Uma produtora de café especial, com selo de sustentabilidade, colocou em sua colheita trabalho análogo ao escravo
Leonardo Augusto
Belo Horizonte, MG
Uma produtora de café especial, com selo de sustentabilidade, colocou em sua colheita trabalho análogo ao escravo, segundo a fiscalização do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). Uma equipe da Gerência Regional do Trabalho em Montes Claros resgatou na última colheita de café em Minas Gerais, em julho do ano passado, sete trabalhadores, três mulheres e quatro homens- em condições consideradas pelo MTE como análogas ao escravo, em uma propriedade da empresa Fazendas Klem Importação e Exportação de Cafés em Manhumirim, na Zona da Mata, em Minas Gerais.
O processo corre no âmbito administrativo do mnistério, na fase de apresentação de defesa e recurso contra os autos de infração, com documentação inserida no sistema em 17 de fevereiro de 2023 pelas Fazendas Klem.
Contatada por telefone, a empresa pediu que fosse enviado um e-mail com as perguntas sobre a fiscalização do MTE na propriedade. A mensagem foi enviada na segunda (13) às 15h59, mas não houve resposta até as 12h desta terça. Após a publicação da reportagem, a empresa enviou resposta ao email, às 22h14, afirmando que pagou os salários dos trabalhadores e forneceu equipamentos de proteção e abrigo, o que, conforme o relatório da blitz, não teria sido feito.
A Klem também afirma desconhecer Gimaílson, homem citado pelos trabalhadores resgatados como contato para que fossem trabalhar na propriedade (leia íntegra da resposta da empresa mais abaixo).
Afirma ainda que a foto usada na reportagem, também retirada do relatório de fiscalização, não é de nenhum imóvel da fazenda e que teria sido colocada pelo fiscal de forma equivocada. Questionado a respeito dessa negativa, o coordenador nacional do GMóvel (Grupo Especial de Fiscalização Móvel) do MTE, Maurício Krepsky, reafirmou que a foto foi tirada em Manhumirim, em propriedade da Fazendas Kleim. Afirmou ainda que nenhuma foto foi retirada do processo.
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Durante audiência no Ministério do Trabalho e Emprego na regional da pasta em Manhuaçu, depois do resgate dos trabalhadores, o proprietário da Fazendas Klem, Cesar Viana Klem, afirmou que fez todos os pagamentos devidos aos trabalhadores resgatados, que retornaram para a Bahia.
Em publicação no último dia 7, porém, ao comentar a prisão do líder da FNL (Frente Nacional de Lutas Campo e Cidades), José Rainha, no Pontal do Paranapanema, o dono da Fazendas Klem escreveu o seguinte texto: “Nós tivemos nossa propriedade ‘invadida’ por ‘supostos trabalhadores’, que criaram uma narrativa de ‘trabalho análogo a escravo’ que está nos levando à falência. Se nada for feito no sentido de auxiliar o agricultor, essa esquerda vai destruir o agronegócio brasileiro”!!!!!!!
A Fazendas Klem estava dentro de um seleto grupo de produtores de café no Brasil que ostenta o selo Rainforest Alliance, uma ONG (Organização Não Governamental) com atuação em todo o mundo que atesta a sustentabilidade de produtores agrícolas. O preço de seu produto pode chegar a R$ 112 o quilo, quase dez vezes o de um café comum vendido no supermercado.
O site da organização afirma que seu selo “significa que o produto (ou um ingrediente específico) foi produzido por agricultores, silvicultores, e/ou empresas trabalhando em conjunto para criar um mundo onde as pessoas e a natureza prosperam em harmonia”.
A Rainforest Alliance informou que a empresa Fazendas Klein não conta mais com a certificação.
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Depoimentos dos sete trabalhadores e trabalhadoras aos fiscais do ministério do trabalho, aos quais a Folha teve acesso, mostram a situação precária pela qual passaram na propriedade. Todos são de Caetanos, região centro-sul da Bahia. O grupo chegou a Manhumirim na madrugada do dia 20 de junho de 2022, depois de desembarcarem em Realeza, distrito da cidade vizinha de Manhuaçu.
Um carro da fazenda, conforme relataram, os buscou em Realeza, distrito da cidade vizinha de Manhuaçu, a 774 quilômetros de Caetanos. Nos depoimentos, os trabalhadores afirmam que a decisão de partirem para Manhumirim ocorreu depois de um vídeo que circulou entre os trabalhadores rurais do município mostrando uma fazenda com muitos pés de café por serem colhidos.
A propriedade seria essa para a qual se dirigiram. No entanto, ao chegarem, notaram que não havia tanto café pronto para ser colhido. Um dos trabalhadores rurais disse ter acertado a ida para a fazenda com um homem que se apresentou como Gimaílson “a mando das Fazendas Klem”, como afirmou aos fiscais. Uma das perguntas feitas no e-mail enviado à Fazendas Klem foi sobre qual a função do homem citado pelos trabalhadores na propriedade.
