A operação da PF que revelou o indiscutível DNA militar da trama urdida para tentar manter Jair Bolsonaro (PL) no poder no fim de 2022, incluindo ali nada menos que execuções de autoridades, atinge a área da Defesa em um momento delicado.
O ministro José Múcio está tentando driblar a demanda da Fazenda pelo ingresso da pasta no pacote de corte de gastos, e foi pressionado pelo colega Fernando Haddad, que disse que só falta a parte dos fardados para fechar a conta.
Não que uma coisa tenha a ver com a outra, é óbvio, mas no caldo de difícil cozimento que é a relação Lula-militares, tudo se retroalimenta.
Já ao longo desta tarde de terça (19) havia oficiais-generais da ativa sussurrando por grupos de WhatsApp suas suspeitas acerca da operação, alegando que seu “timing” era estranho e questionando o fatiamento da investigação pela PF.
A ausência de ação contra aquele que vem sendo apontado como o eixo da trama, Walter Braga Netto, chama a atenção desses fardados. O general nunca foi muito bem visto no Alto-Comando por seus pares, dadas suas pretensões política abertas.
Afinal de contas, deixou publicamente a farda para ser ministro de Bolsonaro e, depois, seu candidato a vice na chapa derrotada por Lula (PT) em 2022.
Era visto como uma versão ativa e pragmática da linha dada a zonas cinzentas do general Augusto Heleno, que era chamado de “Raspútin da Alvorada” por alguns de seus ex-colegas de farda naqueles obscuros meses em que Bolsonaro trancou-se em casa deprimido pela derrota e em meio à vendaval de golpismos.
Ao menos um deles, ainda que inexequível por descontar a falta de adesão da tropa e a resistência dentro das Forças, tinha alguma espinha dorsal, ora sendo destrinchada pela polícia. Onde chegará, é algo a ver.
Para Múcio, o desafio é desassociar as coisas, seu trabalho desde que foi anunciado na quase inexistente transição de governo, em dezembro de 2022. De lá para cá, o ministro virou alvo preferencial do PT, que o acusa de passar pano para golpistas em nome da estabilidade do estamento militar.
De tempos em tempos, o queixume vira proposta que os fardados identificam como danosas, ainda que prevaleça a ordem unida simbolizada pelo comandante do Exército, Tomás Ribeiro Paiva. Uma das primeiras contendas foi a da mudança do artigo que rege o emprego militar, o famigerado 142 da Constituição. Múcio venceu.
Neste ano, surgiu o tema da aposentadoria dos militares, que segue um rito à parte do funcionalismo. O ministro ameaçou deixar a cadeira se a ideia fosse em frente e assim a esfriou, só para vê-la reintroduzida no debate das contas públicas.
O tema incomoda muito a cúpula militar. A reportagem já ouviu de seus integrantes falas críticas ao PT e a Lula devido à ideia de mexer no assunto que em nada devem ao que diziam generais da ativa mesmo antes da eleição de Bolsonaro.
Outro alvo usual de cortes em tempo de crise, os programas estratégicos das Forças, também pode ser acionado. O problema aí é conciliar compra de caças com a vontade expressa por Lula de ter um avião novo, por exemplo.
Novamente, são coisas distintas, mas aos olhos do público e na retórica de Haddad, é tudo igual. Com o mal-estar generalizado na caserna devido às parcelas que ainda paga pela associação com o bolsonarismo, é um capítulo de crise já contratado.