O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, deu nesta quarta-feira (1) a sua primeira entrevista de 2025. Em conversa com o jornalista Ignacio Ramonet, o mandatário reforçou a expectativa de um crescimento econômico ainda maior neste ano, disse que o governo está seguro para sua posse em 10 de janeiro para o terceiro mandato e destacou a intenção de fazer uma reforma na Constituição venezuelana.
De acordo com ele, o governo vai começar a trabalhar já em janeiro para uma reforma constitucional “que democratize toda a sociedade” e que caminhe para um processo de “fortalecimento de uma nova forma de fazer política”. Ainda segundo Maduro, o objetivo é aperfeiçoar cada vez mais um método “dialógico e inclusivo” na relação entre os 5 poderes da Venezuela e a sociedade.
“Estou formando uma equipe especial de, poderíamos dizer, especialistas e assessores. Estou de olho nas formas de consulta ao poder popular que aplicamos permanentemente, e também um grupo de assessores, assessores internacionais, que se ofereceram para nos apoiar. Muito em breve teremos isso pronto”, afirmou o presidente venezuelano.
Para ser aprovada, no entanto, a reforma precisa passar por uma ampla discussão na Assembleia Nacional e ser votada em plebiscito pela sociedade venezuelana. Hoje, a maioria dos deputados da Venezuela são ligados ao chavismo, por causa do boicote eleitoral da oposição nas últimas eleições parlamentares, em 2020. O Legislativo, no entanto, passará por eleições ainda em 2025, o que pode mudar o cenário caso a reforma não seja aprovada até o final do ano.
A Assembleia já discute um projeto para reformar as leis eleitorais no país. Entre as propostas está a definição de um segundo turno para a disputa presidencial, paridade de gênero no Legislativo, revisão do sistema de coeficiente eleitoral e nomeação por setores de candidatos à Assembleia Nacional.
Durante a entrevista, Maduro também falou sobre a eleição de 28 de julho e a sua posse para o terceiro mandato, que será em 10 de janeiro. De acordo com ele, houve um esforço da oposição interna em articulação com o governo dos Estados Unidos em transformar a disputa venezuelana em um “pleito mundial”. Ele afirmou que é esse o objetivo para a juramentação da próxima semana, cerimônia que é alvo de disputa pela oposição do país.
“Eles transformaram isso em uma eleição global. Agora eles querem que o dia 10 de janeiro seja uma disputa global. Tentam desestabilizar a nossa pátria, a nossa democracia, inviabilizar a Venezuela e tentam levá-la pelos caminhos do caos, da divisão e do confronto e, com isso, fazem um apelo a uma intervenção militar estrangeira, que é o sonho final desta ideia do fascismo venezuelano, da extrema direita”, disse Maduro.
A oposição tem feito o esforço de mobilizar a sua base para tentar novos movimentos de rua nas primeiras semanas de 2025 e busca evitar a juramentação do atual mandatário. O próprio ex-candidato Edmundo González Urrutia disse que estará em Caracas para tomar posse. Maduro afirma, no entanto, que essas tentativas já não tiveram resultado devido a uma “aliança civil-militar” que tem como principal articulador o bloco histórico bolivariano.
O presidente também disse que, para enfrentar as tentativas de desestabilização, não só houve uma denúncia sistemática do governo, como também uma articulação internacional por meio dos congressos antifascistas.
“Presenciei diversas experiências nas quais visitantes, delegados de movimentos sociais, intelectuais, políticos de todo o mundo, da Ásia, da África, da Europa, dos Estados Unidos, da América Latina e do Caribe, foram visitar as comunidades de diferentes estados da Venezuela. Esses grupos apoiam o processo que está em curso no país”, afirmou.
Apesar de criticar a postura dos Estados Unidos no passado, Maduro tem adotado um tom cauteloso para falar sobre a gestão do novo presidente estadunidense, Donald Trump. No final do ano passado, o chavista já havia parabenizado o republicano pela vitória e disse esperar um “recomeço” nas relações. Agora, o presidente venezuelano afirmou que a ideia é manter um diálogo aberto com a Casa Branca. Ele disse estar disposto a “virar a página” para uma relação de cooperação com os EUA.
Crescimento econômico
A recuperação econômica da Venezuela também foi celebrada pelo mandatário. Maduro disse que, depois que os Estados Unidos começaram a aplicar sanções duras contra a indústria petroleira, o governo teve que adotar três eixos para conseguir aquecer a economia. O primeiro foi um planejamento de todos os setores. Depois foi construir uma política macroeconômica para conseguir dinamizar o setor produtivo. E, por último, construir uma estratégia de desenvolvimento que permitisse, de forma autossustentável e com os próprios esforços, reduzir a dependência do petróleo.
O resultado de tudo isso, para ele, era ampliar a produção de alimentos no país. O governo não detalha os dados, mas afirma que, hoje, a totalidade dos produtos consumidos pelos venezuelanos são produzidos na Venezuela.
