Movimentos populares brasileiros enviaram nesta terça-feira (7) uma carta ao presidente Lula reforçando o apoio à posse do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. No documento, os grupos pedem que o governo brasileiro “reconheça a legitimidade” da reeleição do chavista para um terceiro mandato.
O texto foi assinado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Brasil Popular, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e outras 16 agremiações. Eles pedem também que as relações exteriores brasileiras cumpram o princípio de “integração nacional” na região e a abertura de um “diálogo sincero” com os diferentes países latino-americanos.
“Os princípios da soberania e da autodeterminação dos povos, consagrados na Constituição Federal de 1988 e na Carta das Nações Unidas, guiam a nossa política externa independente, uma conquista importante da nossa nação, sob vossa liderança. O reconhecimento dessa eleição não apenas reafirma nosso compromisso com o respeito à soberania venezuelana, mas também fortalece os laços de amizade e cooperação que historicamente unem nossas duas nações”, diz o texto.
Os grupos também lembram dos planos de atentado promovidos pela extrema direita que foram desmobilizados pelo governo venezuelano nos últimos meses. Desde janeiro de 2023, o Ministério Público da Venezuela tem denunciado uma série de articulações para “promover caos e desestabilização” no país sul-americano.
A carta também foi endereçada ao assessor especial para Relações Exteriores do governo brasileiro, Celso Amorim, e termina afirmando que, ao reconhecer a vitória de Maduro, o governo brasileiro manda uma mensagem de apoio à “paz e à estabilidade regional”, promovendo o “fortalecimento da integração latino-americana em um momento de grandes desafios globais”.
Esse é o segundo documento enviado por movimentos para o governo brasileiro pedindo o reconhecimento da vitória de Maduro. Em 28 de dezembro, organizações populares também enviaram um documento ao presidente pedindo o respeito ao resultado das eleições venezuelanas.
Relação entre Brasil e Venezuela
O governo brasileiro deve enviar a embaixadora em Caracas, Glivânia Maria de Oliveira, para a posse do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Os dois países passaram por uma crise diplomática nos últimos meses que começou na corrida eleitoral venezuelana. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro enviaria dois observadores para acompanhar o pleito, mas desistiu depois de Maduro afirmar que as urnas brasileiras “não são auditadas”. Em vez de observadores, o governo brasileiro enviou o assessor especial, Celso Amorim, para Caracas durante as eleições.
Maduro foi eleito para um terceiro mandato com 51,97% dos votos contra 43,18% do opositor Edmundo González Urrutia. A oposição venezuelana contestou o resultado e afirmou ter recolhido mais de 80% das cópias das atas eleitorais e, segundo a coalizão de direita Plataforma Unitária, isso garantiria a vitória de Urrutia.
Isso, somado à denúncia de um ataque hacker contra o sistema eleitoral da Venezuela, levaram Maduro a pedir uma investigação pela Justiça. O órgão eleitoral atrasou a divulgação dos resultados detalhados alegando a atuação hacker. O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano investigou os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu 9 dos 10 candidatos que disputaram o pleito. Só Edmundo González Urrutia não compareceu.
O governo brasileiro começou a articular com Colômbia e México a mediação da questão eleitoral venezuelana. Os três governos emitiram duas notas conjuntas pedindo a publicação das atas eleitorais pelo CNE e não pela Justiça do país. O TSJ da Venezuela validou a eleição de Maduro e pediu a publicação dos resultados desagregados em até 30 dias. No entanto, mais de 3 meses depois do pleito, os resultados ainda não foram publicados e o site do órgão eleitoral continua fora do ar.
Lula então passou a oscilar entre pedir que a situação seja resolvida internamente, sugerir a realização de novas eleições e dizer que não reconhecia a vitória de Maduro se os resultados das atas não fossem publicados e, consequentemente, sua vitória nas urnas fosse comprovada de forma independente.
A relação entre Venezuela e Brasil se estabilizou momentaneamente até a cúpula do Brics, realizada em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro. Nela, o governo venezuelano esperava ser incorporado ao grupo na categoria de “Estado parceiro”, mas ficou de fora da lista de 13 novos integrantes por um veto do Brasil. A decisão do Itamaraty revoltou os venezuelanos.
O motivo do veto não foi justificado publicamente pelo governo de Lula. O presidente não compareceu ao evento e enviou o chanceler, Mauro Vieira, para chefiar a delegação. Caracas afirma que a decisão foi uma “punhalada nas costas” e que a medida de “ingerência” do governo brasileiro é uma forma de interferir na política local.
Em audiência na Câmara dos Deputados, Amorim reforçou que a questão do pleito deve ser resolvida por venezuelanos e que o Brasil não reconhece a eleição do presidente Nicolás Maduro, até que sejam apresentados os resultados desagregados. Amorim não explicou claramente o veto no Brics. Primeiro, disse que é preciso ser um país com influência e que represente a região, algo que, para ele, a Venezuela não cumpre. Em um segundo momento, citou o mal estar entre os governos brasileiro e venezuelano.
Em resposta à fala do assessor especial, o governo da Venezuela convocou o embaixador venezuelano no Brasil, Manuel Vadell, para consultas. Em nota, Caracas afirmou que a medida foi tomada depois das declarações “intervencionistas e grosseiras” de Amorim. A Chancelaria venezuelana também convocou o encarregado de negócios do Brasil em Caracas para demonstrar “rechaço” às declarações de representantes do governo brasileiro em relação ao processo eleitoral do país.
A crise diplomática foi levemente amenizada depois que Lula afirmou respeitar as instituições venezuelanas. Segundo Maduro, a fala foi uma reflexão “sábia” do petista e completou: “Ponto a favor de Lula”.
Edição: Leandro Melito