Deus criou a Terra, o céu e todas as formas de vida em seis dias. No sétimo dia descansou, nos legando generosamente a folga dominical, já que ele mesmo era todo poderoso, não batia ponto e não ganhava salário mínimo.
A reivindicação do fim da jornada 6×1, como se sabe, acaba de virar uma PEC a ser encaminhada ao Congresso.
Modificar esse regime e discutir a redução da jornada semanal é uma questão contemporânea relevante, com passado histórico e implicações humanas e civilizatórias. Alguns comentadores, refratários a mudanças, reagiram intempestivamente, considerando que a ideia seria irrealista e prejudicaria a economia.
A constatação de que todos os países do G7 têm jornada semanal inferior às nossas 44 horas e que entre os do G20 o Brasil só é superado por Índia, China, México, África do Sul, Indonésia e Rússia diz alguma coisa.
No grupo, Canadá tem a menor média, com 32,1 horas semanais, seguido por Austrália, Alemanha e França, com médias de 32,3; 34,2 e 35,9. Há estudos e experimentos na Europa de esquemas de trabalho mais flexíveis e com garantia de mais tempo livre, como a jornada 4×3. A regra que hoje começa a ser questionada foi implantada no Brasil nos tempos varguistas para evitar situação pior e garantir direitos aos trabalhadores.
Não é demais lembrar que mudanças em regimes de exploração do trabalho são historicamente rejeitadas pelo status quo da economia –da escravidão às condições desumanas da revolução industrial.
Na Inglaterra, no início do século 19, a classe industrial emergente considerava parte do jogo jornadas que chegavam a 16 horas por dia. Crianças eram submetidas a até 11 horas diárias. Em 1847, o Parlamento estabeleceu o limite de dez horas e novas reduções foram conquistadas pelo movimento dos trabalhadores. É forçoso reconhecer os ganhos de produtividade ocasionados pela tecnologia e que o mundo do trabalho está em mutação e demanda novos arranjos. Há evidências, ao que se saiba sérias, sobre males à saúde física e mental provocados por regimes tipo o 6×1.
O movimento Vida Além do Trabalho, que o vereador eleito pelo Rio Rick Azevedo (PSOL) levantou com grande êxito –e já comentei aqui–, é uma demanda justa com eco gritante entre jovens submetidos a essa regra da CLT classificada por ele como escravocrata. “Eu que não tenho filho, que não tenho nada, que sou sozinho, não dá para fazer as coisas. Imagina quem tem filho, quem tem marido, quem tem casa para cuidar”…”A pessoa tem que se doar para a empresa seis dias na semana e só um dia para folgar. E isso por salário mínimo. Gente, não dá.”
Representantes do comércio, que usa largamente a 6×1, dizem que não tem jeito, que aumentaria preços etc. Será? À época da criação do décimo terceiro salário, a maior parte empresariado classificava a medida como “desastrosa” –termo, aliás, estampado à época na manchete de um grande jornal. Hoje o pagamento reduz a inadimplência e anima comércio e economia nos fins de ano.
Não sei que fórmula poderia ser usada –mas a ideia do ministro do Trabalho de deixar para acordos por categorias soa como tergiversação. Vale travar o debate. Não se trata de um capricho da massa que trabalha seis e folga um dia por semana a troco de um troco.
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