Medida é temporária; 163 trabalhadores chineses estavam em condições análogas à escravidão na fábrica em Camaçari
O governo brasileiro suspendeu de forma temporária a emissão de novos vistos para funcionários chineses que viriam ao Brasil trabalhar na construção da fábrica da montadora chinesa BYD em Camaçari (BA).
A suspensão veio depois de o MPT (Ministério Público do Trabalho) ter resgatado 163 chineses em condições análogas à escravidão, conforme divulgado na 2ª feira (23.dez.2024).
Os vistos afetados são de trabalho, do tipo Vitem V. São concedidos pelo Itamaraty em consulta ao Ministério da Justiça. Depois da ação do MPT, o Itamaraty passou uma instrução para que os postos brasileiros na China interrompam a emissão de vistos envolvendo trabalhadores da fabricante chinesa de veículos elétricos.
A medida é preventiva e valerá até que a BYD explique o caso à Justiça.
ENTENDA O CASO
Uma força-tarefa do Ministério Público do Trabalho, da Polícia Federal e de outras organizações resgatou 163 trabalhadores em “condições análogas à de escravos” e interditou parcialmente as obras para construção de uma fábrica da montadora BYD em Camaçari, na Bahia.
Segundo comunicado divulgado na 2ª feira (23.dez.2024), operários estavam em condições precárias, dormindo em camas sem colchões e com um banheiro para cada 31 pessoas. Eis a íntegra da nota (PDF – 2 MB).
“As condições encontradas nos alojamentos revelaram um quadro alarmante de precariedade e degradância. No 1º alojamento da Rua Colorado, os trabalhadores dormiam em camas sem colchões, não possuíam armários para seus pertences pessoais, que ficavam misturados com materiais de alimentação. A situação sanitária era especialmente crítica, com apenas um banheiro para cada 31 trabalhadores, forçando-os a acordar às 4h para formar fila e conseguir se preparar para sair ao trabalho às 5h30”, diz o Ministério Público do Trabalho.
Assista (1min53s):
A BYD disse ter recebido notificação do Ministério Público do Trabalho de que a construtora terceirizada Jinjiang “havia cometido graves irregularidades” e, então, rescindiu o contrato com a Jinjiang Group –uma das empreiteiras contratadas para realizar a obra. Eis a íntegra da nota da BYD (PDF – 60 kB).
“A BYD reafirma que não tolera desrespeito à lei brasileira e à dignidade humana. Diante disso, a companhia decidiu encerrar imediatamente o contrato com a empreiteira para a realização de parte da obra na fábrica de Camaçari e estuda outras medidas cabíveis”, escreveu a montadora.
A Jinjiang negou as condições análogas à escravidão e afirmou que houve mal-entendidos de tradução e diferenças culturais na interpretação da situação. Em comunicado na rede social chinesa Weibo, a empresa disse que seus funcionários se sentiram insultados pela caracterização de “escravizados”.
Li Yunfei, gerente de relações públicas da BYD, acusou forças estrangeiras e veículos de comunicação chineses de tentarem prejudicar as relações entre Brasil e China.
A Jinjiang divulgou um vídeo com trabalhadores lendo uma carta conjunta. Afirmam que entregaram voluntariamente seus passaportes para obtenção de identificação temporária no Brasil.
OPERÁRIOS RESGATADOS RETORNARÃO À CHINA EM JANEIRO
Ao menos 7 dos 163 trabalhadores resgatados na fábrica devem retornar à China em 1º de janeiro. As passagens aéreas serão custeadas pela montadora, que também deve arcar com o auxílio de custo de US$ 120 (cerca de R$ 740, na cotação atual) aos operários.
Além disso, os resgatados ficarão hospedados em hotéis em Camaçari até a finalização das negociações para a rescisão dos contratos de trabalho. As medidas foram definidas durante audiência virtual conjunta entre a BYD, a Jinjiang Group –uma das empreiteiras contratadas para realizar a obra–, o MPT (Ministério Público do Trabalho), o Ministério do Trabalho e Emprego, a DPU (Defensoria Pública da União), o MPF (Ministério Público Federal) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Em nota, o MPT afirma que as empresas também se comprometeram a apresentar os documentos relativos aos trabalhadores resgatados e as informações detalhadas de onde estão alojados. A empreiteira deve, ainda, conduzir os operários à Polícia Federal para obtenção do RNM (Registro Nacional Migratório) e, posteriormente, à Receita Federal para emissão de CPFs. A Defensoria Pública da União acompanha o trâmite.
Segundo o MPT, a retirada dos documentos é necessária para fazer os pagamentos no Brasil dos valores relativos à rescisão dos contratos e às indenizações dos empregados. Uma nova audiência foi agendada para 7 de janeiro para ser apresentada uma proposta de termo de ajuste de conduta para avaliação das empresas investigadas.