O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, compareceu
à Câmara dos Deputados na tarde desta terça-feira (28), em audiência na Comissão
de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). A ida do ministro ocorreu após aprovação
de requerimentos de parlamentares da oposição ao governo Lula, como Caroline de
Toni (PL-SC) e Carlos Jordy (PL-RJ), líder da oposição na casa legislativa. Alguns
deputados governistas também votaram positivamente ao requerimento.
Dino foi questionado pelos parlamentares sobre três temas acordados nos requerimentos aprovados: as ações adotadas pelo governo no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) após os ataques ocorridos no dia 8 de janeiro; a polêmica visita que o ministro fez ao Complexo da Maré no último dia 13; e as restrições implementadas pelo governo federal na política de controle de armas.
Ao longo das perguntas, o ministro foi acusado por
parlamentares da oposição de omissão quanto aos ataques aos prédios dos Três
Poderes no dia 8 de janeiro por supostamente não ter agido com o aparato federal
para impedir as depredações. Os deputados alegaram que a Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) entregou relatório a vários órgãos do Executivo, o que teria
permitido ao governo saber antecipadamente dos ataques.
Os deputados também aproveitaram para questionar a política de restrição ao acesso a armamento legal destacando os impactos econômicos da medida – como demissões em massa e fechamento de empresas – e para tecer questionamentos diversos ao contexto em que ocorreu a visita de Flávio Dino e sua comitiva à Maré . Também houve críticas à pouca combatividade ao crime organizado pelo MJSP nos primeiros meses de governo.
Em resposta, Dino alegou não ter recebido informações da
Abin sobre os ataques aos Três Poderes; atribuiu unicamente à Polícia Militar
do DF a responsabilização pelo êxito das depredações; e evitou responder perguntas
sobre possível autorização de lideranças do narcotráfico para sua visita ao Complexo
da Maré. Para o ministro, as críticas a sua ida ao local têm a ver com “preconceito
contra comunidades de periferia”.
Quanto às políticas de desarmamento, Flávio Dino sugeriu que nos anos
anteriores os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) estariam vendendo
armas para o PCC e para o Comando Vermelho – numa rara menção aos nomes das
facções, o que comumente é evitado pelo ministro.
O ministro abusou das ironias e deboches em grande parte das
respostas, o que gerou um dos vários bate-bocas entre os presentes e resultou
em críticas de deputados em seus espaços de fala. Ao todo, 107 parlamentares se
inscreveram para participar da audiência com perguntas ao ministro. Ele,
entretanto, alegou indisponibilidade de agenda e encerrou sua participação sem ouvir
as perguntas de todos os deputados.
Depredações aos prédios dos Três Poderes
Em sua exposição inicial, antes das perguntas, o ministro
disse que não recebeu informações da Abin sobre a eminência dos ataques e afirmou
que a segurança do local dos ataques era incumbência da polícia militar, que possui
gestão estadual. “A polícia militar do Distrito Federal infelizmente não cumpriu
aquilo que estava escrito no planejamento operacional da Secretaria de Segurança
do Distrito Federal”, disse, negando omissão por parte do governo.
Uma das primeiras a abordar a maneira como o governo lidou com
os atos de 8 de janeiro, a deputada Caroline e Toni (PL-SC) mencionou uma reportagem
da Folha de S. Paulo que afirma que a Abin produziu diversos alertas sobre
riscos iminentes de ataques a prédios públicos na véspera dos atos. Dino evitou
dar maiores explicações e disse que “a Folha não afirmou que eu recebi o
relatório da Abin”. Declarou, ainda, que o Gabinete de Segurança Institucional
não se encontra sob autoridade do MJSP.
À frente, outros deputados insistiram na questão. O deputado
Capitão Alberto Neto (PL/AM) leu trecho da reportagem da Folha de S. Paulo
e voltou a questionar o ministro. “O sistema Sisbin [Sistema Brasileiro de
Inteligência] distribuiu o relatório para 48 órgãos em 16 ministérios diversos. Fica
muito difícil acreditar na vossa excelência que o senhor não teve acesso a esse
relatório. É muito complicado ter um ministro da Justiça que não teve acesso ao
relatório de inteligência de algo tão grave”.
Dino rebateu: “Esse mítico relatório extraordinário que eu
não conheço, nem o senhor, nem ninguém, não chegou até mim. Realmente eu não sei
as condições de funcionamento do Sisbin e não é uma área que me diga respeito”,
declarou.
O deputado Kim Kataguiri (União-SP) retomou o tema e reforçou
os questionamentos sobre possível omissão do governo. “Vossa excelência disse
que leu a matéria [da Folha de S. Paulo] e não encontrou o ministério na
matéria. Mas o fato é que ela fala sobre o Sisbin, e um dos integrantes do
Sisbin é o Ministério da Justiça”, disse Kataguiri. “Portanto, diz a matéria,
que o ministério comandado por vossa excelência foi avisado sim”, prosseguiu o
deputado.
O deputado perguntou, ainda, por que o Batalhão da Guarda
Presidencial, do Exército – responsável pela segurança e proteção do prédio –,
foi dispensado pelo governo com as informações do relatório da Abin em mãos. Dino
ignorou o questionamento e usou parte do tempo de resposta para falar sobre
regulamentação das redes sociais.
