“Não desistimos”, disse a esgrimista Olga Kharlan, quando recebeu sua medalha em Paris, bronze no sabre, a primeira da Ucrânia nos Jogos Olímpicos deste ano. “Esta medalha é muito especial para o meu país. É para o povo da Ucrânia, para seus defensores [no front], é para aqueles que não puderam estar aqui porque foram mortos pela Rússia.”
A Olimpíada acabou; a guerra, não.
A Ucrânia está sob ataque da Rússia, uma ofensiva iniciada em fevereiro de 2022 que continua a devastar o país de Olga. Como outras áreas, a estrutura esportiva está severamente danificada, sem data para reconstrução. Mas é no desporto que ao menos parte da população se agarra em um momento no qual há pouco no que se agarrar.
“O esporte está no sangue do povo ucraniano”, disse à Folha o ministro da Juventude e do Esporte, Matviy Bidnyi. “É muito importante para os ucranianos ter vitórias nessa área. Vimos uma participação de muito sucesso nos Jogos Olímpicos, foi muito simbólico. Os ucranianos precisam de endorfinas, e esses momentos de vitória ajudam demais.”
A endorfina é um hormônio produzido pelo corpo que alivia as dores e minimiza os efeitos do estresse. E é justamente a atividade física a maneira tida como mais saudável de liberar endorfina no organismo, algo que os ucranianos, sobretudo os mais jovens, procuram manter em meio à guerra.
Em Dnipro, por exemplo, na região centro-leste, funciona uma prestigiada academia de formação de atletas, pela qual já passaram 49 participantes dos Jogos Olímpicos –como Yaroslava Mahuchikh, ouro no salto em altura em Paris-2024. A escola foi danificada em abril por resíduos de um míssil abatido pela defesa ucraniana. Desde então, as áreas de treino são evacuadas a cada alerta de ataque aéreo.
O Instituto de Educação Física e Cultura de Dnipro, cuja cozinha foi destruída, teve danos leves na comparação com outras instalações. O Estádio Central de Irpin, na província de Kiev, tem crateras, decorrentes de tiros de morteiro. E, ainda assim, adolescentes correm e treinam ali, desviando-se dos buracos no trajeto.
“Nestas condições, o esporte é uma das melhores ferramentas para manter alguma saúde mental, manter condições psicológicas razoáveis. Mas é claro que o esporte de alto nível sofreu demais. Muitos atletas foram treinar no exterior, e a gente agradece a ajuda, mas o grosso da equipe nacional ficou, treinando em situação muito desafiadora”, afirmou Bidnyi.
As contas do governo ucraniano apontam mais de 500 instalações esportivas esfaceladas ou danificadas e também mais de 500 atletas, ex-atletas e treinadores mortos na frente de batalha. A checagem dos números é difícil, mas a devastação é visível e inegável.
Ainda assim, a Ucrânia teve resultados expressivos em Paris. O time olímpico ficou em 22º lugar no quadro de medalhas, com três ouros, cinco pratas e quatro bronzes, colocação melhor do que a obtida nos Jogos de Tóquio, em 2021, antes da guerra: 44º lugar. Nos Jogos Paralímpicos, o país mostrou ser uma potência: sétimo lugar, com 22 ouros, 28 pratas e 32 bronzes.
“Foi uma combinação de motivação heroica e resiliência dos nossos atletas, que tiveram de trabalhar em condições físicas e psicológicas muito difíceis. Todos nós tínhamos, temos, alguém na linha de frente, no campo de batalha, perdemos alguém. Agora mesmo, por exemplo, outro dia, uma jovem mãe foi morta com seus três filhos em uma de nossas cidades pacíficas, Kryvyi Rih, por terroristas russos”, disse o ministro do Esporte.
De acordo com Bidnyi, “houve desde o início apoio da comunidade esportiva”, do ponto de vista de recursos e auxílio logístico –no futebol, Shakhtar Donetsk e Dínamo de Kiev vêm disputando suas partidas da Liga dos Campeões e da Liga Europa na Alemanha. O que ele cobra é um maior alinhamento à posição de que atletas da Rússia e também da aliada Belarus devem ser banidos de competições internacionais.
Como ocorreu nos Jogos Olímpicos, os desportistas desses países vêm competindo em diversas modalidades sob “bandeira neutra”. Na prática, o que muda é que sua nacionalidade não é mencionada em publicações oficiais e a bandeira não é hasteada. Isso não impede a belarussa Aryna Sabalenka de liderar o ranking mundial de tênis.
“Nós realmente valorizamos toda a ajuda. Mas, para nós, é muito mais importante uma postura de restrições constantes ao esporte russo e belarusso. Nós não podemos tolerar propaganda russa no esporte! Essa tem que ser uma visão comum. É uma questão significativa para nós. Apreciamos os recursos que recebemos, valorizamos toda a ajuda, mas é mais importante essa posição comum”, afirmou o ministro, certo que a restrição deveria ser total “até o fim da guerra”.
A disputa está em curso, no campo de batalha e nas relações geopolíticas. É um assunto sensível a declaração a ser divulgada pelo G20, com uma negociação difícil em relação ao trecho que tratará das guerras em curso no planeta. O grupo que reúne os países com as maiores economias do mundo neste ano é presidido pelo Brasil, com as principais reuniões marcadas para esta segunda (18) e esta terça (19), no Rio de Janeiro —a Rússia faz parte; a Ucrânia, não.
Narrativas e visões distintas à parte, independentemente das razões do conflito e da redação do texto do G20, é incontornável o fato de que o esporte da Ucrânia foi torpedeado. Antecessor de Bidnyi no ministério e atual presidente do Comitê Olímpico Nacional da Ucrânia, o ex-esgrimista Vadym Gutzeit, ouro nos Jogos de Barcelona, em 1992, disse que “a próxima geração de atletas da Ucrânia foi perdida”.
“Se falamos sobre jovens, não só crianças, são mais de 2 milhões que hoje vivem fora da Ucrânia”, observou Bidnyi. “A questão sobre o futuro do esporte é difícil, sem dúvida. Nós temos que concentrar os esforços em criar as melhores condições para os jovens atletas e para as crianças voltarem quando a guerra acabar.”
O fim da guerra não parece iminente. E, nesse cenário de desalento, o esporte é capaz de produzir alegria. A única vitória da Ucrânia na Eurocopa deste ano —um 2 a 1 sobre a Eslováquia, de virada— foi muito celebrada no país e acompanhada atentamente por soldados, pela televisão.
“Os momentos de vitória nos ajudam a acreditar no futuro, liberam endorfina. Esses momentos nos ajudam a acreditar na nossa vitória, fazem a gente ser mais resiliente, fazem a gente acreditar na nossa gana de vencer”, resumiu o ministro. “É vital.”