Escolhido pelo governo Lula para comandar a diretoria de Política do BC, o administrador Rodolfo Fróes acumula no currículo a direção de uma empresa do grupo J&F
Nathalia Garcia, Danielle Brant, Idiana Tomazelli e Julio Wiziack
Brasília, DF
Escolhido pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para comandar a diretoria de Política Monetária do Banco Central, o administrador Rodolfo Fróes acumula no currículo a direção de uma empresa do grupo J&F (dos irmãos Batista) e uma sociedade com o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, acionistas de referência da Americanas, hoje em recuperação judicial.
Ele também fez doações para campanhas de dois candidatos do Partido Novo nas eleições de 2018.
Fróes é visto por ex-colegas como um profissional competente e capacitado para ocupar o posto, mas sem um conhecimento teórico aprofundado na área para a qual foi escolhido.
Ele confirmou à Folha nesta quarta-feira (22) que foi sondado para o cargo no BC, acrescentando que era tudo o que poderia dizer sobre o assunto.
Formado em Administração pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), com especialização em Harvard, ele trabalhou no Bank of America com operação de juros, na Ritchie Capital Management e foi membro do conselho do Banco Fator, instituição que foi presidida pelo atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo. Em sua página em rede social, diz ser um investidor anjo da startup Qulture.Rocks, com sede em San Francisco (EUA).
No Fator, era visto como um profissional com capacidade de liderança durante o período em que atuou na mesa de negociações, além de competente. Ao deixar a função, Fróes foi para o conselho de administração da instituição.
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Apesar dos elogios em relação à atuação como trader, ex-colegas ouvidos pela Folha de S.Paulo indicaram que Fróes, embora tenha conhecimento de política monetária, não seria um “acadêmico” ou um teórico. Ele também foi descrito como um profissional capacitado e “uma pessoa de trato bom”.
Pelo contato com Galípolo, número 2 da pasta econômica, ele é tido por ex-colegas como alguém que será de confiança para a gestão petista, o que poderia facilitar a interlocução entre o Banco Central e o governo.
No Twitter, Dan Kawa, diretor de investimentos da TAG, escreveu que o “feedback” que recebeu é de que o nome representaria “dos males, o menor”.
Documentos registrados na Junta Comercial de São Paulo (Jucesp) mostram Fróes como um dos sócios da empresa Flow Participações, ao lado de Jorge Felipe Lemann -filho do bilionário Jorge Paulo Lemann.
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O próprio pai, junto com Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, também são acionistas, com 14% de participação por meio da Angramar Participações. Jorge Felipe assina como representante da empresa do pai pela Flow.
Fróes entrou no negócio logo quando a empresa foi criada, em 2006, com cerca de R$ 820 mil, o que lhe garantiu 20% de participação na sociedade.
Ele também aparece como administrador no quadro da empresa Liga Invest, uma distribuidora da valores mobiliários (corretora) adquirida pela J&F -dos irmãos Joesley e Wesley Batista- e na qual o grupo agora tem participação via PicPay, empresa de meios de pagamentos.
Nos arquivos da Jucesp, a troca acionária entre as empresas (PicPay e J&F) na Liga Invest ocorreu em março deste ano.
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Procurada, a J&F não respondeu sobre a permanência de Fróes na empresa. Por força de um acordo, a diretoria da empresa tinha mandato de três anos à época, prazo que venceria em 2025.
Na base da Receita Federal, ele também aparece como sócio de diversas outras empresas. A SW4, voltada para treinamento de recursos humanos, é a única em que consta exclusivamente em seu nome.
Nas eleições de 2018, o profissional de mercado doou recursos para as campanhas de dois membros do Partido Novo, segundo informações do portal de transparência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Ele destinou R$ 5.000 para Paulo Ganime e R$ 1.000 para Vinicius Poit, que se elegeram deputados federais por Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente.
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Na terça-feira (21), o ministro Rui Costa (Casa Civil) disse que Lula já tinha definido os nomes sugeridos pelo titular da Fazenda e que a indicação formal será feita após a viagem do presidente à China, que começa no dia 25 de março e vai até 1º de abril.
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“O Haddad levou os dois nomes, ele [Lula] conversou com os dois, aprovou e vai indicar os dois nomes ao Senado assim que retornar [da China]”, disse Costa, em entrevista à GloboNews.
A lei da autonomia da autoridade monetária, aprovada em 2021, determinou que cabe ao presidente da República a indicação dos nomes dos diretores. Posteriormente, os indicados passam por sabatina na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal. Os nomes são, então, levados ao plenário para aprovação.
Com a autonomia do BC, a indicação dos diretores é uma maneira de Lula formar uma composição na cúpula da autoridade monetária mais alinhada com o governo petista.
Embora as decisões do Copom (Comitê de Política Monetária) sejam tomadas de forma colegiada entre os oito diretores e o presidente do BC, o diretor de Política Monetária tem um papel importante na reunião que calibra a taxa básica de juros (Selic).
O patamar elevado de juros no país tem sido alvo de ataques de Lula, que vem pressionando a instituição. Nesta terça, o presidente disse que vai continuar “batendo” e “tentando brigar” para que a taxa básica possa ser reduzida. Ele também voltou a atacar Campos Neto, embora não o tenha citado nominalmente.