O presidente da Câmara quer pautar as mudanças nas regras fiscais ainda no primeiro semestre, logo após o envio formal do texto ao Congresso
Idiana Tomazelli , Julia Chaib , Victoria Azevedo , Cézar Feitoza , Thiago Resende e Nathalia Garcia
Brasília, DF São Paulo, SP
Apesar do adiamento do anúncio das novas regras para as contas públicas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o texto deve ganhar prioridade na Câmara dos Deputados e ser votado antes mesmo da análise da reforma tributária.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), quer pautar as mudanças nas regras fiscais ainda no primeiro semestre, logo após o envio formal do texto ao Congresso.
A relatoria deve ficar com um parlamentar do PP, mesmo partido de Lira. O presidente da Casa afirmou à reportagem que ao menos cinco deputados da legenda estão sendo considerados para a relatoria.
A indicação havia sido prometida ao deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), mas, segundo relatos feitos à Folha, o fracasso das negociações entre o partido e o PP para a formação de uma federação partidária entre as duas legendas acabou minando o acordo.
O projeto deve passar à frente da proposta que une e simplifica os tributos sobre consumo —que, diferentemente do novo marco, já está em tramitação. As duas agendas são prioritárias para o Ministério da Fazenda.
O próprio governo admite que a aprovação da regra fiscal deve ser mais célere. O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), disse nesta quarta-feira (22) que “com certeza” o projeto será votado antes da reforma tributária.
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Lira afirmou que tem dado “sinais públicos de fortalecimento” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), na discussão sobre o novo arcabouço fiscal.
“Haddad está sofrendo críticas do mercado e do PT. [Se recebe] crítica dos dois lados, é porque está bom o texto”, disse Lira a jornalistas na noite de terça-feira (21).
“Ficamos de ter uma reunião com todas as lideranças na quarta até que [o governo] decidiu adiar para depois da viagem do Lula para a China [o anúncio da nova regra], porque achava ruim anunciar e viajar”, afirmou.
Segundo o presidente da Câmara, o governo ainda não apresentou projeções dos efeitos do novo marco fiscal nos próximos anos. Como mostrou a Folha, ainda há indefinição em relação a parâmetros que ditarão a dinâmica futura dos gastos. Por isso, ainda há ajustes a serem feitos na proposta.
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A decisão sobre a ordem de prioridades entre as duas matérias está relacionada a questões legislativas e políticas.
A nova regra fiscal será um projeto de lei complementar, que tem tramitação mais simples no Congresso, mas requer maioria absoluta de votos: 257 deputados e 41 senadores, em apenas um turno de votação em cada Casa.
Já a reforma tributária é uma PEC (proposta de emenda à Constituição), que segue um rito próprio de tramitação. O texto já passou por comissões na Câmara e está pronto para ir ao plenário, mas, diante da perspectiva de mudanças, é atualmente debatido em um grupo de trabalho.
Para ser aprovada, uma PEC precisa do apoio de 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos de votação em cada Casa.
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Além disso, o tema da reforma tributária é considerado mais complexo. Embora parlamentares, integrantes do governo e empresários digam que há um consenso sobre a necessidade de simplificar o atual sistema, as minúcias da proposta mexem com interesses de grandes grupos —que se tornam vetores de pressão sobre o Parlamento.
O setor de serviços é um dos que temem a elevação da carga tributária sobre o segmento, que hoje sofre menor incidência de PIS e Cofins, dois tributos federais que seriam unificados no novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O agronegócio também tem dado dor de cabeça nas negociações, impondo resistências.
Por isso, a avaliação do presidente da Câmara é que não há ambiente para a reforma tributária ser votada antes da nova regra fiscal.
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Parlamentares da Casa afirmam que a aprovação do novo marco, por sua vez, pode dar uma sinalização importante ao mercado financeiro, no momento em que o governo amplia os apelos para que o Banco Central corte a taxa básica de juros, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.
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A aceleração do projeto de lei, na avaliação de deputados, transmitiria uma mensagem de compromisso com as contas públicas que seria benéfica para a imagem do governo e do país, atraindo investidores e criando um ambiente favorável para que o BC consiga relaxar sua política monetária.
O deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) diz que Lira tem dialogado com os parlamentares sobre o avanço da pauta econômica.
“Há sentimento de que podemos priorizar a âncora fiscal. Com essa pauta aprovada, daremos previsibilidade, buscaremos redução da taxa de juros e teremos uma sinalização clara para o equilíbrio das contas públicas, além de melhorar nossa nota de crédito e a imagem do Brasil para buscar investimentos internacionais”, avalia.
VEJA O PERCURSO DA NOVA REGRA FISCAL NO CONGRESSO
Onde começará a tramitação?
- Por se tratar de um projeto de lei complementar encaminhado pelo Poder Executivo, o texto começará a tramitar na Câmara dos Deputados. A Casa terá a palavra final sobre o conteúdo, caso o Senado promova alterações durante a apreciação.
Por onde a proposta de regra fiscal pode passar na Câmara?
- Um projeto de lei complementar normalmente é encaminhado para análise das comissões especializadas em temas contemplados pela proposta —chamadas comissões de mérito. Há ainda as comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça, que podem analisar o mérito e/ou a admissibilidade dos projetos de lei complementar, isto é, se eles estão de acordo com regras orçamentárias e preceitos constitucionais. Todos devem passar também pelo plenário.
O projeto pode ir para uma comissão especial?
- Projetos que tratam de assuntos relativos a mais de três comissões de mérito são enviados para uma comissão especial, que substitui todas as outras.
Pode tramitar em regime de urgência?
- O plenário pode aprovar um requerimento para que o projeto de lei complementar passe a tramitar em regime de urgência. Geralmente, isso depende de acordo de líderes. O presidente da República também pode solicitar urgência para votação de projeto de sua iniciativa. Nesse caso, a proposta tem que ser votada em 45 dias, ou passará a bloquear a pauta da Câmara dos Deputados ou do Senado (a depender de onde estiver no momento).
Como funciona o regime de urgência?
- Projeto em regime de urgência pode ser votado rapidamente no plenário, sem necessidade de passar pelas comissões. Os relatores da proposta nas comissões dão seu parecer durante a sessão no plenário. O texto é lido na tribuna, e há possibilidade de votação imediata.
O que é preciso para a proposta ser aprovada no Congresso?
- Projetos de lei complementar exigem maioria absoluta de votos favoráveis, isto é, mais da metade dos integrantes de cada Casa. Isso significa reunir ao menos 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado.
Qual é o percurso final da tramitação?
- Um projeto de lei complementar enviado pelo Executivo é apreciado primeiro pela Câmara dos Deputados. Em seguida, o texto segue para o Senado. Caso não haja mudanças, o texto vai à sanção presidencial.
- No entanto, se os senadores fizerem modificações no texto, o projeto retorna para a Câmara, que terá palavra final —os deputados podem acatar as mudanças dos senadores ou restituir o texto originalmente aprovado na Câmara. Após nova votação, o texto é remetido à sanção do presidente da República.
- O chefe do Executivo tem 15 dias úteis para sancionar o projeto integral ou com vetos parciais em alguns dispositivos, ou ainda vetá-lo totalmente. Todos os vetos passam pela validação do Congresso, que pode derrubá-los mediante maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).