Presidente do BC deixará o cargo tendo passado por desafios da pandemia de covid-19 e guerras na Europa e Oriente Médio
O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, deverá deixar a autoridade monetária tendo cumprido 3 das 6 metas de inflação de 2019 a 2024. As estimativas dos agentes financeiros indicam que a taxa do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ficará acima do teto da meta neste ano.
O ano de 2024 será o último que o objetivo da inflação terá como referência o acumulado de 12 meses até dezembro. A nova meta contínua estabelece que haverá um descumprimento quando a taxa ficar fora do intervalo permitido por mais de 6 meses, mas a norma só vale a partir de janeiro de 2025.
O CMN (Conselho Monetário Nacional) estabeleceu uma meta de inflação de 3% para 2024. Há uma margem de tolerância: de 1,5% para 4,5%. Acima deste patamar, o BC terá que se explicar publicamente.
Campos Neto deverá deixar o Banco Central com metade das metas cumpridas. Caso as estimativas dos agentes financeiro se cumpram, o presidente será o que mais publicou cartas para explicar a inflação fora da meta. Serão 3 ao todo: 2021, 2022 e 2024. O Brasil e os países sofreram com um ciclo de inflação mais alta depois dos estímulos fiscais e monetários adotados durante a pandemia de covid-19.
Campos Neto fez sua última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) na 4ª feira (11.dez.2024). Deixará o cargo até 31 de dezembro. Será substituído por Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária.
HISTÓRICO DE EVENTOS
Campos Neto teve eventos favoráveis e contrários à política monetária durante a gestão. Eis alguns destaques, separados por cada ano:
- 2022
- Guerra entre Ucrânia e Rússia;
- Barril do petróleo supera US$ 120 em março;
- Eleições 2022: país elege Lula.
- 2023
- Críticas do governo à política monetária de Campos Neto e ao regime de meta;
- Início da guerra entre Hamas e Israel;
- indicações de diretores testam a autonomia do BC;
- Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) aumenta os juros para o intervalo de 5,25% a 5,50% ao ano, patamar que ficou até setembro de 2024;
- Governo derruba teto de gastos e cria nova regra fiscal;
- reforma tributária é aprovada no Congresso.
- 2024
- Marco fiscal é flexibilizado com metas menos rígidas;
- CMN (Conselho Monetário Nacional) estabelece meta contínua de inflação de 3%;
- Donald Trump é eleito presidente dos EUA;
- Mesmo com taxa Selic acima de 2 dígitos desde fevereiro de 2022, a taxa de desemprego atingiuo menor patamar da série histórica, iniciada em 2012;
- Governo apresenta pacote fiscal considerado pouco ambicioso pelos agentes financeiros.
HISTÓRICO DAS CARTAS
Campos Neto foi o 5º chefe da autoridade monetária brasileira a ter que dar explicações para o descumprimento da meta de inflação. Armínio Fraga, Henrique Meirelles, Alexandre Tombini e Ilan Goldfajn também tiveram que encaminhar um documento ao Ministério da Fazenda com as justificativas.
Os limites estabelecidos para as metas de inflação já foram rompidos em outras 7 ocasiões. Eis as cartas já feitas:
- 2001 (carta feita em janeiro de 2002 sobre inflação de 2001);
- 2002 (carta feita em janeiro de 2003 sobre inflação de 2002);
- 2003 (carta feita em fevereiro de 2004 sobre inflação de 2003);
- 2015 (carta feita em janeiro de 2016 sobre inflação de 2015);
- 2017 (carta feita em janeiro de 2018 sobre inflação de 2017);
- 2021 (carta feita em janeiro de 2022 sobre inflação de 2021);
- 2022 (carta feita em janeiro de 2023 sobre inflação de 2022);
Apenas em 2017, durante a gestão Ilan Goldfajn, que a inflação terminou o ano abaixo do intervalo permitido. Na ocasião, o então presidente do Banco Central afirmou que a queda no preço de alimentos em domicílio pressionou o índice para abaixo do piso. O taxa do IPCA ficou acima do teto da meta em 2001, 2002, 2003, 2015, 2021 e 2022.
O regime de metas de inflação foi criado em 1999 no país. Os percentuais são estabelecidos pelo CMN. Atualmente, é composto pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
A autoridade monetária adota as medidas necessárias para alcançar o índice determinado, como alterar a taxa básica de juros, a Selic. A meta tem um intervalo de tolerância, atualmente de 1,5 ponto percentual. Acesse aqui o histórico.
INFLAÇÃO E SELIC
Campos Neto fez 47 reuniões do Copom de 2019 a 2024. A taxa básica de juros atingiu o nível mais baixo da história na pandemia de covid-19, quando foi de 2% ao ano. Os países implementaram medidas de estímulos monetários para aumentar o nível de atividade econômica durante o isolamento social.
Os incentivos se somaram às políticas fiscais expansionistas dos governos. Como consequência, a inflação global subiu. Medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), atingiu 12,13% no acumulado de 12 meses até abril de 2022.
A alta no índice de preços em alta levou o Banco Central a elevar os juros para controlar os preços e as expectativas. O órgão fez o maior ciclo de aperto monetário do Século 21. Subiu a Selic de 2,00% para 13,75% ao ano –alta de 11,75 pontos percentuais de 2021 a 2022.
O aperto monetário mesmo antes das eleições de 2022 é o principal argumento de Campos Neto para defender que as decisões de política monetária são técnicas.
O presidente Lula e aliados criticaram o presidente do BC. Acusaram-no de prejudicar o país com os juros altos no período da gestão PT. O Banco Central voltou a cortar os juros em agosto de 2023. O ciclo durou até junho de 2024, com a manutenção do indicador em 10,5% ao ano. O cenário global adverso, as incertezas sobre as contas públicas e o mercado de trabalho aquecido voltaram a elevar as expectativas futuras para a inflação.
A Selic voltou a subir em setembro. Começou com uma alta de 0,25 ponto percentual, que acelerou a cada reunião.
O futuro presidente do BC e diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, só divergiu de um voto de Campos Neto nas 12 reuniões do Copom realizadas de agosto de 2023 a dezembro de 2024.
A ERA CAMPOS NETO
Roberto Campos Neto tomou posse em fevereiro de 2019. Foi indicado por Paulo Guedes, ex-ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro (PL). Caso fosse reconduzido ao cargo por Lula, poderia ficar até 2028 e se tornar o presidente do BC mais longevo, superando Henrique Meirelles (8 anos).
Responsável por indicar os diretores da autoridade monetária, Lula é crítico de Campos Neto e propôs o economista Gabriel Galípolo para comandar o órgão a partir de 2025. Campos Neto disse também ser contrário à recondução e que ficaria até dezembro de 2024.