Depois de quase 30 anos de domínio do PSDB em São Paulo, as eleições municipais de 2024 consolidaram o PSD de Gilberto Kassab como nova força política hegemônica no estado —feito alcançado também por meio da incorporação do espólio tucano.
Presidente nacional do PSD e secretário de Governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), Kassab elegeu 205 prefeitos, sem considerar as disputas sub judice, o que representa quase 32% dos 645 municípios do estado.
O PSD, sigla fundada pelo secretário em 2011, mais que triplicou seu resultado de 2020, quando elegeu 66 prefeitos e ficou em terceiro lugar, atrás de PSDB (180) e DEM, hoje União Brasil (70).
Considerando todo o Brasil, o PSD também foi o campeão em prefeituras, com 893, superando o MDB, que teve 860 (sem considerar pleitos sub judice).
Um ano antes da eleição, porém, é que o PSD viveu seu auge em São Paulo, patrocinado pela migração de prefeitos, que são autorizados pela Justiça Eleitoral a trocar de partido a qualquer momento sem perder o mandato, ao contrário de deputados e vereadores.
Levantamento da Folha mostrou que, em outubro de 2023, o PSD somava 329 prefeituras (51% do estado). Ao não conseguir manter esse índice depois do escrutínio das urnas, o partido de Kassab foi alfinetado nos bastidores por siglas rivais, que veem um crescimento artificial e insustentável, e foi defendido por integrantes, para quem não cabe comparar o resultado da migração e o da eleição.
Líderes de outros partidos apontam ainda que a potência do PSD tem relação direta com o fato de que Kassab é o responsável pelas liberações de verba do Palácio dos Bandeirantes para as prefeituras, por meio de emendas e convênios. O secretário nega haver qualquer benefício aos prefeitos do PSD e diz que o atendimento aos municípios é republicano e suprapartidário.
Kassab comemora não só vitórias em cidades importantes como São José dos Campos, Ribeirão Preto e Piracicaba, mas o volume da votação no partido, que também está entre os maiores. “Isso mostra identidade com a sociedade, uma representação popular forte, e democracia é representação popular”, diz à Folha.
Identificado como um partido de centro, o PSD conquistou, em 2024, prefeituras que eram comandadas após a eleição de 2020 por 17 legendas diferentes.
O que engordou a sigla foi principalmente o fluxo vindo do PSDB, que vive uma debandada de prefeitos desde que, em 2022, perdeu o Palácio dos Bandeirantes e elegeu apenas 13 deputados federais.
Um total de 66 cidades que elegeram tucanos em 2020 tiveram o PSD como vencedor desta vez —em 39 delas, o prefeito foi reeleito, mas agora na sigla de Kassab, como em Bauru e Mairiporã.
Na opinião de Kassab, é natural que o PSD ocupe o espaço do PSDB porque seu grupo político “sempre teve parceria forte” com os tucanos.
Prefeitos e dirigentes partidários ouvidos pela reportagem dizem ser esperado que o debilitado PSDB tenha perdido filiados, principalmente porque os mandatários do interior dependem da estrutura partidária e do fundo eleitoral para apresentarem entregas e disputarem a eleição.
Mas o que provocou reclamação entre outros partidos que compõem a base de Tarcísio, como PL, PP, Republicanos e União Brasil, foi o fato de que o PSD teve resultado significativamente superior tanto na atração de órfãos tucanos como na briga em cidades em que esses partidos disputaram entre si.
Em segundo lugar em número de prefeituras no estado, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro teve metade do desempenho de Kassab, elegendo 104 prefeitos. O Republicanos, partido do governador, vem em terceiro com 82, seguido do MDB com 67, PP com 47 e União Brasil com 34.
O resultado eleitoral deixou rusgas no grupo político. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), afirmou ao Painel ter ficado “extremamente decepcionado” com Tarcísio, que “atuou para dividir a direita em vários lugares”.
Em relação a Kassab também sobram críticas de outras siglas da centro-direita, que o acusam de investidas sobre os prefeitos com o objetivo de fortalecer apenas o PSD em detrimento do campo político. Para eles, assim como ocorreu com João Doria e o PSDB, o secretário de Governo tem usado a caneta para barganhar e inflar seu partido.
O PSD lançou 397 candidatos a prefeito. Em relação às 329 cidades que governava em outubro de 2023, o partido deixou o poder em 157 (48%) —não lançou candidato próprio em 80 e perdeu a eleição em outras 77.
Justamente os demais partidos da base é que recuperaram terreno entre essas 157 cidades –o PL venceu em 39, o Republicanos em 30, o PP em 21, o MDB em 18 e o União Brasil em 13.
Em Guarulhos, na região metropolitana, o PSD do prefeito Guti resolveu não lançar candidato e apoiar Jorge Wilson (Republicanos), que ficou em terceiro lugar.
“Numa democracia, é impossível um partido lançar todos os candidatos que quer, tem que fazer gestos”, afirma Guti, mencionando que o apoio ao Republicanos foi um pedido de Tarcísio.
Segundo membros do PSD, gestos a partidos aliados, composições políticas, realidade local e derrotas naturais do processo eleitoral explicam a variação do partido, que não é vista como um problema.
Eles minimizam a queda no número de prefeituras em relação a 2023 e dizem que não se pode comparar o momento anterior à eleição com o próprio pleito de 2024, que deve ser analisado a partir dos resultados de 2020.
Para o cientista político Bruno Silva, pesquisador do LabPol (Laboratório de Política e Governo) da Unesp, não é possível comparar o crescimento do PSD no período eleitoral e fora dele. A diminuição, diz, não se trata de uma perda, já que os prefeitos que migraram tiveram motivos variados e poderiam não estar em condição de reeleição.
Conseguir eleger mais prefeitos, segundo Silva, é importante para os partidos porque ajuda “diretamente na construção das campanhas e na capilaridade, mirando o Legislativo nacional e estadual, e se torna um ativo político importante para barganhar recursos a nível nacional”. Para que o crescimento se mantenha, porém, é preciso que os congressistas consigam obter recursos e fundo eleitoral para essas localidades.
“O PSD tem conseguido fazer a lição de casa, que é se aproveitar do governismo no âmbito do estado. Ele faz parte de um grupo de partidos do centrão que abastecem seus redutos com emendas pelo fato de serem siglas com potencial dentro do Congresso”, completa.