Os empréstimos feitos pelos bancos às empresas tiveram uma queda forte e generalizada em fevereiro, de acordo com os dados mensais do mercado de crédito divulgados nesta quarta-feira (29) pelo Banco Central.
Na análise de economistas, a retração piora um quadro que já era oscilante ao fim do ano passado, por conta da desaceleração econômica e dos efeitos crescentes dos juros altos sobre os negócios, e que, neste ano, foi atingido ainda pelo “caso Americanas” e uma série de outras recuperações judiciais que estouraram a partir de janeiro e que levaram os bancos a ficarem mais criteriosos com suas linhas voltadas aos clientes corporativos.
O volume de crédito concedido no país para pessoas jurídicas (PJ) no mês passado somou R$ 185,5 bilhões, pela série com ajuste sazonal do BC com recursos livres, ou seja, de linhas de crédito que não são reguladas.
É 8,3% a menos que em janeiro, 4,7% a menos que em fevereiro do ano passado e o menor valor mensal desde agosto de 2021, quando as empresas voltavam aos poucos a buscar recursos para se financiar depois da paralisia nos negócios causada pela pandemia, que atingiu o país a partir do primeiro trimestre de 2020.
O resultado também vai na contramão do que aconteceu com o crédito para as pessoas físicas, que cresceu 1,2% no mês e estão no maior valor desde pelo menos dezembro de 2020, também considerados os recursos livres.
Além disso, a retração vista no crédito às empresas foi generalizada: as novas contratações caíram em 13 de 18 segmentos verificados pelo Banco Central.
Os volumes emprestados para capital de giro, por exemplo, foram 22% menores em fevereiro do que em janeiro. Os empréstimos para desconto de duplicatas – operação que está no centro da estratégia de “risco sacado” usada pela Americanas em seus balanços – caíram 9%.
Entre as poucas linhas em que houve aumento, estão operações ligadas ao mercado externo e em moeda estrangeira, como o financiamento às exportações (+70%) e o adiantamento de contratos de câmbio (+33%), e o rotativo do cartão de crédito (+33,5%), que tem os juros mais caros e é uma modalidade a que as pessoas recorrem geralmente quando já estão endividadas ou com dificuldade de conseguir outras fontes de recursos.
Queda esperada e risco controlado
De acordo com a analista da Tendências Consultoria para o sistema financeiro, Isabela Tavares, os números confirmam tanto um menor apetite das empresas por crédito, em meio a uma atividade mais fraca, quanto a maior reticência dos bancos em conceder recursos a elas, em meio a uma piora na saúde financeira de várias empresas.
Os dados, porém, não são, na visão dela, o suficiente para confirmar uma crise mais espraiada no mercado de crédito como se chegou a temer depois do calote bilionário aberto pelas Americanas em janeiro.
A varejista abriu naquele mês o quarto maior pedido de recuperação judicial já feito no país depois de anunciar uma dívida de R$ 40 bilhões escondida por falhas recorrentes em seus balanços. Marisa, Livraria Cultura e Light foram algumas outras grandes empresas que anunciaram algum tipo de reestruturação de dívida logo depois.
“O primeiro bimestre já mostrou efeitos mais pronunciados da piora nas condições de financiamento por conta dos juros e da inadimplência mais alta, e esse risco de crédito elevado se acentuou no começo do ano com a maior seletividade dos bancos após o aumento nas recuperações judiciais”, disse ela.
“Mas não há um risco de liquidez ou de alguma instabilidade como se viu com alguns bancos no exterior; o sistema financeiro nacional está bem controlado”, avalia.
Em relatório a clientes, o Inter destacou “a política monetária altamente contracionista”, ou seja, os juros altos, entre as principais razões para as fortes quedas vistas nas diferentes modalidades de crédito às empresas.
“A combinação de política monetária altamente contracionista, atividade econômica desacelerando e maior cautela por parte dos bancos tornou as concessões mais custosas”, escreveu a equipe econômica do banco.
“A perspectiva para os próximos meses é que essa desaceleração continue podendo ser acentuada pelos eventos recentes nos Estados Unidos e na Europa. Por outro lado, devemos observar melhorias quando o banco central der início ao ciclo de cortes na Selic”, continua.
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