Os partidos de centro e centro-direita dominaram os pódios das eleições municipais de 2024 e serão os que mais tomarão posse em prefeituras e mandatos parlamentares nesta quarta-feira, dia 1º de janeiro.
A sigla comandada por Gilberto Kassab, o PSD, foi o que mais conquistou prefeituras: 891. Junto com o MDB de Baleia Rossi, ambos venceram cinco capitais cada um, o maior número entre todos os partidos. Os emedebistas também governarão a maior quantidade de eleitores, um total de 27,9 milhões. Ambos lideram ainda na quantidade de vereadores eleitos pelo Brasil: 8.050.
Entre os prefeitos eleitos no G103, o grupo dos 103 municípios com mais de 200 mil eleitores e que, portanto, podem passar pelo segundo turno, o PL de Valdemar Costa Neto fica na frente, com 16 prefeituras.
Os resultados não são positivos apenas em termos estatísticos, mas refletem também vantagens na correlação de forças políticas entre os partidos, tanto no nível local quanto no nacional.
Poder de barganha
Uma dessas vantagens é o aumento do poder de barganha dos partidos com grande presença nas prefeituras, como o PSD, MDB e PL, uma vez que o domínio sobre a política local pode ser uma moeda de troca nas negociações nacionais. Sergio Simoni, professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), explica que o PSD, por exemplo, que tem a vice-governadoria do estado de São Paulo por meio de Felício Ramuth, já sinaliza as suas intenções em relação à próxima disputa eleitoral.
“Logo após as eleições, Kassab já deu recados dizendo que seria melhor Tarcísio [governador pelo Republicanos] não disputar a presidência em 2026 e focar na reeleição para o governo do estado. Isso reflete os interesses do partido em manter influência em São Paulo e no cenário político nacional”, exemplifica Simoni.
Para o próximo pleito, afirma o professor, os prefeitos e vereadores empossados este ano funcionarão como cabos eleitorais para os deputados federais, estaduais e distritais, senadores, governadores e o próximo presidente a serem escolhidos em 2026.
Aqui, o partido de Kassab aparece na linha de frente devido à sua habilidade em fazer alianças sem se ligar fortemente a figuras polarizadoras, como Jair Bolsonaro (PL) ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“O PSD é o partido que conseguiu crescer nos últimos anos, porque foi habilidoso em fazer alianças, ganhando mais bônus do que ônus. Conseguiu assumir a ponta numa linha de conseguir conciliar interesses diversos e que conseguiu se preservar tanto da crise que abateu diversos partidos do centro-direita na Lava Jato. Isso deu força para o partido assumir a liderança no nível local”, afirma.
No geral, “continuam a ser os partidos de centro e centro-direita que são mais favorecidos a partir da correlação de forças, porque em eleição municipal são geralmente esses partidos que ganham”.
Controle do orçamento e da máquina política
Outra vantagem para os partidos que estão à frente dos demais é um maior controle sobre o orçamento público e, consequentemente, sobre a máquina pública.
Como os prefeitos e vereadores são bons cabos eleitorais, a chance de PSD, MDB e PL elegeram quantidades expressivas de parlamentares no âmbito nacional nas próximas eleições é significativa. E como o fundo eleitoral, destinado ao financiamento de campanhas, é repassado aos partidos de acordo com o tamanho das bancadas de cada sigla na Câmara dos Deputados e no Senado, quanto maior a bancada, maior a fatia do fundo.
Em 2024, o PL de Bolsonaro e o PT de Lula receberam quase um terço do total do fundo eleitoral distribuído para as eleições deste ano, já que tiveram um bom desempenho nas eleições em 2022, quando deputados e senadores foram eleitos.
O Partido dos Trabalhadores tradicionalmente não tem uma tradição em eleger muitos prefeitos por uma escolha estratégica política, com foco em grandes cidades. Já o PL, no entanto, conseguiu um bom desempenho com prefeitos e vereadores eleitos, que ajudarão, em 2026, a eleger mais deputados e senadores, mantendo o partido com acesso a fatias expressivas do fundo eleitoral. É assim que o desempenho das siglas se retroalimenta.
Leonardo Barbosa, doutor em ciência política e pesquisador do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), afirma que “partidos que conquistam muitas prefeituras têm acesso a mais recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral, que são distribuídos com base no tamanho das bancadas. Esse financiamento é crucial para manter e expandir o poder político”.
“A gente também sabe que há uma relação entre o número de prefeituras conquistadas e o número de parlamentares eleitos na eleição seguinte”, afirma Barbosa. “Esses partidos do centrão que tiveram um bom desempenho nessas eleições vão conseguir manter uma posição política importante no cenário brasileiro”.
Emendas parlamentares
Junto com o controle sobre o fundo eleitoral, as emendas parlamentares turbinam o domínio dos partidos sobre o orçamento público, o que ajuda a consolidar o poder político. Leonardo Barbosa afirma que existe uma máquina política “que vai se consolidando, que envolve cabos eleitorais, controle de recursos orçamentários, controle de emendas parlamentares no Congresso Nacional e que tem que se renovar a cada eleição, seja nas municipais, seja nas eleições nacionais e estaduais”.
O cientista político, no entanto, alerta para a falta de transparência e rastreabilidade na destinação de emendas parlamentares, principalmente aquelas da modalidade Pix, tornam o financiamento das máquinas políticas “pouco republicano”.
“O financiamento público de campanha é uma coisa que pode ser muito positiva para a democracia, mas, misturada com partidos que não são democráticos e com esse abuso do uso de emendas parlamentares, cria-se máquinas políticas muito fortes que esse partido centrão estão sabendo”, afirma.
“Esse canal que liga o dinheiro do orçamento público federal para a eleição em municípios pequenos é um canal de difícil controle e que muitas vezes pode dar espaço para que esse dinheiro seja usado para financiar máquinas políticas de uma maneira até mais visceral e às vezes até mais corrupta do que a gente poderia imaginar”, conclui.
No final de dezembro, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o pagamento de 5.449 emendas, que somam R$ 4,2 bilhões do orçamento da União, por suspeitas de irregularidades. Além da suspensão, o magistrado determinou a abertura de uma investigação pela Polícia Federal.
Edição: Martina Medina