O governo do estado do Tocantins vive uma crise política não declarada devido a investigações da Polícia Civil do estado e que chegaram ao alto escalão governamental. O governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) dissolveu todo o gabinete no fim de dezembro, reconduziu parte dos secretários ao cargo, mas ainda pode trocar o comando da Secretaria de Segurança.
As investigações da Polícia Civil apontaram para ao menos dois problemas principais: possível corrupção envolvendo os nomes de Barbosa e de seu antecessor Mauro Carlesse (Partido Agir) na compra irregular de cestas básicas durante a pandemia de Covid-19 e abusos de autoridade e assassinatos extrajudiciais envolvendo policiais militares do estado. A Polícia Civil cumpriu mandados, dentro de um Quartel da PM, sob suspeita de policiais praticarem homicídios e forjado um confronto onde um homem acabou morto. Isso gerou uma crise entre as polícias.
As investigações sobre as cestas básicas passaram para a Polícia Federal e resultaram no afastamento do ex-governador Carlesse por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). O atual mandatário, Wanderlei Barbosa, continua respondendo ao processo. Já as investigações sobre os crimes cometidos por policiais militares repercutiram negativamente na imagem do atual governo.
O ex-governador Carlesse vem negando ter praticado crimes e disse que vai provar sua inocência. O atual governador Barbosa argumenta que não teve envolvimento no caso, pois não dava ordens sobre as despesas do estado no período.
O governo do Tocantins disse à Gazeta do Povo que as exonerações dos ocupantes do primeiro escalão realizadas no fim de dezembro de 2024 visavam readequar a gestão pública e melhorar os serviços.
Um novo secretário de segurança não foi apontado, mas fontes ligadas à pasta dizem temer que o governador tente desorganizar a estrutura da Polícia Civil com o suposto objetivo de dificultar a continuidade de investigações que podem gerar impactos negativos para o governo.
Estado vive um dos piores escândalos de corrupção da história, diz senador
O senador Irajá (PSD-TO) lamentou que desde 2009 os governadores do seu estado não consigam terminar seus mandatos. “E ao que parece vai ocorrer o mesmo diante de tantos atos de corrupção. O governo do Tocantins é o mais investigado do Brasil”, critica.
O senador diz que o estado vive “um dos maiores escândalos de sua história recente”, com um gestor que dá continuidade a um esquema que tem sido iniciado em administrações anteriores. O congressista relata que a corrupção deve ser combatida com rigor chamando de um “mal que parece se perpetuar de gestão em gestão”.
“Uma novela sempre com o mesmo enredo, em que só mudam, infelizmente, os personagens. O povo do Tocantins exige respostas e a punição exemplar desse governador que está à frente do governo do estado por tantos crimes praticados contra os nossos tocantinenses”, completa. O governador foi procurado pela Gazeta do Povo mas não respondeu a essas acusações.
Crise política começou com investigações da Polícia Civil
A apuração do escândalo das cestas básicas foi iniciada pela Polícia Civil, ligada à Secretaria de Segurança Pública do estado em 2020, foi parar na Polícia Federal e acabou mirando o antigo governador Mauro Carlesse (que renunciou ao cargo em março de 2022 para fugir de um processo de impeachment). O atual governador Wanderlei Barbosa era vice de Carlesse e assumiu o posto com a renúncia do chefe do Executivo.
Ele e seus familiares foram alvos de busca e apreensão em agosto do ano passado sob suspeita de fraudes milionárias em processos de aquisição de cestas básicas durante a pandemia de covid-19.
Em paralelo, outra crise se instalou entre as polícias Civil e Militar do estado em outubro de 2024, quando a Polícia Civil passou a investigar abusos da Polícia Militar.
O mais recente capítulo da crise foi iniciado em 27 de dezembro de 2024 quando, em uma única decisão e sem citar um único nome, o governador do Tocantins publicou no Diário Oficial a exoneração de todos os secretários de estado e outros titulares que comandavam órgãos e instituições da administração direta e indireta, incluindo o secretário de Segurança Pública, o delegado Wlademir Mota, o comandante-Geral da PM, Márcio Antônio Barbosa de Mendonça e Peterson Queiroz de Ornelas, comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar.
Os dois últimos, policiais militares, já foram reconduzidos aos cargos. A PM tem status de secretaria no governo do Tocantins. Já o secretário de Segurança Pública não foi reconduzido e nem deve reassumir. A pasta é dirigida de forma interina por um delegado. Nos bastidores se fala no fato do então secretário não mediar esses “conflitos” internos e desagradar o Palácio Araguaia.
Por outro lado, há um temor na polícia de que delegados especializados em investigações contra o crime organizado e corrupção possam ser movidos para cargos onde não possam mais realizar esse tipo de investigação. Ou seja, para parte dos afetados pelas mudanças, elas seriam uma tentativa do governo de reduzir a independência dos órgãos investigativos do estado.
