Crise das MPs escala, afeta trabalhos do Congresso e coloca em risco agenda do governo Lula


Impasse entre Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) transborda limites do Legislativo, traz Planalto para o centro do imbróglio e adia teste da base no Parlamento; cenário traz insegurança jurídica e ônus para a população

Jefferson Rudy/Agência SenadoRodrigo Pacheco e Arthur Lira
Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão solene do Congresso Nacional

Com o impasse das Medidas Provisórias (MPs) transbordando os limites do Legislativo e respingando em áreas do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu no início da noite desta sexta-feira, 24, com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), na tentativa de encontrar alternativas para contornar a crise a respeito da tramitação das medidas provisórias nas Casas Legislativas, que também envolve o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e paralisa o Legislativo. O clima entre os chefes das duas Casas se deteriorou ao longo das últimas semanas e piorou na sexta, quando Lira enviou ao parlamentar mineiro um ofício, no qual afirma que Pacheco não foi “coerente” em sua decisão sobre as MPs e pede a convocação de uma sessão do Congresso Nacional.

No documento, obtido pelo site da Jovem Pan, Lira afirma que Pacheco não foi coerente ao definir que as MPs editadas ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL) serão analisadas diretamente no plenário da Câmara, enquanto as publicadas por Lula serão avaliadas pelas comissões mistas, como manda a Constituição e como ocorria antes da pandemia de Covid-19. “Com efeito, se o fundamento do Ato de Vossa Excelência é encerramento da ESPIN [Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional] e da calamidade pública, não se mostra coerente aplicar a medidas provisórias posteriores a 22 de maio regimes diversos. É dizer: a transição de governos não é um marco temporal coerente com os fundamentos da decisão”, escreve Lira. Em outro trecho do ofício, o presidente da Câmara dos Deputados afirma que, ao acolher a questão de ordem apresentada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), que requereu a retomada dos trabalhos das comissões mistas, Pacheco “tolheu o direito regimental de deputados e deputadas de contraditar a questão de ordem e recorrer da decisão de Vossa Excelência”. “O procedimento correto, inclusive já adotado por esta Casa em situações análogas, seria remeter a questão de ordem para decisão em sessão do Congresso Nacional”, segue o deputado do PP.

O pedido de Lira é mais um capítulo da primeira crise institucional do governo Lula, que se vê no centro de um embate entre os presidentes das Casas Legislativas e corre o risco de ver suas medidas provisórias caducarem. As discordâncias entre deputados e senadores sobre este tema, no entanto, não são novas. Desde que a Câmara e o Senado, com o aval do Supremo Tribunal Federal, concordaram com a modificação temporária do rito das MPs, em razão da pandemia de Covid-19, que impossibilitava a existência das comissões mistas, deputados e senadores apresentam posições divergentes sobre o tema. Entre os aliados de Arthur Lira, o entendimento é que o modelo atual é mais dinâmico e deveria ser mantido. As lideranças também entendem que a formação de comissões mistas desprestigiava a Câmara, que tem 513 parlamentares e estava subrepresentada com 12 membros. Os senadores, por outro lado, reclamam do pouco tempo para a análise dos textos. É comum ouvir dos parlamentares que, na atual configuração, a Casa Alta se transformou em mera carimbadora das decisões dos deputados.

Com o impasse e as visões antagônicas, Lula e seus articuladores políticos entraram em campo para tentar aparar as arestas e chegar a um acordo. De início, líderes do Planalto no Congresso apoiaram a criação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para modificar a tramitação atual das comissões. Como o site da Jovem Pan antecipou, a ideia apresentada por Arthur Lira estabelecia uma espécie de revezamento entre as Casas e o andamento das medidas provisórias ora começaria com os deputados, ora com os senadores. Entretanto, a proposta foi insuficiente e as disputas continuaram. Sem acordos, o presidente da Câmara disse esperar “bom senso” dos senadores e elevou as críticas, ao afirmar que há “dificuldades para entender quem manda” no Senado Federal, sugerindo que a Casa Alta estava sendo refém da política regional de Alagoas e do Amapá, com crítica aos senadores Davi Alcolumbre (União-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL) – o emedebista, vale dizer, é ferrenho adversário político de Lira. As declarações causaram um novo mal-estar com os senadores, que falam em “esperneio” e “autoritarismo” do “Rei Lira”. “É só seguir a Constituição. Se não está satisfeito, é só apresentar uma PEC e aprovar nas duas Casas novamente”, afirmou o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), autor do mandado se segurança apresentado ao STF contra o congelamento das MPs no Congresso, expondo mais uma fase de tensões entre os congressistas.

Além de causar todo o atrito entre as Casas, o impasse também acende o alerta ao Palácio do Planalto e coloca em risco a agenda de Lula. Mais do que isso, sem a votação das medidas provisórias, o governo não consegue passar pelo “teste do painel”, expressão citada à reportagem por um articulador do petista ao comentar a expectativa em torno do número de votos que o Planalto terá. A prova de fogo ganha contornos especiais, se considerados os esforços para a construção de uma base aliada no Parlamento. Sem a aprovação das MPs pelo Congresso Nacional, o Executivo pode ter que lançar mão de alternativas, como a assinatura de Projetos de Lei de caráter de urgência, e abrir novas negociações com os congressistas, em um momento que o governo ainda patina na articulação. O cenário traz mais instabilidade e problemas de governança ao terceiro mandato de Lula, explica o cientista político Paulo Niccoli Ramirez. “Lira ganhou mais poder, a Câmara ganhou poder, porque as discussões eram feitas quase de imediato, isso dava um poder de barganha [com o Executivo] maior. Isso pode afetar a governabilidade de Lula, diante de uma briga entre Lira e Pacheco, mas o que o Lira quer é mais barganha, mais poder de negociação com o Executivo”, menciona.

Mario Schettino, também cientista político e professor de Relações Internacionais do Ibmec BH, detalha que a demora para resolução do conflito no Legislativo leva a uma “queda de braço” com impactos reais na sociedade. “Temos uma disputa sobre a forma como vai ser decidido [o rito das Medidas Provisórias], sendo que já existe uma regra que determina com isso acontece. É claro que temos uma dificuldade que impacta a vida da população”, diz Schettino. De fato, entre as MPs estacionadas estão, por exemplo, a proposta que regulamenta a volta do Bolsa Família, com a inclusão de novas regras; a proposta da reoneração dos combustíveis e a criação de novo tributo sobre a exportação de petróleo cru; e a retomada do programa Mais Médicos, também anunciada por meio de medida provisória. As MPs também incluem a criação de 14 novas pastas do governo Lula, como o Ministério dos Povos Indígenas, e o retorno do Minha Casa, Minha Vida. Sem o aval do Congresso, as medidas podem perder a validade em menos de 40 dias, com reflexos também aos beneficiários do programa social e para os ministros.

Em último caso, Mario Schettino explica que as incertezas quanto ao futuro das medidas provisórias no Congresso Nacional também trazem um cenário de insegurança jurídica ao país. Em outras palavras, isso significa que as trocas de farpas, bem como a guerra velada entre Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, podem significar prejuízos econômicos ao Brasil, que vão muito além das medidas simplesmente caducarem. “Insegurança jurídica leva em custos maiores para os empresários. Empresários não conseguem planejar seus custos diante de insegurança jurídica e isso acaba refletindo no preço nos contratos, que acaba refletindo no bolso das pessoas comuns lá na ponta, no dia a dia”, argumenta.





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