Centenas de milhares de palestinos, que foram deslocados várias vezes por ataques aéreos israelenses na Faixa de Gaza, agora enfrentam outra ameaça: a chegada do inverno rigoroso.
No domingo (24), a primeira tempestade forte a atingir Gaza neste inverno foi sentida em todas as partes do território.
Em um campo de desalojados improvisado perto do mar em Deir al-Balah, no centro de Gaza, milhares de famílias lutaram contra marés altas, ventos fortes e chuvas que danificaram suas tendas de plástico.
Jornalistas da CNN viram crianças andando descalças enquanto os pais cavavam a areia, tentando construir uma barreira protetora do mar.
Antes que pudessem fazer muito progresso, a maré levou tudo embora.
“Viemos aqui porque o mar era nossa única proteção. E agora o mar está nos atacando”, exclamou um homem.
O chefe da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), Philippe Lazzarini, alertou na terça-feira (26), em um post no X, que, com a chegada do inverno, as pessoas em Gaza “precisam de tudo, mas muito pouco entra”.
Another #winter in #Gaza.
How to describe misery on top of a human tragedy?Over the past 14 month, people have been constantly displaced to escape death.
They lost everything.
They need everything, but very little comes into Gaza.Temperatures are dropping & rain is… pic.twitter.com/4OynV1R3Wg
— Philippe Lazzarini (@UNLazzarini) November 26, 2024
“O inverno significa que as pessoas não morrerão apenas em decorrência dos ataques aéreos, doenças ou fome. O inverno em Gaza significa que mais pessoas morrerão tremendo devido ao frio, especialmente entre os mais vulneráveis, incluindo idosos e crianças”, escreveu o chefe da UNRWA.
Em outubro, a quantidade de ajuda entrando em Gaza atingiu o menor nível desde que a guerra de Israel começou, conforme os dados compilados pela ONU.
A COGAT, a agência israelense que aprova remessas de ajuda para o território palestino, informou estar colaborando com a comunidade internacional “facilitando a entrada de suprimentos de inverno e equipamentos de abrigo, incluindo aquecedores, roupas quentes, tendas e cobertores”.
Mas a UNRWA alega que a ajuda não é suficiente e diz que Israel bloqueou quase todos os esforços das Nações Unidas para entregar ajuda ao norte de Gaza nas últimas semanas.
Baixas temperaturas
A temperatura média em Gaza fica entre 10°C e 20°C em dezembro, caindo mais ainda em janeiro.
A estação chuvosa dura normalmente de novembro a fevereiro, com o primeiro mês do ano sendo o mais chuvoso.
A água que inundou algumas tendas em Deir al-Balah encharcou tudo lá dentro, deixando cobertores e carpetes emaranhados e empoeirados.
Grandes lonas plásticas que serviam de piso afundaram na areia molhada, não deixando nada entre os que se abrigavam lá dentro e o chão descoberto.
“O que vai nos manter aquecidos esta noite?”, perguntou Mohammad Younis, um dos deslocados, enquanto pegava roupas molhadas.
“Somos como mendigos diante do mundo, e ninguém se importa conosco. Não sei onde vou dormir, será no mar”, gritou.
A lona que servia de teto na tenda de Younis rasgou, permitindo a entrada de água.
Em outra tenda improvisada inundada pelo mar revolto, uma família deslocada de 10 pessoas estava sentada tremendo enquanto a mãe, Um Fadi, cozinhava no fogo.
Quando eles foram deslocados de Rafah meses atrás, ela contou que foram forçados a se abrigar na praia porque não havia outro lugar para ir.
“Estamos presos de todas as direções. Do mar, dos israelenses, de não ter um lar, da fome”, exclamou.
Famílias ‘com frio e em risco’
Após um ano de guerra desencadeada com os ataques do Hamas em 7 de outubro a Israel, pelo menos 1,9 milhão de pessoas — ou cerca de 90% da população da Faixa de Gaza — estão deslocadas internamente, segundo a ONU.
Muitas foram desalojadas repetidamente, cerca de 10 vezes ou mais, acrescentou.