Alto escalão foi demitido no fim de dezembro, mas recontratado em janeiro
Em uma nota publicada à época dos desligamentos, sem explicar o motivo para dissolver todo o alto escalão, a Secretaria de Estado da Comunicação disse que mesmo após a exoneração, todos os serviços públicos seriam mantidos normalmente e que os secretários executivos e vice-presidentes de autarquias iriam responder pelos órgãos até a recondução ou nomeação dos novos titulares.
O governo do Tocantins disse à Gazeta do Povo que as exonerações dos ocupantes do primeiro escalão realizadas no fim de dezembro de 2024, “após mais de três anos e sete meses de gestão foram medidas administrativas planejadas, visando promover readequações na gestão pública para prestar um melhor serviço à população tocantinense”.
Desde o primeiro dia útil do ano, em 2 de janeiro, o governador tem feito nomeações ou, em sua maioria, reconduções dos mesmos secretários ou diretores o que não justificaria uma suposta reforma administrativa. A Secretaria de Segurança Pública não aparece nas nomeações, até o momento. De 2 a 7 de janeiro foram mais de 30 confirmações de nomes. O gestor definitivo da SSP não está entre eles.
O governo local disse que dos 52 titulares de secretarias, autarquias e órgãos da administração direta e indireta, “33 foram reconduzidos, e outros 19 seguem sendo administrados interinamente pelos secretários executivos e vice-presidentes”. Quanto à Secretaria da Segurança Pública, o governo do Tocantins disse que a “pasta está sendo conduzida pelo secretário executivo e delegado de carreira Reginaldo de Menezes Brito, com os trabalhos seguindo normalmente, sem qualquer prejuízo ou interrupção das ações estratégicas voltadas à segurança da população”.
Interlocutores próximos ao governador afirmam que Wanderlei Barbosa estaria se utilizando dos mesmos mecanismos do seu antecessor, o ex-governador Mauro Carlesse, para um suposto enfraquecimento da segurança pública após sofrer consequências de investigações que iniciaram a partir das próprias corporações subordinadas ao escopo.
Carlesse promoveu uma grande troca de postos de delegados em 2021 alegando estar criando novos cargos comissionados. A mudança foi interpretada por alguns policiais como uma forma de frear as investigações, já que as delegacias especializadas em combate à corrupção e organizações criminosas ganharam novos titulares.
“O governo do Tocantins não interfere em investigações conduzidas pela Polícia Civil ou quaisquer outros órgãos de investigação e controle”, reforçou o governo em nota.
Ex-governador preso e atual chefe do executivo investigado pela PF
Segundo o STJ, Carlesse é investigado por crimes como fraudes em licitações e desvio de recursos públicos como a compra de cestas básicas no período pandêmico. Para o planejamento da fuga, segundo a Corte, o ex-governador já teria um documento de identidade do Uruguai, autorização para residência fixa no país e abertura de conta bancária lá. “O político também teria alugado imóvel na Itália e obtido um passaporte europeu”, informa o Superior Tribunal de Justiça.
O ex-governador sempre negou ter praticado crimes e disse que vai provar sua inocência, mas foi afastado do governo em 2022 também por decisão do STJ. Em março daquele ano, renunciou pouco antes de um processo de impeachment ser votado na Assembleia Legislativa.
Agora a defesa do ex-governador argumentou ao STJ que não há qualquer prova concreta da suposta tentativa de saída do Brasil e diz que o imóvel alugado na Itália foi utilizado apenas como estadia em fevereiro de 2023, e que o pedido de residência no Uruguai teve o objetivo de cumprir exigência da instituição financeira para abertura da conta bancária.
A história de Carlesse e do atual governador se entrelaça, além da parceria política como governador e vice a partir de 2019, porque em março de 2022 Wanderlei Barbosa assumiu com a renúncia de Carlesse. Ele foi reeleito naquele mesmo ano, no transcorrer das investigações iniciadas pela Polícia Civil do estado.
Em agosto de 2024, no entanto, uma operação da Polícia Federal cumpriu 42 mandados de busca e apreensão, um deles contra Barbosa, também suspeito de participar do esquema de desvio de recursos na compra de cestas básicas durante a pandemia. A esposa e os filhos do governador também foram alvos de busca e apreensão a exemplo do ex-governador.
“Em relação à operação da Polícia Federal ocorrida há sete meses, em agosto de 2024, o governo colaborou com as investigações e inexiste qualquer nexo de causalidade entre ela e a reforma administrativa que está sendo implementada atualmente pelo governo”, afirmou o governo do estado à Gazeta do Povo.
As investigações atentam para indícios de um esquema que operou em 2020 e 2021 com o estado de emergência em saúde pública e assistência social, para contratação de grupos de empresas para o fornecimento dos alimentos que deveriam chegar a famílias necessitadas. Empresários também foram alvos da PF. À época da operação, o governador disse que não teve envolvimento no caso, não dava ordens sobre as despesas do estado no período e que colabora com as investigações.
