo de aparecer de surpresa com um arrocho, por outro lado, costuma ser alto demais.

Um fator foi determinante para lançar os eleitores na direção de Milei e explicar a sustentação das medidas adotadas até aqui: a hiperinflação argentina. Reformas com um custo social elevado são aceitas com menos resistência pela população e pelas forças políticas quando são vendidas como a única maneira de recuperar perdas violentas e evitar ainda mais prejuízos.

A celebração de resultados do arrocho de Milei fez com que alguns entusiastas apontassem o contraste entre o tratamento de choque argentino com a resistência de Lula a um ajuste fiscal mais modesto. Politicamente, a comparação é tão previsível quanto equivocada. Os dois presidentes estão montados em bichos completamente diferentes.

Milei testa os limites do mandato que recebeu para enfrentar circunstâncias dramáticas, sabendo que será julgado pelos resultados. Lula se equilibra entre a decisão de entregar um programa consistente e o risco dos efeitos negativos da inflação. Pode ser doloroso para os críticos de cada um, mas as escolhas do argentino e do brasileiro têm uma explicação simples: os incentivos e as restrições da vida democrática.


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