País tende a se beneficiar com maior demanda de alimentos da China e com acordo UE-Mercosul, mas falta de afinidade do novo presidente dos EUA com Lula terá peso
O 2º governo de Donald Trump nos EUA beneficiará o Brasil, diz o economista e sociólogo Marcos Troyjo, 58 anos. Ele foi secretário de Comércio Exterior do governo de Jair Bolsonaro (PL) de 2019 a 2020 e presidente do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento em português, o Banco dos Brics) de 2020 a 2023.
Marcos Troyjo cita 3 frentes em que o Brasil pode se beneficiar durante o governo de Donald Trump:
- exportações para a China – o governo dos EUA deverá limitar as importações de manufaturados chineses, que devem retaliar com menos compras de alimentos. O Brasil é o único país que pode substituir a venda desses produtos dos EUA para a China;
- exportações para a Argentina – o país vizinho é o 3º parceiro comercial do Brasil. Tem dificuldade de pagar a dívida pública. O FMI (Fundo Monetário Internacional), que tem os EUA como principal cotista, é um dos maiores credores do país. Trump pode ajudar na solução por causa da afinidade com o presidente da Argentina, Javier Milei. A melhora da economia da Argentina favorecerá o Brasil;
- acordo UE-Mercosul – o risco de dificuldades com o governo Trump incentivou europeus a concluir as negociações do acordo. As chances de ser aprovado são grandes pelo mesmo motivo. Troyjo tem críticas ao texto que foi concluído em dezembro de 2024. Considera pior do que o ele havia negociado e que ficou pronto em junho de 2019. Mesmo assim, ele considera que haverá grandes ganhos se o acordo for aprovado.
Assista à entrevista (44min):
O ganho econômico que o Brasil terá contrasta com a dificuldade que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá nas relações com Trump e com o provável novo secretário de Estado, o senador republicano Marco Rubio. “Não há pontes”, afirma Troyjo.
Troyjo finaliza um livro sobre a nova globalização, a ser lançado no 1º semestre de 2025.
Abaixo, trechos da entrevista:
- Trump 2 – “A economia internacional vai passar por uma ‘trumpulência’, que pode levar à disrupção, com um movimento vigoroso de desregulação, desregulamentação, desburocratização e corte de impostos”;
- desindustrialização na China – “A remuneração da mão de obra é um fator importante. Empresas estão indo para Bangladesh, Vietnã, México. [As empresas] olham para o Brasil e ficam contentes com a pujança do agro, a economia verde, a matriz energética. Mas a carga tributária como percentual do PIB não é encorajadora. A Índia tem 18%. O México, que tem um patrimônio impressionante de acordos comerciais, tem 20%”;
- impostos nos EUA – “Estão com carga tributária de 27% do PIB. Se passar o processo de corte de impostos, vão ficar menos parecidos com os seus primos mais ricos. A média no mundo emergente é 23%. E o Brasil tem 34%, mesmo depois da tão propalada reforma tributária. Nós somos um atleta que tem muita coisa boa, mas estamos pesados. Talvez essa falta de agilidade fique mais evidente [quando] a maior economia do mundo cortar impostos”;
- Banco dos Brics – “De 2015 a 2019, o banco teve US$ 600 milhões aprovados para o Brasil. [De julho de 2020 a março de 2023 quando foi presidente], o banco aprovou US$ 5,4 bilhões para o Brasil. É um dinheiro muito bom, barato. [Mas o que os bancos multilaterais] ajudam a financiar por ano representa apenas 5% ou 6% das necessidades infraestruturais do mundo emergente. Hoje há fontes de financiamento que não existiam há 30, 40 anos: os grandes fundos soberanos, as carteiras de infraestrutura dos bancos de investimento”;
- investimentos no Brasil – “Por conta de barbeiragens econômicas nesses últimos 23, 24 meses, [há] uma diminuição do interesse no Brasil no caso do dólar, da alocação de portfólio. Mas, para investimento direto, que é uma alocação de recursos que para além dos ciclos político-eleitorais, o Brasil continua muito forte. No limite, a macroeconomia vai prejudicar. É impressionante como tem caído o investimento estrangeiro direto na China nesses últimos 36 meses. E a Rússia não representa mais o polo magnético vibrante de duas décadas atrás. A posição relativa do Brasil fica mais atraente”;
- nova globalização – “Estou terminando de escrever um livro que vai sair no 1º semestre chamado ‘Geoeconomia, o choque de globalizações’. Há algumas décadas, o grande cientista político Samuel Hutington [1927-2008] falava do choque de civilizações. Eu queria fazer um jogo com os 2 conceitos. Nós tivemos uma globalização que foi irradiada a partir de grandes centros financeiros e tecnológicos nos EUA e na Europa. Isso continua, de certa forma, mas há novos centros. Há um renascimento interessantíssimo no Oriente Médio. Centros como Cingapura e Xangai passaram a ser muito importantes também.”
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