O jogo de interesses entre o Senado e a Câmara quanto ao modo de análise das medidas provisórias (MPs) coloca em risco ações consideradas prioritárias pelo governo federal que estão em funcionamento, mas dependem do aval do Congresso para continuarem valendo. Não há perspectiva de um acordo e, enquanto isso, cresce a queda de braço entre os presidentes das duas Casas.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teme que, diante do atrito, decisões importantes percam a validade, como a reestruturação das pastas ministeriais e as novas regras para o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Mais Médicos. Ao todo, 12 MPs deste governo sofrem esse risco.
Por meio de uma medida provisória, Lula instituiu o adicional complementar do Bolsa Família e do Auxílio Gás. O prazo de validade desse medida provisória vai até o início de abril, mas pode ser prorrogado por 60 dias, assim como as outras que estão na mesma situação.
É o caso também de uma série de MPs que trouxeram mudanças sobre as cobranças de tributos sob os combustíveis. Foi usando uma medida provisória que o governo excluiu as receitas do ICMS da base de cálculo dos impostos federais PIS e Confins. Essa decisão faz parte do pacote para reduzir déficit fiscal.
Por outra MP, o governo retomou os tributos sobre o álcool e gasolina, mas prorrogou a desoneração até 31 de dezembro sobre o diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP).
Outras mudanças que estão sob o risco de serem revertidas é a extinção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). As atividades foram transferidas para os ministérios da Saúde e das Cidades.
A volta do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao Ministério da Fazenda também depende do aval do Congresso, assim como a MP que dá ao governo vantagem em julgamentos de matérias tributárias com a volta do voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), órgão ligado à Receita Federal.
Em nome de Lula, articuladores políticos solicitaram aos congressistas a manutenção do rito atual para viabilizar as análises. Isso porque, caso as MPs voltem a passar por análise obrigatória de uma comissão mista antes da votação no plenário da Câmara, há o risco de perderem a validade. Agora, o governo está ainda mais pressionado a intermediar uma solução entre as lideranças do Congresso.
As medidas provisórias editadas durante o governo Bolsonaro e que ainda precisam ser analisadas pelo Congresso estão fora do embate. Isso porque, após acordo, Pacheco despachou as 13 medidas pendentes do governo anterior e a Câmara acertou, em reunião do colegiado de líderes, que dedicará a próxima semana para votar esses textos.
O embate
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acatou uma questão de ordem para a volta das comissões mistas — por onde começavam a tramitar as MPs antes da pandemia. O movimento ocorreu após o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sinalizar que não apoiaria a proposta de emenda à Constituição (PEC) que alterava o rito tradicional de análise das medidas.
Em resposta, Lira garantiu que a questão de ordem aprovada por Pacheco “não vai andar um milímetro na Câmara dos Deputados”. “O prejuízo vai ser do governo atual”, ameaçou Lira.
Não há mais a disposição da Câmara em mudar o rito de tramitação com uma alternância de início de análise das MPs entre as duas casas. Os deputados querem manter a prerrogativa de que as medidas passem primeiro pelo plenário da Câmara e também reivindicam que a composição das comissões seja reformulada, com a divisão por proporcionalidade e não mais de forma igualitária.
Como o impasse só deve começar a ser rediscutido após a votação das MPs do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), não há expectativa de que o assunto se resolva até a volta do recesso da Páscoa. “Eu confio muito no bom senso e na razoabilidade. Tenho plena tranquilidade na consciência, e todos os parlamentares, do seu dever, que sempre foi assim, de apreciar medidas provisórias”, declarou Pacheco.