As Forças Armadas contratam 12.681 militares inativos para funções administrativas e de assessoria, com aumento salarial de 30% e gasto anual próximo de R$ 800 milhões.
O número representa 7% do total de militares da reserva ou reformados (169.793) e é puxado por oficiais —a contratação prioriza capitães e coronéis a sargentos e praças.
Os dados fazem parte de levantamento feito pela Folha nos últimos seis meses, com base em informações obtidas pela Lei de Acesso à Informação e cruzadas com o Portal da Transparência.
Militares aposentados podem ser contratados pelas Forças Armadas como prestadores de tarefa por tempo certo, os chamados PTTCs. O modelo foi criado na década de 1990, inspirado nos Estados Unidos, e passou a ser largamente usado nos anos 2000.
Os militares contratados como PTTC recebem um adicional de 30% do salário e executam funções militares, com foco nas áreas de ensino, saúde e assessoramento. Os contratos têm duração de até 24 meses e podem ser prorrogados até o limite de dez anos.
O Exército é o líder na contratação de militares aposentados, com 6.190 inativos com funções. A Marinha (3.598) e a Força Aérea (2.893) completam a lista.
Os aposentados podem exercer funções nas próprias forças, no Ministério da Defesa, no GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e no STM (Superior Tribunal Militar).
A Folha pediu dados sobre onde cada militar contratado como PTTC atua. As Forças Armadas, porém, negaram a entrega dos dados pela Lei de Acesso à Informação. Elas argumentaram que a divulgação causaria “risco a operações estratégicas” e à “segurança da sociedade ou do Estado”.
A CGU (Controladoria Geral da União) concordou com o sigilo desses dados, mas obrigou o Exército, a Marinha e a Força Aérea a enviarem a lista dos militares contratados e suas respectivas patentes.
A contratação não envolve processos seletivos. Os inativos são escolhidos pelas cúpulas militares, em processo de alta discricionariedade e transparência limitada.
Os salários dos aposentados contratados pelo Exército e pela Força Aérea, por exemplo, não são divulgados com o adicional de 30% no Portal da Transparência —fato que reduz estimativas de gasto com pessoal nas Forças Armadas.
Com o adicional, a média salarial dos aposentados como PTTC sobe para R$ 22.694. São 167 oficiais-generais contratados neste modelo, com remunerações que saltam para até R$ 47 mil.
A análise da necessidade das contratações de militares aposentados para as funções também obedece critérios internos, de difícil comprovação.
Ao menos 1.355 militares reformados figuram como prestador de tarefa por tempo certo, mostra o levantamento. A reforma nas Forças Armadas ocorre por idade (75 anos para generais), por incapacidade ou condenação.
Doze oficiais-generais das três Forças Armadas foram unânimes em afirmar à Folha, sob reserva, que a contratação por este modelo é importante para compor o efetivo dos quarteis.
O gasto com a contratação de um PTTC é menor que o salário de um militar da ativa. Essas fontes ainda dizem que o modelo é benéfico porque os aposentados têm mais de 30 anos de serviço e conhecem com profundidade os assuntos militares.
“A prestação de Tarefa por Tempo Certo é uma medida de gestão de pessoal que contribui para a composição da força de trabalho da Marinha, assegurando a presença de militares com vasta experiência profissional e conhecimento técnico-administrativo para o cumprimento de atribuições de interesse da Instituição”, disse a Marinha, em nota.
O Exército afirmou que a contratação supre o “déficit de pessoal”, e a Força Aérea disse que os militares inativos escolhidos possuem “larga experiência profissional e reconhecida competência técnico-administrativa”.
Porta-voz do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o general Otávio Rêgo Barros foi contratado pelo Exército para exercer a função de gerente-pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Força. É responsável por coordenar estudos e organizar seminários.
Ele começou no cargo em abril de 2023, com prazo inicial de dois anos. Procurado, preferiu não se manifestar.
No último ano, a Marinha contratou o almirante da reserva Carlos Alfredo Vicente Leitão para trabalhar na Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos. Suas tarefas, segundo a Força, envolvem a “gestão das relações [da Força] com os veteranos do Corpo de Fuzileiros Navais”.
Ele exerce o cargo enquanto preside, de forma voluntária, a Associação de Veteranos do Corpo de Fuzileiros Navais. Procurado, o almirante não se manifestou.
Leitão também foi um dos signatários de carta golpista de oficiais da reserva, em novembro de 2022, que pedia aos comandantes das Forças Armadas que adotassem “medidas e ações efetivas” diante da falta de “segurança, transparência e rastreabilidade” dos resultados das eleições presidenciais daquele ano.
A carta dos militares aposentados foi a inspiração de coronéis da ativa para escreverem um manifesto de cunho golpista no fim de 2022. O texto pressionava o comandante do Exército da época, general Freire Gomes, a apoiar as propostas golpistas aventadas por Bolsonaro e aliados.
Os autores do documento foram indiciados na quinta-feira (21) pela Polícia Federal no âmbito do inquérito que investigava os planos para um golpe de Estado para se evitar a posse do presidente Lula (PT).
O governo Lula decidiu fazer mudanças em benefícios das Forças Armadas para reduzir os gastos com pessoal. A contratação dos PTTCs não entrou em discussão.
O foco está na definição de uma idade mínima para a aposentadoria, que deve ser fixada em 55 anos, e no fim do pagamento de pensão para familiares de militares expulsos das Forças, os chamados “mortos fictícios”, que custam só para o Exército cerca de R$ 20 milhões por mês.
Militares na reserva têm uma série de benefícios diferentes dos aposentados civis —como a manutenção do salário integral, o tempo de serviço menor e a possibilidade de contratação com adicional de 30%. Por outro lado, a carreira não tem outros direitos, como recebimento de horas extras, adicional noturno e sindicalização.