O judiciário brasileiro voltou ao centro das críticas internacionais nesta quarta-feira (15). Desta vez, uma matéria do jornal suíço Neue Zürcher Zeitung (NZZ), um dos mais tradicionais do país, falou sobre o “luxo e o nepotismo” que beneficia a elite do sistema de justiça brasileiro.
O texto abre com uma crítica ao ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF). A publicação destaca o evento promovido pelo magistrado em Portugal, o Fórum Jurídico de Lisboa – apelidado nas redes sociais de “Gilmarpalooza”. O foco da crítica recai sobre o alto custo e a questionável ética de eventos como esse, frequentemente patrocinados, segundo o NZZ, por grupos com interesses diretos nas decisões judiciais.
“Imagine o seguinte cenário na Suíça: um juiz do Tribunal Federal te convida, uma vez por ano, para um grande encontro de juristas em um luxuoso resort no Caribe. Entre os convidados estão não apenas metade do tribunal e várias dezenas de advogados influentes, mas também políticos, membros do governo e altos funcionários públicos. O evento, que dura vários dias, é patrocinado por empresas que são clientes dos advogados ou cujos casos estão em julgamento no tribunal. É exatamente isso que acontece todos os anos no Brasil, quando Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), convida pessoas para um evento em Portugal. Mendes é o decano do tribunal, ou seja, o juiz mais antigo em atividade. […] No 12º Fórum Jurídico, realizado em junho, participaram 300 palestrantes, com a presença esperada de 2000 participantes. O evento é coorganizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, que pertence a Mendes e sua família”, diz o texto.
A publicação segue realizando críticas aos custos dessas reuniões, que, cita o texto, incluem jantares exclusivos e coquetéis, mas ainda são desconhecidos – contudo, diversas despesas podem estar sendo arcadas pelo Estado brasileiro.
“Não é possível determinar quanto os patrocinadores gastam com os aperitivos e jantares exclusivos. No entanto, deputados, senadores e altos funcionários recebem do Estado o reembolso das despesas de viagem e diárias. Alguns dos altos juristas, além disso, viajam acompanhados de seguranças pessoais – às custas do Estado, é claro.”
O jornal cita que o STF enviou uma nota: “o Supremo Tribunal Federal se defendeu com um breve comunicado, alegando que o evento não gera custos para o tribunal. Em outras palavras: os procuradores e juízes são oficialmente convidados por aqueles que estão sendo processados ou julgados por eles”.
“Os juízes do Supremo não demonstram preocupações quanto à possível obtenção de vantagens indevidas. O ministro Luís Roberto Barroso [presidente do STF] defendeu o evento, afirmando que o tribunal dialoga com todos os setores da sociedade. Em Lisboa, disse ele, era a vez dos empresários”, cita a publicação.
Crítica contra os privilégios
Outro ponto citado pela reportagem do jornal suíço NZZ trata dos privilégios concedidos à elite do funcionalismo público no Brasil, especialmente juízes e procuradores. A publicação lembra que a classe jurídica do Brasil se tornou uma “elite intocável”, com direitos que ultrapassam os limites da razoabilidade.
“Os juristas que atuam no serviço público no Brasil têm 60 dias de férias por ano, o dobro do que é concedido aos trabalhadores comuns. Os magistrados, como são chamados os juristas do serviço público, justificam essa vantagem alegando a carga de trabalho excepcional. No entanto, o estresse não impede a maioria dos 30 mil juízes e promotores de “vender” grande parte de suas férias. Em vez de usufruírem do descanso, eles continuam trabalhando, recebendo o pagamento pelas férias, o salário normal e, além disso, um terço do salário como adicional de férias. E tudo isso de forma isenta de impostos”, diz o texto.
A reportagem também compara os custos da Justiça brasileira com os de outros países. No Brasil, citando dados do IBGE, o NZZ lembra que o Judiciário consome 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB), mais de cinco vezes o percentual registrado na Suíça, que é de apenas 0,28%, conforme dados da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça.
Nepotismo
Outro aspecto criticado pela matéria do NZZ é a prática de nepotismo velado no Judiciário do Brasil. Segundo o jornal, a elite jurídica brasileira, “que estudou nas mesmas universidades e pertence aos mesmos grupos sociais”, garante que seus parentes, muitos deles advogados, se “beneficiem das decisões judiciais”. O texto destaca a dificuldade de comprovar atualmente casos de corrupção direta no Judiciário do Brasil, mas afirma ser “evidente” que familiares de juízes atualmente ocupam cargos estratégicos em escritórios de advocacia que estão envolvidos na defesa de casos relevantes perante o Judiciário.
“O juiz Ricardo Lewandowski, por exemplo, considerou completamente normal ser contratado como consultor jurídico pela holding J&F poucos dias após sua aposentadoria. A empresa esteve envolvida durante anos em diversos casos de corrupção julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Um ano depois, Lewandowski voltou ao serviço público: desde fevereiro, ocupa o cargo de ministro da Justiça no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-líder sindical também nomeou seu advogado pessoal, Cristiano Zanin Martins, como ministro do Supremo Tribunal Federal”, diz a publicação.