Ele disse que “recebeu com surpresa, porém com tranquilidade, a operação porque na época era vice-governador e não era ordenador de nenhuma despesa relacionada ao programa de cestas básicas” e que a única alusão ao seu nome em toda investigação foi a participação em um grupo de consórcio informal de R$ 5 mil com outras 11 pessoas aonde uma delas era investigada.
O governador disse esperar uma apuração célere e imparcial dos fatos e que está confiante na sua inocência, na Justiça e que segue à disposição para colaborar com as investigações. O governo do estado do Tocantins, enquanto instituição, disse que “é do interesse do governo do estado que tais fatos sejam devidamente esclarecidos”.
Fora do controle: investigação iniciou pela Polícia Civil do estado, mas chegou à PF
O esquema envolvendo as supostas irregularidades na compra de cestas básicas veio à tona em 2022 quando Wanderlei Barbosa assumia como governador com a renúncia do seu antecessor. A Polícia Civil do estado, sob responsabilidade da SSP, chegou a desencadear a Operação Phoenix com o cumprimento de 11 mandados de busca e apreensão.
A operação mirou empresários e servidores públicos suspeitos de integrarem o esquema, mas não havia chegado ao alto escalão. Dois servidores chegaram a ser afastados das funções. Eles eram suspeitos de falsificação de documentos públicos, pagamento irregular em contrato administrativo, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Só que a investigação seguiu à Polícia Federal de onde partiu o cumprimento dos mandados de busca e apreensão também contra o atual governador e seus familiares em agosto de 2024 justificado, segundo o STJ, que autorizou a operação, pelo suposto envolvimento do grupo nos fatos.
Fontes ligadas às investigações afirmam que o caso está longe de ser totalmente esclarecido, causando mais pressão sob a Secretaria de Segurança Pública e a definição de um nome para o comando, tendo em vista que a apuração se iniciou pelas próprias forças de segurança estaduais.
Polícia Civil do Tocantins faz operação contra policiais militares dentro do Quartel da PM
Além da operação da PF que mirou o governador e seus familiares em agosto de 2024, outro episódio envolvendo a segurança pública no estado e que teria criado mais animosidade entre as corporações – colocando o então secretário na linha de frente da crise institucional – ocorreu em outubro do ano passado quando a Polícia Civil cumpriu 14 mandados de busca e apreensão, boa parte contra policiais militares das Rondas Ostensivas Táticas Metropolitana (Rotam).
Eles são suspeitos de homicídios e de simular uma troca de tiros com um suspeito que acabou morto. As investigações teriam revelado que o grupo monitorou a rotina da vítima por dias antes da suposta simulação do confronto. A Justiça do Tocantins afastou os cinco PMs e um guarda metropolitano de Palmas, capital do estado. Eles passaram a usar tornozeleiras eletrônicas, tiveram as armas funcionais recolhidas e suspensão do porte de armas.
A relação entre as polícias se deteriorou porque a Polícia Civil chegou a cumprir parte dos mandados na sede do Quartel do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque), ação não vista com bons olhos pelo comando da PM.
Em uma nota à imprensa divulgada na época da operação, a PM lamentou que o Quartel tivesse sido alvo de busca e apreensão nos armários dos policiais investigados pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoas (DHPP), “por terem, segundo investigações consignadas em inquérito policial, praticado homicídio contra um indivíduo (…) durante um cumprimento de mandado de prisão por crimes de tráfico de drogas, roubo, porte ilegal de armas e associação ao tráfico”, descreveu a PM à época.
A corporação disse que colaborou com os trabalhos do cumprimento de mandados de busca e apreensão a partir de sua Corregedoria e acompanhou o cumprimento da ordem judicial, com um oficial presente em todos os locais que foram alvos da operação. “A Polícia Militar lamenta o pedido do delegado que preside o Inquérito da busca e apreensão nas dependências do Quartel, haja vista que as armas e os depoimentos dos policiais foram colhidos no ato da apresentação da ocorrência na Delegacia de Polícia (Depol)”, seguiu a PM na nota.
A corporação disse ter compromisso com a legalidade e com a lei, a ordem e a ética, destacando que “repudia ilações ou suposições que envolvem o caso veiculadas sem a devida comprovação”, sugerindo que os fatos não foram devidamente esclarecidos.
As operações contra PMs que cometeram crimes prejudicaram a imagem do governo e fontes da Secretaria de Segurança afirmaram à reportagem de forma reservada que esse pode ter sido um dos motivos para a atual troca no comando.
“Enquanto isso, quem sofre é a população do Tocantins, já deveria ter ficado claro aos gestores do estado que o crime não compensa, que serão pegos, mas infelizmente mantêm as mesmas práticas e as mesmas ações dos anteriores”, completa o senador Irajá.