Em entrevista ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, o ex-ministro da Fazenda afirmou que Haddad vai ‘desmentir a si próprio’ na promessa de não promover alta da tributação
Após meses de expectativa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou o novo arcabouço fiscal do governo nesta quinta-feira, 30. A regra fiscal tem a meta de zerar o déficit público em 2024 e aumentar o PIB em 1% até 2026. Além disso, também será implementado um mecanismo de controle do aumento de despesas públicas, que fica limitado a 70% da variação da receita primária dos últimos 12 meses. Para falar sobre a proposta, o Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, entrevistou o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega. Para o economista, apesar do limite de gastos ser positivo, a nova âncora trouxe a expectativa de aumento da carga tributária: “Tem um aspecto positivo, que é a criação de um limite para despesas. O que se imaginava há dias e meses atrás era de que haveria a adoção da dívida como âncora, isso seria uma âncora muito frágil porque a dívida pode subir por fatores alheios à vontade e diligência do governo”.
“No fundo, é um teto. Mas é um teto muito flexível relativamente ao que está em vigor atualmente. No caso do teto em vigor, que vai desaparecer logo após a aprovação da lei do arcabouço fiscal, é de que a despesa só pode crescer pela variação da inflação. Agora a despesa pode crescer como 70% do acréscimo de arrecadação. O que significa que esse arcabouço fiscal gera um incentivo para buscar aumento de receita. Quanto mais aumentar a receita, quanto maior será a capacidade de gasto do Governo Federal. Aí tem um outro problema. Embora o ministro da Fazenda tenha negado que vai ter aumento da carga tributária, provavelmente ele vai desmentir a si próprio, porque em algum momento vai haver aumento da carga tributária. Ele mesmo já anunciou recentemente que depois de aprovada as duas PECs da reforma tributária do consumo, virá a proposta de reforma do Imposto de Renda. Nessa provavelmente estará incluída a tributação dos dividendos, o que significa aumento da carga tributária”, argumentou.
O ex-ministro da Fazenda também criticou a falta de medidas para liberar espaço no orçamento, com o que seria uma manutenção da chamada ‘rigidez orçamentária’, em que de 93% a 95% dos gastos federais tem destinação obrigatória para áreas como previdência social, educação, saúde e certos programas sociais, como o Bolsa Família: “Em algum momento o governo tem que construir o capital político para atacar o gasto obrigatório. Sem atacar o gasto obrigatório, não tem futuro a economia brasileira. Você não pode ter um país em que o Governo Federal dispõe de apenas 5% do orçamento para conduzir políticas de desenvolvimento, redução de desigualdades e assim por diante. No mundo, essa média é de 50%, isto é, os governos dispõem de metade do orçamento para exercer essas funções”.
“Por outro lado, foi restabelecida a vinculação de gastos com educação e saúde. Na regra geral, o aumento de gastos só poderá ocorrer em até 70% da elevação da arrecadação. Mas no caso de educação e saúde é 100%. (…) Em geral são esses fatores e, como continua intocada as regras do gasto obrigatório, parece pouco provável que o Brasil seja candidato a recuperar o grau de investimento que perdeu em 2015, com o desastre do governo Dilma. A experiência mostra que quando um país perde o grau de investimentos, isto é, o selo de bom pagador, ele leva 10 a 20 anos para recuperar a situação anterior. Nesse caso, eu acho muito pouco provável. Até porque uma das consequências da regra é que não haverá estabilização da relação entre a dívida e o PIB, que era o principal objetivo do governo, a principal demanda dos avaliadores de risco do mercado financeiro em relação à política fiscal”, analisou.
*Texto em atualização