As tantas lideranças evangélicas que não pouparam suas cordas vocais para ajudar Jair Bolsonaro (PL) na campanha eleitoral preferiram silenciar ante os ataques golpistas às sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro.
A opção por se calar prevaleceu nas redes sociais de agentes evangélicos que foram cabos eleitorais engajados de Bolsonaro, mostra relatório da Casa Galileia, que monitora perfis virtuais desse segmento cristão.
Para esse levantamento, a entidade acompanhou publicações nos dias 8, 9 e 10 de janeiro —um total de 448 postagens no Instagram e 529 no Facebook.
O engajamento explícito nos atos antidemocráticos partiu de uma franja radical microscópica dentro do todo evangélico, de acordo com o relatório. Caso do canal no YouTube de uma pastora chamada Valdirene Moreira, sem maiores relações no meio. Outro exemplo é o pastor Geovane Dias, que promoveu uma arrecadação pelo canal Povo da Fé para financiar a ida de pastores até Brasília, para uma cobertura em tempo real do dia.
Segundo o relatório, houve “silenciamento quase que absoluto de perfis da extrema direita evangélica durante as invasões”, e demorou para que menções ao episódio pipocassem na internet.
Isso acabou contribuindo para que “outras vozes fossem ouvidas”. Minoria no campo, evangélicos progressistas foram responsáveis por quase 60% das publicações no Instagram no dia 8, índice que caiu para 30% dois dias depois.
Caso do ex-pastor presbiteriano Antonio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz, que fala em “golpistas alucinados”, e do pastor Caio Fábio, que disse então: “Entre os terroristas há pastores e muitos crentes, os evangélicos são a pior ameaça à democracia no Brasil e nos EUA”.
Outra ala, que a Casa Galileia define como de centro, inclui o posicionamento do teólogo e pastor Guilherme de Carvalho, que já integrou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro —deixou a pasta comandada por Damares Alves (Republicanos) com críticas.
No 9 de janeiro, Carvalho compartilhou uma carta de repúdio emitida pela Aliança Evangélica. No dia seguinte, publicou uma carta aberta intitulada “Eu subestimei a ameaça bolsonarista”. Nela, reitera sua “crítica de longa data” ao progressismo e à esquerda evangélica.
Mas diz que, míope, surdo e na defensiva, tem motivos para se arrepender. Exemplo: como téologo, “e não de mero funcionário do governo”, transmitiu “a impressão, ao aceitar o convite para o cargo, de que o bolsonarismo seria de alguma forma uma boa opção para os cristãos”.
O influenciador crente Zé Bruno também reagiu, chamando as cenas em Brasília de “versão tupiniquim do Capitólio“, a depredação contra o Legislativo americano empreendida por radicais na esteira da derrota de Donald Trump, dois anos antes.
Já no que o relatório reconhece como extrema direita evangélica —caso de pastores que ecoaram a narrativa bolsonarista de questionar o resultado das eleições— não houve registro de aprovação escancarada aos atos antidemocráticos. “Pode-se afirmar que a maioria dos posicionamentos se caracterizaram como um repúdio seletivo, que condena a violência, a depredação e o vandalismo, mas não abre mão de uma argumentação que justifica a plausibilidade dessas atitudes extremas.”
Exceções aconteceram. A agora senadora Damares Alves foi uma delas. Seu repúdio aos ataques foi objetivo, “sem construir um contexto que desse margem para duplas interpretações ou justificativas”, diz o texto.
Postou Damares na ocasião: “A liberdade de manifestação é um dos pilares da democracia, mas invadir e depredar patrimônio público ou privado jamais será a solução. Nossa discordância com a esquerda é no campo das ideias e contra ideologias”.