No topo do ranking dos partidos com mais prefeituras no estado de São Paulo, as principais legendas que sustentam o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) trazem cicatrizes das disputas entre si nas eleições municipais, vencidas em sua maior parte pelo PSD.
Como mostrou a Folha, o PSD de Gilberto Kassab, secretário de Governo de Tarcísio, foi o grande vencedor no pleito de 2024, acumulando a liderança nacional e estadual em número de prefeitos. Não foi diferente na maioria das cidades em que PSD, Republicanos, PL, PP e União Brasil se enfrentaram diretamente.
Levantamento da Folha mostra que os cinco partidos estiveram juntos na mesma coligação em apenas 21 cidades, tendo obtido a vitória em 17 delas.
Nas cidades em que um desses partidos terminou em primeiro e outro em segundo, ou seja, nos 266 municípios em que houve competição real entre as siglas da base, o PSD venceu em 40%, o Republicanos em 21%, o PL em 20%, o PP em 10%, e o União Brasil em 9%.
À frente da Secretaria de Governo, Kassab é responsável pela relação do Palácio dos Bandeirantes com prefeitos e deputados, além de controlar a verba de emendas e convênios. Líderes de outros partidos da base afirmam que o crescimento do PSD é artificial e insustentável, algo que o secretário rebate.
Ao mesmo tempo em que esses partidos consolidaram o domínio sobre o estado, outrora controlado por siglas como PSDB, DEM e PTB, a nova configuração expôs certo desgaste com Tarcísio por causa de disputas dentro da base, em que o governador foi obrigado a escolher um lado ou se ausentar do pleito.
A eleição de Barretos (425 km da capital) foi uma das razões apontadas para que o secretário da Casa Civil, Arthur Lima, braço direito de Tarcísio, tenha se desfiliado do PP em agosto. O governador gravou um vídeo de apoio ao candidato do Republicanos, Odair Silva, que acabou derrotando o nome do PP, Raphael Oliveira.
Em entrevista à coluna Painel, da Folha, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), afirmou estar “extremamente decepcionado com Tarcísio no interior do estado”. “Em vez de unidade contra a esquerda, ele atuou para dividir a direita em vários lugares”, disse.
O PP reclama ainda que o governador esteve ausente da campanha em São Carlos (235 km da capital), onde o adversário era o PT de Lula.
Ao deixar o PP, Arthur Lima afirmou a interlocutores que sua função como chefe da Casa Civil exigia apartidarismo. É justamente essa a reclamação de líderes de siglas da base em relação a Kassab, a quem eles acusam de usar o posto de secretário de Governo para barganhar e atrair prefeitos.
O presidente do PSD afirma que atende a todos de maneira republicana e que não faz política partidária no Palácio dos Bandeirantes.
O PSD chegou a ter, em outubro do ano passado, 329 prefeitos (51% do estado), sendo que em 2020 elegeu 66 mandatários. A migração em massa para o partido de Kassab, após a vitória de Tarcísio em 2022, tem a ver com a busca dos prefeitos por verba para suas cidades e estrutura para garantir a reeleição.
A eleição de 2024 redimensionou as legendas por meio do voto, e o PSD seguiu líder, mas com 205 prefeitos eleitos (32%), sem considerar locais onde a disputa ainda está sub judice.
A insatisfação com Kassab, capitaneada pela ala bolsonarista do entorno de Tarcísio, já foi tornada pública por outros caciques da base do governador, como os presidentes do PL, Valdemar Costa Neto, e do Republicanos, Marcos Pereira.
Valdemar afirmou que estar dos dois lados, na esquerda e na direita, iria custar caro a Kassab, em referência ao fato de que o PSD também integra a base do governo Lula em Brasília.
O presidente do PL argumenta que Kassab não retribuiu o PL por ter cedido a vice de Tarcísio em 2022 e diz que o secretário investe até sobre prefeitos de cidades com 4.000 eleitores na tentativa de exibir força política com vistas ao Governo de São Paulo.
“Kassab quer mostrar poder. Ele sonha ser vice do Tarcísio [em 2026] para ser governador. Acho difícil Kassab atingir esse projeto. Nós somos contra”, disse à Folha em setembro.
Em 64 cidades em que, entre PSD e PL, um partido terminou em primeiro e o outro em segundo, Kassab ganhou em 40, enquanto Valdemar levou 24. Em São José dos Campos (92 km da capital), Anderson (PSD) bateu Eduardo Cury (PL) no segundo turno.
Já Marcos Pereira afirmou que foi Kassab quem inviabilizou sua candidatura à presidência da Câmara dos Deputados e que desistiu de concorrer por causa dele.
De 44 cidades em que Republicanos e PSD disputaram diretamente o primeiro lugar, o partido de Kassab venceu em 26, e o de Marcos Pereira em 18.
O comportamento de Tarcísio em relação a candidatos do Republicanos variou a depender do adversário. Em Guarulhos, por exemplo, onde houve briga interna na base, ele apoiou Jorge Wilson (Republicanos) contra Lucas Sanches (PL), que acabou vencendo Elói Pietá (Solidariedade) no segundo turno.
Em Santos, porém, Tarcísio manteve-se neutro entre Rosana Valle (PL) e Rogério Santos (Republicanos), que foi reeleito.
Para integrantes do Republicanos, Tarcísio se empenhou na eleição para favorecer sua base como um todo, mas eles destacam a participação do governador em campanhas do partido em Piracicaba, Presidente Prudente, Embu das Artes, Barueri, Campos do Jordão e Barretos.
“O bom resultado do Republicanos no estado teve três pilares: o planejamento do partido, assim como a atuação de Tarcísio e do presidente Marcos Pereira”, diz Roberto Carneiro, presidente estadual.
Já entre integrantes do PP, há reclamações a respeito da atuação de Tarcísio e de Kassab. “Mas estou confiante de que, no próximo ano, o governo vai fazer investimentos de impacto, vai fazer gestos para os prefeitos da base aliada, prestigiando os partidos nas entregas”, afirma Mauricio Neves, presidente estadual do PP.
Eles afirmam que o presidente do PSD se dedicou a um projeto pessoal, o que gerou mal-estar e desestabilizou a aliança de Tarcísio. Kassab, por sua vez, diz que abriu mão de candidatos próprios para fazer alianças com o Republicanos e o PL, por exemplo, em cidades importantes como Guarulhos, Taubaté, Presidente Prudente e Suzano.