O Conselho Norueguês para Refugiados disse em um relatório recente que a ofensiva contínua de Israel deu aos palestinos menos opções de abrigo neste ano em comparação ao ano passado.
“Neste inverno, como menos prédios permanecem de pé, muitos palestinos são forçados a viver em tendas e abrigos improvisados que fornecem menos proteção contra o vento frio e a chuva”, disse o relatório.
Em setembro de 2024, mais de 200 mil unidades habitacionais em Gaza foram destruídas e severamente danificadas, conforme o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários, que acrescentou que quase um milhão de pessoas precisam de “apoio para o inverno”.
Dezenas de milhares de palestinos deslocados buscaram abrigo em Al-Mawasi, no sul de Gaza, designada como “zona humanitária” pelas Forças de Defesa de Israel (IDF).
Muitos estão vivendo em tendas em uma área com infraestrutura limitada ou acesso a ajuda humanitária.
Nos últimos meses, o acampamento costeiro foi atingido repetidamente por ataques israelenses, ataques que a IDF ser contra o Hamas.
As tendas estão dilapidadas após fortes chuvas e ventos brutais.
Enquanto a tempestade de domingo (24) passava, os pertences das pessoas estavam espalhados pela praia, alguns foram engolidos pelo mar.
Mohammed Alkhatib, vice-diretor de programas da Medical Aid for Palestinians (MAP) em Gaza, falou que o sofrimento dos palestinos deslocados em Gaza tinha “muitas faces” em uma declaração compartilhada com a CNN pela MAP.
A maioria das tendas e abrigos improvisados dos quais eles dependem foram usados por meses e precisam ser substituídos para suportar as duras condições do inverno, declarou.
“É inimaginável saber que eles mal conseguem sobreviver ao clima regular com o que têm. A falta de roupas adequadas, cobertores e métodos seguros de aquecimento significa que as famílias permanecerão com frio e em risco por muitos meses”, acrescentou.
É um medo que assombra Um Fadi em Deir al-Balah todos os dias.
“Esta noite, estamos ameaçados por um grande perigo. A qualquer momento, o mar pode nos engolir. Não sabemos o que faremos”, ela exclamou.
Tendas encharcadas pela chuva
No norte de Gaza, o exército israelense está realizando uma operação generalizada que entrou em seu segundo mês.
O bombardeio deslocou até 130 mil palestinos desde o dia 6 de outubro, segundo o Fundo de População das Nações Unidas, e a necessidade de ajuda é urgente.
Muitos buscaram abrigo no estádio esportivo Yarmouk na cidade de Gaza, onde tendas feitas de tecido branco ficaram marrons no domingo (24) após uma noite de chuva forte.
Assim como no abrigo à beira-mar, crianças pequenas ficavam descalças no asfalto molhado ou pulavam em poças, vestindo apenas o suficiente para mantê-las aquecidas, enquanto os pais tentavam consertar as tendas danificadas.
O clima está representando um dos maiores riscos para os palestinos em Gaza agora e é “outro componente para matar pessoas”, disse Louise Wateridge, uma oficial sênior de emergência da UNRWA, à CNN nesta sexta-feira (29) da Cidade de Gaza.
“O vento e a chuva estão aumentando e as pessoas estão vivendo nessas estruturas muito perigosas, esse mau tempo pode derrubá-los em cima das pessoas”, avaliou.
Sami Salehi disse que fugiu do “sofrimento, ataques aéreos e morte” no norte, buscando abrigo na Cidade de Gaza.
Mas a água havia engolido sua barraca e ele disse à CNN que não tinha combustível ou madeira para fazer fogo.
Pegando o cobertor molhado e o colchão encharcado, Salehi perguntou como ele e seus 14 filhos dormiriam naquela noite.
“Esta barraca é feita de pano, então quando a água entra, ela vai para todo lugar. E estamos em uma área baixa, então, mesmo que o teto nos proteja, a água virá de baixo”, falou.
Após sofrer um ferimento em um ataque aéreo israelense, Salehi contou que pensou que morreria, mas ficou surpreso ao ver que Deus havia salvado sua vida.
“Gostaria de ter morrido em vez disso. A morte é mais honrosa do que esta vida”.