Uma nova rodada de reuniões entre a Câmara e o Senado terminou nesta quarta-feira (22) sem acordo sobre a tramitação das MPs (medidas provisórias) —prolongando o bloqueio da agenda do Planalto no Congresso quase dois meses depois do início dos trabalhos no Legislativo.
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se reuniram a sós nesta quarta após semanas de crise, mas não chegaram a acordo sobre o rito de análise dos textos, alterado excepcionalmente durante a pandemia.
Sem solução para o impasse, MPs editadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seguem travadas no Congresso –e com o prazo correndo. Arthur Lira diz a aliados que está disposto a deixar os textos perderem a validade se o rito não for definido.
No meio da queda de braço entre as duas Casas legislativas, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que a situação chegou a um “limite” e que o Planalto não descarta alternativas às MPs (medidas provisórias) já editadas.
“Se existir a resignação [por parte da Câmara] em apreciar MPs, o governo também não descarta a possibilidade de apresentar projetos de lei de caráter de urgência”, disse, completando que “é evidente que não tem acordo”.
As medidas provisórias são editadas pelo presidente da República e entram em vigor imediatamente, mas dependem do aval do Congresso para não perder validade. Assim, Câmara e Senado têm até 120 dias para aprovar ou reverter a iniciativa do governo.
Uma das MPs aguardando aprovação é a que reestruturou e criou ministérios, como o dos Povos Indígenas e da Cultura. Outro texto aguardado pelo governo estabelece o voto de qualidade no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Financeiros).
Assim como outros projetos enviados por Lula em janeiro, os dois textos estão parados no Congresso há 49 dias. Programas essenciais para o Palácio do Planalto, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, também foram recriados via medida provisória.
Pacheco disse a jornalistas nesta quarta que o presidente da Câmara não apresentou nenhuma proposta concreta e que, “se não houver esse entendimento, deve prevalecer a Constituição, que determina que deve haver as comissões mistas”.
O presidente do Senado —que acumula a presidência do Congresso— enfrenta a pressão dos líderes para instalar as comissões mistas que analisam as MPs à revelia da vontade da Câmara. Ele avalia, contudo, que isso não resolve o problema porque nenhum deputado vai querer participar e se indispor com Lira.
Um aliado de Lira afirma, sob reserva, que uma saída seria aprovar uma PEC para definir novos prazos para a aprovação de medidas provisórias em cada Casa, em substituição aos 120 dias como limite único, atualmente em vigor.
Na avaliação desse aliado, dar prazos separados para Câmara e Senado analisarem MPs poderia acabar com as críticas de que deputados demoram para aprovar as propostas do Executivo, restando poucos dias para os senadores analisarem os textos.
Outra possibilidade de meio-termo, dizem líderes da Câmara, é alterar a formação das comissões mistas, para aumentar a quantidade de deputados em relação à de senadores (regimentalmente, são 12 parlamentares de cada Casa no colegiado).
Pacheco, no entanto, praticamente descartou a ideia nesta quarta. O senador disse que o “peso do Senado não pode ser maior que o da Câmara” e vice-versa, e que o formato atual parece ser o melhor essa é “uma questão de posição igualitária”.
“Nós não podemos ter intransigência. Então não houve nenhuma proposta que a gente tenha refutado. Mas uma ideia que foi ventilada de mudança de composição das comissões […] não é uma ideia que me parece muito razoável porque não é uma questão de quantidade de deputados e de senadores”, disse.
Segundo relatos, Lira teria se incomodado com o fato de Pacheco ter enviado interlocutores para tratar a questão — sendo o senador Davi Alcolumbre (União-AP) e os líderes do governo os principais. O ideal, ponderam, teria sido um gesto do próprio presidente do Senado.
O mal-estar entre os dois se intensificou após uma mudança de postura do presidente da Câmara. Lira foi um dos entusiastas da criação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para alternar o início da tramitação de medidas provisórias entre as duas Casas.
Líderes partidários afirmaram à Folha, no entanto, que Lira endossou a proposta sem consultar as demais lideranças da Casa. No início da semana, ex-presidentes da Câmara, como Arlindo Chinaglia (PT-SP), chegaram a conversar com Lira para reforçar o entendimento de que a Câmara é a Casa iniciadora e o Senado, Casa revisora.
Alternar o início da tramitação das medidas provisórias, na visão de líderes da Câmara, seria uma concessão para o Senado de uma atribuição que hoje é exclusiva dos deputados.
Neste contexto, Arthur Lira se encontrou com os líderes de todos os partidos da Câmara na terça-feira (21) e ouviu apelos para não aceitar a alternância das medidas provisórias. Segundo relatos, o presidente concordou com a posição e pediu desculpas aos parlamentares por ter avançado nas articulações sem consultá-los.