Outro lavrador resgatado disse que a fazenda mostrada era em área plana, ao contrário daquela para a qual se dirigiram, que ficava em terreno íngreme. O relatório dos fiscais da equipe de Montes Claros fala, a partir dos depoimentos e da fiscalização feita na propriedade, em banheiro sem descarga, esgoto correndo a céu aberto próximo à casa em que foram colocados, não fornecimento de ferramentas, material de proteção e de abrigo para alimentação quando estavam na lavoura.
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“Os trabalhadores residiam em alojamento precário na própria fazenda, com portas com rachaduras, sem estar totalmente forrado e janelas vulneráveis, instalações sanitárias em condições precárias, sem papel higiênico e material de enxugo”, aponta o relatório da fiscalização, feito com base nos depoimentos e nas vistorias que fizeram na fazenda.
“A moradia estava completamente suja; não eram fornecidas roupas de cama, não havia local para tomada de refeições, lavanderia para higienização das roupas e objetos de uso pessoal. As refeições preparadas pelos próprios trabalhadores eram realizadas no alojamento que não possuía condições de conservação, asseio, higiene e segurança”, aponta ainda, o relatório.
Os fiscais apuraram ainda que os trabalhadores não passaram por exame médico admissional e que no período entre o início do trabalho dos lavradores na fazenda, em 21 de junho, e 6 de julho, dia do início da fiscalização, não houve pagamento de salários.
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Segundo Krepsky, pelas regras de atuação do grupo, não é permitido revelar de que forma a denúncia contra a Fazendas Klem chegou ao ministério. “O grupo atua a partir de denúncias e também por fiscalizações feitas sem qualquer anúncio prévio”, diz.
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“A situação dos trabalhadores era completamente negligenciada”, afirma o coordenador nacional do grupo. Por conta das condições em que os sete trabalhadores e trabalhadoras foram encontrados, as Fazendas Klem foram multadas em R$ 13 mil por lavrador resgatado.
Houve, ao todo, 15 autos de infração, cada um com multa que pode variar de R$ 400 a R$ 20 mil, conforme Krepsky.
Situação semelhante à dos lavradores em Manhumirim voltou a ocorrer esse ano, no Rio Grande do Sul. Trabalhadores em condição análoga ao escravo foram resgatados também em vinícolas do estado.
LEIA A RESPOSTA ENVIADA PELA DEFESA DA CAFEICULTORA
“A Fazendas Klem e seus sócios foram surpreendidos com a reportagem veiculada nos endereços eletrônicos, pelo jornalista Leoandro Augusto, na data de 14/03/2023, e, por não concordarem com os termos constantes e prezando pelo princípio da transparência, apresentamos a presente nota.
Recebemos, recentemente, algumas perguntas em relação à fiscalização ocorrida em julho de 2022. Menos de 24horas após recebermos o e-mail com perguntas, a reportagem foi publicada, de forma completamente unilateral, com informações tendenciosas e incompletas.
Não é isso que um jornalismo sério deve fazer. Inicialmente, destaca-se que os fatos narrados na reportagem, além de ardilosos, não retratam acontecimentos e situações sucedidas na prestação de serviço de colheita de café.
Outrossim, a fotografia estampada na reportagem não é de nenhum imóvel localizado na propriedade das Fazendas Klem, tampouco o local onde alguns colaboradores residiram durante os 15 (quinze) dias que laboraram nas lavouras, sendo, portanto, o local desconhecido e sem nenhuma relação alguma com esta empresa.
Por erro, em um primeiro relatório, referida foto foi inserida, mas, no documento oficial, já foi retirada pelos próprios auditores do trabalho. Importante esclarecer que a fiscalização ocorreu em 06 de julho de 2022 e os autos de infração foram lavrados e recebidos somente em fevereiro de 2023.
Além disso, completamente diferente de todos os outros casos de identificação de trabalho análogo à escravo, não se tratava de operação conjunta, mas, diferente disso, feita por UM ÚNICO AUDITOR DO TRABALHO. Ou seja, diferente do que está na reportagem, não se tratava de um grupo, mas, de um único servidor.
No que tange as informações quanto ao posicionamento político do sócio César, entendemos que não há relação com o desenvolver das atividades da empresa, bem como patente que a opção por determinado partido político não evidencia suas convicções pessoais.
Além disso, em nítido ataque ao seu posicionamento, teve o perfil rackeado e sua conta está fora do ar.
Destaca-se que a reportagem foi publicada baseando-se em depoimentos e versões unilaterais, sem que fosse oportunizado à empresa direito de defesa e/ou esclarecimentos, contendo, desta forma, diversas inverdades e interpretações errôneas dos fatos, os quais objetiva-se esclarecer a seguir.
