Em junho, o presidente do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), Paulo Wanderley, pretende viajar a Singapura para acompanhar a Série eSports Olímpicos, um evento realizado pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) como “próximo grande passo no apoio ao desenvolvimento dos esportes virtuais”.
“Estarei lá para, quem sabe, mudar de opinião”, diz à Folha o dirigente que, atualmente, diz ser contra equiparar os esportes tradicionais com os jogos eletrônicos. “Como eu entendo há 60 anos, não é esporte.”
Formado em educação física, judoca e presidente do COB desde 2017, Wanderley compartilha da mesma opinião manifestada recentemente pela ministra do Esporte, Ana Moser. Para eles, os chamados eSports fazem parte da indústria de entretenimento.
“Se estiver dentro da nossa forma de pensar o olimpismo, dos valores como respeito, excelência, amizade, solidariedade, faremos [uma equipe]. Do contrário, só na próxima encarnação.”
O objetivo do COI é que isso aconteça bem antes. A entidade trata como uma questão de tempo a entrada dos eSports no programa olímpico. Eles ocupariam o lugar de modalidades esportivas que estão perdendo apelo junto às novas gerações, público-alvo dos executivos do comitê.
Para o evento em Singapura, nove títulos foram escolhidos pela entidade. Todos são simuladores virtuais de esportes tradicionais ou envolvem atividade física, condições básicas para fazerem parte, no futuro, do programa olímpico.
“O que o COI decidir, vou fazer. Vai ter [eSports] nas Olimpíadas? Então vamos montar uma equipe, vamos levar e vamos ganhar. Brasileiro é bom nesse negócio”, diz Wanderley.
Não que isso seja uma preocupação do presidente do COB neste momento, afinal os jogos eletrônicos não estarão presentes da Olimpíada de Paris, em 2024.
Por enquanto, o cartola está concentrado em outros temas, como o desempenho do Brasil na França e a ampliação da presença do COB em Brasília para discutir leis para o esporte, como a regulamentação das apostas esportivas.
Depois que o Brasil obteve em Tóquio o seu melhor desempenho em uma Olimpíada [recorde de medalhas (21), mesmo número de ouros (7) dos Jogos de 2016 e a melhor posição no quadro geral (12º)], qual a meta do COB para os Jogos de Paris? Eu sempre trabalhei, por onde passei, com a superação do que já aconteceu. O que aconteceu, a história, vai para para os livros, fica para trás e serve de lição para você aprimorar. Então, a minha meta com relação a resultados é sempre superar o que foi o passado.
Pode quantificar de alguma forma essa melhora? Eu trabalho com metas e nossa meta para os Jogos Olímpicos de Paris é superar o desempenho em Tóquio, seja em quantitativo de medalhas, seja em medalhas de ouro ou o número de atletas que vão para a disputa de medalhas.
Como o senhor acha que o governo deve tratar o esporte? O esporte é uma questão de Estado no mundo inteiro. Por isso foi bom a recriação do Ministério do Esporte, nós tínhamos essa expectativa. Não foi bom quando saiu o ministério [e virou uma secretaria especial] porque perde a relevância, a aproximação com o governo de fato e de direito. [Sem ministério], tem que pegar escadinhas até chegar à presidência.
Com a recriação do Ministério do Esporte, o governo acertou. Com a ministra [Ana Moser], o governo acertou, é uma desportista, uma ex-atleta. Estamos bem.
O senhor compartilha da opinião da ministra Ana Moser a respeito dos esportes eletrônicos? Não é que eu seja contra os esportes eletrônicos. A atividade de jogos eletrônicos é reconhecidamente bastante lucrativa no mundo inteiro. Mas eles não têm necessidade de estar dentro dos Jogos [Olímpicos]. Os jogos deles já têm divulgação, adeptos, resultados, então eles não precisam da gente. Essa é a minha opinião. A ministra comentou a respeito de não reconhecer como esporte. Como esporte, como entendemos, como eu entendo esporte há 60 anos, não é esporte. É uma atividade de entretenimento bastante praticada no mundo inteiro e não precisa da gente para se firmar dentro do cenário mundial. Agora, eu só vou tomar uma atitude como COB quando o COI (Comitê Olímpico Internacional) tiver essa diretriz. O que o COI, do qual nós somos filiados, decidir, eu vou fazer. Vai ter nos Jogos Olímpicos? Então nós vamos montar uma equipe, vamos levar e vamos ganhar. Brasileiro é bom nesse negócio.
No governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o esporte não tinha um ministério e, sim, uma secretaria especial. Isso acarretou prejuízos ao esporte? Nós fizemos nossos programas, nossos projetos foram realizados, tiveram resultados. Nesse sentido, não houve prejuízo. O que de fato faltava era essa conexão direta. Isso era muito mais difícil. Havia muito uma coisa de ‘daqui para lá’ e não havia uma coisa de ‘vamos juntos’. Nós temos que estar juntos, nem acima, nem abaixo, colaborando para que a engrenagem esportiva funcione. Agora, eu tenho uma boa expectativa nesse sentido.
O COB tem um representante em Brasília? Brasília é nossa capital das leis, que dá o direcionamento para toda e qualquer política que se pratique. Ter uma ação próxima é muito importante. Nosso vice-presidente, o Marco La Porta, é residente em Brasília. Então é um caminho que nós temos é o relacionamento dele. Eu, particularmente, penso em estar mais próximo dos nossos parlamentares, do Congresso. É necessário, é útil e é importante que qualquer organismo tenha representação em Brasília. Essa é minha visão. Não foi até agora porque não tivemos oportunidade.
Qual a principal demanda que o senhor pretende levar para os parlamentares? A demanda mais urgente, eu não dirigia urgente, mas como está se tratando das questões das apostas esportivas e tem um projeto de lei, que vai entrar em tramitação proximamente, [a demanda] é que envolvam mais os esportes, de fato. Nós somos os atores nesse processo. Aposta esportiva, o esporte. Então, vamos envolver as entidades esportivas. Não estou dizendo só o Comitê Olímpico, não. As confederações, os clubes, o Ministério do Esporte, o Comitê Olímpico do Brasil, o Comitê Paralímpico, todo mundo.
Como o COB entende que as apostas devem ser tratadas? Primeiro temos que ver o que o governo vai definir e determinar em termos de controle. Nós já temos uma área dentro do COB estudando a questão de manipulação de resultados. Nós já temos essa preocupação. E preocupação no sentido de antecipar, não que tenha acontecido nada. Na nossa opinião, o COB e o Comitê Paralímpico têm que estar envolvidos nesse processo. Por exemplo, se for esporte olímpico, nós temos que ter o cuidado de fazer um, eu não diria controle, mas uma fiscalização. Por exemplo, esse jogo, essa modalidade, realmente aconteceu, está dentro das regras internacionais, dentro da regra brasileira e aqui está nosso apoio. Somos totalmente a favor das apostas desde que seja bem controlada, fiscalizada e com a participação de todos.
O que levou ao desligamento de Jorge Bichara, ex-diretor de esportes do COB, e que avaliação o senhor faz do trabalho do Ney Wilson, que assumiu a área de alto rendimento? A troca de executivos do COB foi uma necessidade de reestruturação. Nós queríamos dividir o departamento de alto rendimento e criar uma área de desenvolvimento. Essa foi minha proposta para ele [Jorge Bichara]. Ele achou que não deveria dividir. Então, tá. Mas isso [a demissão dele] levou seis meses, não foi de uma hora para outra. Continuo falando com o Jorge Bichara, tenho um grande apreço por ele, reconheço nele um excelente profissional. Agora, tem que seguir a ordem da casa. Não depende do relacionamento pessoal. Com relação ao Ney Wilson, é um profissional extremamente vencedor da sua área. Ele foi diretor de alto rendimento da Confederação Brasileira de Judô, que não é uma confederação que apareceu agora. É uma entidade com resultados mundiais e olímpicos a contar.
Paulo Wanderley Teixeira, 72
Nasceu em em Caicó, no Rio Grande do Norte, graduou-se em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo, foi técnico da seleção brasileira de judô entre 1979 e 1993, eleito presidente da confederação brasileira da modalidade em 2001 e, desde 2017, preside o COB