Parlamentares da oposição também indagaram sobre o fato de
não ter sido declarada intervenção federal na segurança pública do Rio Grande
do Norte diante da onda de ataques orquestrados por facções criminosas iniciados
no último dia 14 da mesma forma como foi feito no Distrito Federal após os protestos
violentos do dia 8 de janeiro. “Não há nesse momento nenhum motivo para nenhuma
medida extrema, e essa é a razão pela qual ainda não aconteceu”, respondeu Dino.
Por fim, a deputada Julia Zanatta (PL-SC) disse que advogados de presos suspeitos de participação nos atos de 8 de janeiro não estão tendo acesso às imagens internas do Palácio do Planalto por conta do sigilo imposto por Lula. A medida, segundo ela, estaria dificultando a identificação de quem de fato depredou os prédios e a individualização das condutas de quem não participou dos atos. Devido ao formato da audiência, muitas das perguntas, assim como essa, não foram respondidas.
Visita ao Complexo da Maré
Ao abordar sua ida ao Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, Flávio
Dino argumentou que as críticas eram “esdrúxulas”. O local, formado por 16
favelas com cerca de 140 mil habitantes, tem seu território dividido entre as
facções Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro (TCP) e é um local especialmente
hostil a autoridades em tese ligadas à segurança pública, como é o caso de
Dino.
O ministro evitou explicar as condições nas quais entrou em
uma área conflagrada sem a realização de uma operação policial e atribuiu as
alegações de suposta permissão do crime organizado para sua entrada a preconceito
contra populações pobres. “Tentativa vil de criminalizar não o ministro da
Justiça, mas de criminalizar aquela população”, disse. Ele afirmou também que a
operação foi previamente comunicada às polícias estaduais e à PF e PRF.
“Na década passada, a polícia pacificadora necessitou de
cerca de 1.200 policiais para ingressar na Maré. Então é lógico que com o
convite houve um arranjo, um acordo, uma autorização de quem comanda aquela
localidade”, alegou o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ). Dino respondeu: “Fui convidado
por algumas entidades, comuniquei ao sistema de segurança pública do Rio de
Janeiro e federal e houve a visita normalmente. Para mim é espantoso que isso
tenha gerado uma polêmica”.
Diante de falas do ministro de que o local seria de fácil
acesso, sem um amplo domínio restritivo por parte das facções, o deputado Alfredo
Gaspar (União-AL) perguntou se Dino garantiria a vida de quem entrar na Maré da
forma como ele entrou “naquela região que o senhor está dizendo que é de tanta
paz”.
Gaspar também indagou o ministro quanto à sua concordância com
pedidos feitos no STF pelo PT junto a uma ONG do Rio de Janeiro que pede a
revogação da portaria que anulou as visitas íntimas a detentos de presídios de
segurança máxima, onde ficam os principais líderes de facções criminosas. Dino
evitou responder sobre seu posicionamento quanto ao pedido e se limitou a dizer
que a ação foi extinta pelo STF.
Por fim, o deputado André Fernandes (PL-CE) citou episódios que, segundo ele, sugeririam ligação entre o PT e o PCC, como conversa telefônica interceptada pela PF em 2019 entre lideranças da facção, que diziam haver um “diálogo cabuloso” entre o partido e o PCC; e o conteúdo de delação de Marcos Valério, divulgada no ano passado, que detalhava um suposto financiamento ilegal de recursos para membros do PT. Em resposta, Dino disse que o deputado “narrou fatos pretéritos, a tempo que eu não era ministro da Justiça”,e rotulou como “canalhice” a suposta ligação do PT com PCC.
Dino foi, por fim, confrontado sobre a criminalização de opiniões por ter processado deputados, com imunidade parlamentar, que questionaram sua ida ao Complexo da Maré. “O senhor não pode violar as prerrogativas do parlamento querendo censurar aquilo que é sagrado, que é a palavra”, disse a deputada Caroline de Toni. Em resposta, Flávio Dino disse que a imunidade parlamentar não pode ser desvirtuada e que as declarações dos parlamentares da oposição seriam “abusivas”.
Políticas de restrição a armamento
Sobre as políticas desarmamentistas do governo Lula, Dino disse
que a medida tem a ver com o entendimento de ministros do STF favorável à
restrição de acesso a armamento e que no passado parte dos CACs estaria “vendendo
armas para o PCC e para o Comando Vermelho”. Afirmou que por isso o governo decidiu
“fechar as portas para o cometimento de crime”.
O ministro afirmou, ainda, que acolheu sugestões de
deputados pró-armas, e que o resultado disso é um decreto a ser lançado ainda nesta quarta-feira.
“Não há extremismo da nossa parte em relação a essa temática. Há um princípio
fundamental: controle responsável de armas, acabou o ‘liberou-geral’. Outra
necessidade: cumprir a decisão do Supremo. Mas estamos abertos, a exemplo dessa
reunião”.
Sobre a nova regulamentação atualmente em debate no Grupo de Trabalho criado para esse fim, o ministro afirmou que o resultado disso será “uma mediação entre os vários valores existentes na sociedade”. “Nós não queremos impor nossa pauta, mas não aceitamos que ninguém imponha a sua sobre nós, porque nós ganhamos a eleição”, declarou.