Apesar de ter ocorrido uma fiscalização pelo Ministério do Trabalho, o procedimento administrativo ainda está em curso, sem qualquer condenação definitiva de qualquer irregularidade.
Ademais, os autos de infração lavrados, ainda pendente de julgamento após defesa inicial, não foram nas quantidades elencadas na reportagem e algum deles foram emitidos em duplicidade e com indicações de outra fiscalização.
A Fazendas Klem, quando oportunizada, comprovou ao auditor fiscal Flávio Penha que, diferentemente do constante na reportagem, todos os trabalhadores da empresa recebem equipamentos de proteção individual antes do início de suas atividades, que são indicados por engenheiro de segurança do trabalho, especializado para tanto.
No mesmo sentido, ao contrário do que consta na reportagem, os colaboradores receberam adiantamentos salariais poucos dias após iniciarem atividades, possuindo a Fazenda recibo assinado por todos eles.
Outrossim, cumpre ressaltar que a fiscalização realizou sua inspeção no 5º dia útil, ou seja, no dia do primeiro pagamento devido aos trabalhadores, que, apesar do departamento de RH estar com as folhas prontas, o fiscal solicitou pagamento na rescisão.
Por conseguinte, as duas casas alugadas pela empresa de prestação de serviço, que serviram de residência para os trabalhadores, não estavam do modo como narrado na reportagem, ao contrário, estavam em ótimas condições de uso, bem como que tinham acabado de serem reformadas pelas Fazendas Klem, nos moldes do que determina a NR31.
Esclarece-se que atualmente a caracterização de condições análogas à escravidão é subjetiva e amparada no entendimento pessoal de cada auditor do trabalho, de forma que basta indício de enquadramento em um dos 66 indicadores previstos na instrução normativa correspondente (IN nº 02 do MPT), para fundamentar autuação neste sentido.
No presente caso, auditor, além de não emitir notificação formal de caracterização em condições análogas à escravidão, ainda não foi capaz de indicar expressamente o enquadramento nenhum dos critérios exemplificativos previstos na legislação.
A origem da denúncia, presente no relatório de fiscalização a que a reportagem deve ter tido acesso, foi feita pela ADERE/MG – Articulação dos empregados (as) rurais do Estado de Minas Gerais.
A empresa Fazendas Klem não coaduna com quaisquer práticas de supressão e/ou violação de direitos, estando sempre atento e agindo em conformidade com as legislações, durante toda sua cadeia produtiva.
Portanto, considerando que a empresa tem como premissa a transparência e confiança com seus clientes e parceiros, faz-se da presente para esclarecer que não tem relação com a ação fiscal veiculada em reportagem midiática hostil, em que intenta, a todo custo, relacionar estes empregadores a práticas desonrosas, as quais não são fidedignas.
Assim, além de responder aos questionamentos, através da presente nota, foram elucidados os pontos tratados na reportagem e solicitamos que a nota seja divulgada em sua íntegra.
PERGUNTA 1. Quem é o senhor Gimaílson, apontado pelos trabalhadores como a pessoa que fez contato com eles para o trabalho em Manhumirim? Qual o sobrenome e a função dele na empresa? REPOSTA: Não sabemos quem é. A Fazendas Klem nunca teve pessoa com esse nome no quadro de colaboradores. O nome também não aparece em qualquer documento oficial da fiscalização
PERGUNTA 2. Os trabalhadores falam que um vídeo foi mostrado a eles como sendo da fazenda, cheia de pés de cafés prontos para a colheita. Ao chegarem, no entanto, notaram não se tratar da propriedade mostrada. A empresa tem por hábito buscar esses trabalhadores em outros estado (sic)? De que maneira? RESPOSTA. Não, a empresa nunca contratou trabalhadores de outros locais. O recrutamento e seleção é feito exclusivamente na cidade. No caso em comento, os trabalhadores foram contratados e registrados em Minas e pela empresa prestadora de serviços Não temos conhecimento sobre referido vídeo, que também não aparece em qualquer documento da fiscalização e que, como narrado pelos próprios trabalhadores, não se tratava das propriedades das Fazendas Klem, demonstrando que não migraram com promessa de contratação.
PERGUNTA 3. Por quais motivos a empresa não pagou salários, não forneceu equipamentos e nem abrigo em condições de uso aos trabalhadores? RESPOSTA. Todos os salários foram devidamente adimplidos, bem como os equipamentos de proteção foram entregues. As frentes de trabalho e alojamento estavam de acordo com as exigências da NR31. Sendo só o que se nos apresentava para o momento, permanecemos à inteira disposição de Vossa Senhorias para quaisquer esclarecimentos adicionais julgados necessários.