“Passamos de 80% de dependência, 80% de escassez nas ruas para 100% de oferta de produtos agroecológicos, de produtos orgânicos, buscando respostas com o movimento produtivo rural, com o movimento camponês, com o empresariado rural”, afirmou.
Outro eixo desse crescimento, segundo Maduro, foi o fortalecimento da indústria no país. De acordo com o instituto Conindustria, o ano de 2024 registrou expansão da produção industrial de 15,9%. O governo reforça esses dados. A vice-presidente e ex-ministra de Finanças, Delcy Rodriguez, diz que a ideia é que o sistema industrial venezuelano alcance 70% da produção com um ciclo de “substituição de importações” para romper o déficit na balança comercial com países industrializados.
Segundo o governo, o PIB do país cresceu 15% em 2022, 5,5% em 2023 e a expectativa é que em 2024 termine com um aumento no produto de até 9%. De acordo com a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal), a Venezuela deve ter um crescimento de 6,2% do PIB em 2024. Segundo a instituição, esse será o maior crescimento do PIB da América do Sul no ano.
Maduro disse que todas essas conquistas serão usadas para melhorar a vida dos venezuelanos. Para isso, ele afirma que a meta é consolidar a auto suficiência alimentar do país, o sistema cambiário para evitar inflação e recuperar o poder de compra dos venezuelanos.
O salário mínimo no país não sofre alterações há dois anos. O último reajuste foi em abril de 2022, quando o governo subiu para 130 bolívares, que hoje equivalem a menos de US$ 3. Quando foi anunciado, o valor correspondia a US$ 30, mas as constantes disparadas no preço do dólar desvalorizaram a moeda nacional.
Poder Popular e redes sociais
Um dos tópicos abordados na entrevista foi o aumento da importância das comunas. O presidente disse que a ideia é fortalecer o número de consultas populares. O modelo foi estabelecido em 2024. Cada comuna foi responsável por discutir sete projetos em assembleias. Os comuneros votam em apenas um de cada comuna. Cada projeto recebeu US$ 10 mil (equivalente a cerca de R$ 55 mil) para a execução.
Se no ano passado foram realizadas três consultas, a meta é que em 2025 sejam seis votações para escolher projetos para as mais de 4 mil comunas do país.
“Neste ano de 2024, fizemos três consultas diretas às comunidades. Duas delas para projetos, para entrega de orçamentos, para projetos comunitários, decididas, definidas, planejadas e votadas e aprovadas por voto popular, direto, secreto, amplo, majoritário. Isso envolveu a aprovação de milhares, milhares de projetos de bairros, para resolver problemas muitas vezes prementes que o burocratismo do velho Estado não aborda, não resolve”, disse.
Durante a entrevista, Maduro também voltou a criticar as redes sociais e defendeu a regulamentação dessas ferramentas. O governo venezuelano tem encabeçado uma disputa interna com as big techs. Em agosto, logo depois das eleições presidenciais, o presidente da Venezuela determinou a suspensão da rede social X (antigo Twitter) no país, após acusar seu proprietário, Elon Musk, de incitação ao ódio e ao fascismo.
Ainda em agosto, o mandatário afirmou que estava desinstalando o Whatsapp do seu celular, após denunciar que a empresa Meta, dona do aplicativo, estava compartilhando informações com opositores. Ele disse também que a plataforma era usada para disseminar ódio e articular planos golpistas em território venezuelano. Na última segunda-feira (30), o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) do país aplicou uma multa de US$ 10 milhões (R$ 61,7 milhões) ao TikTok pelos chamados “desafios virais”.
Maduro também afirmou ser preciso usar a Inteligência Artificial de maneira estratégica.
“Inaugurei recentemente a Universidade de Ciências Humberto Fernández Morán. Ele tem uma licenciatura de quatro anos em inteligência artificial, engenharia e tecnologia de inteligência artificial. Também estamos dando diplomas lá. Estamos prepararando quadros nacionais e também em colaboração com Cuba, com a China, com o Irã, com a Rússia. Porque temos que nos preparar. Estamos no mundo da inteligência artificial”, disse.
Relação com os vizinhos
O mandatário voltou a criticar o presidente da Argentina, Javier Milei, e disse que a eleição de Yamandú Orsi no Uruguai mostra um novo movimento das esquerdas na América do Sul. Para ele, isso reflete a desidratação do neoliberalismo enquanto modelo econômico e a incapacidade de o capitalismo oferecer respostas às pessoas.
“Acho que este novo processo que está acontecendo tem a explicação no esgotamento prematuro, rápido, precoce das alternativas que a direita criou, as oligarquias e as redes sociais. É um esgotamento tremendo. Que alternativas criaram face ao esgotamento de algumas fórmulas social-democratas, ditas progressistas? Fascismo. O que é Milei? É uma resposta extremista ao fracasso de um modelo que se tentou aplicar”, disse.
Edição: Lucas Estanislau